A LÍNGUA PORTUGUESA E SUA RELAÇÃO COM A SOCIEDADE
Por volta de 1950, com as investigações sobre os fenômenos da diglossia e os efeitos dos contatos linguísticos, o aspecto social da língua tornou-se divulgados pelos estudos de Uriel Weinreich, Charles Ferguson e Joshua Fishman.
Atualmente Marcos Bagno e William Labov têm feito pesquisas bem divulgadas no meio acadêmico, em relação à funcionalidade da língua, suas relações de grupos, suas alterações baseadas na perspectiva social, ideológica e política dos falantes. Isso caracteriza a oralidade como marca fundamental no processo linguístico, pois tudo que se fala será aproveitado no campo semântico e lexical. Embora alguns linguistas tradicionais venham criticando as propostas sugeridas por eles, em defender e aceitar a oralidade na produção escrita, Bagno apresenta argumentos quanto a isso:
Além de ser anacrônica como teoria linguística, a Gramática Tradicional também se constituiu com base em preconceitos sociais que revelam o tipo de sociedade em que ela surgiu - preconceitos que vêm sendo sistematicamente denunciados e combatidos desde o início da era moderna e mais enfaticamente nos últimos cem anos. Como produto intelectual de uma sociedade aristocrática, escravagista, oligárquica, fortemente hierarquizada, a Gramática Tradicional adotou como modelo de língua "exemplar" o uso característico de um grupo restrito de falantes. (BAGNO, 2006, p.2).
Ainda Bagno (2006) aponta a Gramática Tradicional e seus defensores de considerarem apenas uma forma ideal de língua exemplar, que privilegiou ao longo da historia apenas um grupo de falantes, compreendesse-se aqui a elite brasileira. Com todo aparato que os cercavam, sejam bibliotecas, acesso a universidades, a internet, livros, enciclopédias, teatros e cinemas, enfim, tinham acesso à cultura e a informação e por isso, eram beneficiados quanto à língua padrão.
Segundo ele, Bagno, essa postura da Gramática Tradicional é errônea, pois, vincula a fala dos “falantes” menos favorecidos economicamente e socialmente a uma exclusão, levando-os a serem considerados “falantes ignorantes” e “marginalizados” pelo fato de não dominarem a língua culta. Colocando de lado, todo conhecimento de mundo que esses falantes têm suas concepções de vida e as variantes linguísticas. Para comprovar a distinção das variantes linguísticas, Labov (2008) cita uma experiência realizada:
[...] Labov realizou uma pesquisa (1966) em três lojas de departamento de Nova York, sendo que uma era frequentada pela classe alta, outra, pela classe média e a terceira pela classe baixa. A intenção de Labov era perguntar em que andar ficava os produtos que lhe interessavam, induzindo os empregados das lojas a pronunciarem as palavras fourth, com a consoante /r/ em posição pós-vocálica não final, e floor, com a consoante /r/ em posição pós-vocálica final. O resultado mostrou que a omissão do /r/ estava relacionada com a classe social, uma vez que a pronúncia do /r/ era mais frequente nas lojas de classe alta e média do que na loja de classe mais baixa, revelando que a pronuncia do /r/ pós-vocálico era considerada de prestígio. (WILLIAM LABOV, 2008.p. 63).
Assim a sociolinguística entra para explicar alguns pontos. Embora coincidentes no ponto de vista de que as línguas devem ser analisadas em determinado contexto social (situação de uso), no decorrer da pesquisa pode-se entender que alguns autores entendem a Sociolinguística de modo diferente da Laboviano. Explicam que a sociolinguística é a ciência que tem a tarefa de descrever as línguas em uma diversidade funcional e social.
Isto significa entender como as línguas funcionam se comportam em um determinado espaço social, em uma determinada comunidade linguística, acompanhando as mudanças acontecidas no decorrer do tempo histórico. Assim, esse modelo de análise é qualitativo e opõe-se ao quantitativo.
Essas informações feitas tanto por labov, Moura, Guy, Zilles e Bagno permitem entender que à Sociolinguística cabe investigar e acompanhar a estabilidade, a mutabilidade e as variações linguísticas, percebendo haver variáveis influenciadoras internas e sociais, das quais se originam as mudanças. Por isso, vale afirmar que a sociolinguística tem como objeto de estudo a língua falada, descrita, observada e analisada em seu contexto social, em maneira real do seu uso.
Portanto, estudar as línguas na sua relação com as sociedades que as usam, independentemente da sua classe social, do poder aquisitivo, da cor e raça, a sociolinguística tem o papel primordial de compreender “as diversas falas dos povos”.
Em “A Língua de Eulália”, Marcos Bagno (2008) descreve rompimento das barreiras do preconceito quanto aos falantes de dialetos regionais, a classe menos favorecida, ou seja, os marginalizados sociais, àqueles que por algum motivo ficaram fora do processo de escolaridade e de formação intelectual, tanto dos meios sociais que foram privilegiados pela cultura.
O livro relata uma novela sociolinguística onde três professoras e acadêmicas escutam os argumentos de Irene, professora universitária aposentada, que tem uma empregada chamada Eulália, a mesma não sabia ler e nem escrever, fato que incentivou Irene a ensiná-la em casa o mundo das letras.
Durante as férias das três professoras, na casa de Irene, na cidade de Atibaia, elas achavam engraçada a forma que Eulália falava o português, achando errado o que a empregada falava.
Pode até ser — comenta Emília enquanto as quatro se sentam num grande banco de madeira sob um caramanchão. — Mas ela fala tudo errado. Isso para mim estraga qualquer sabedoria.
— Eu tive de me segurar para não rir quando ela disse aquelas coisas na mesa — acrescenta Sílvia.
— Que coisas? — quer saber Vera.
— Ah, sei lá... agora não me lembro — responde Sílvia.
— Eu me lembro — adianta-se Emília. — Ela disse “os probrema”, “os fósfro”, “môio ingrês”...
— É mesmo — confirma Sílvia —, e a mais engraçada foi: “percurá os hôme”...
Sílvia ri, e Emília a imita.(BAGNO,2006.p. 13/14)
Diante dessa situação Irene argumenta mostrando exemplos de que a maneira que Eulália fala é apenas diferente, pois ela pertence a uma classe social diferente das professoras. O livro discorre com vários exemplos de como o processo linguístico é flexível, podendo ser interpretado de diversas maneiras, mostrando o quanto a Língua Portuguesa é transmitida pelo meio do conhecimento acadêmico, tendo como certo tão-somente a norma culta, fazendo ainda considerações de que no dia-a-dia das pessoas podemos evidenciar situações que nos leva a crer que a língua antes de tudo é própria do falante, nasce consigo, sem mesmo precisar de escolas e regras.
Podemos ainda assim destacar que o analfabeto é “visto com maus olhos”, então não usar corretamente a escrita e a fala conforme orienta a norma culta é semelhante à falta de inteligência ou de inteiração social. A sociedade brasileira é excludente e preconceituosa quanto a essas questões linguísticas.
Fato relevante são as pessoas que sofrem discriminações por terem em sua formação linguística marcas regionais ou de grupos classificados como inferiores pela maneira distinta de falarem. Isso não é bom, pois na língua o importante é a comunicação.
O ensino da norma culta nas escolas é percebido pela maioria dos professores como a forma adequada de se aprender português, dando-lhes a certeza de conseguir bons empregos, passarem no vestibular, esse pensamento ainda prevalece nas mentes das pessoas como mecanismo de ascensão social.
A variação no comportamento linguístico não exerce, em si mesma, uma influencia poderosa sobre o desenvolvimento social, nem afeta drasticamente as perspectivas de vida do individuo; pelo contrario, a forma do comportamento linguístico muda rapidamente á medida que muda a posição social do falante. Essa maleabilidade da língua sustenta sua grande utilidade como indicador de mudança social. (LABOV, 2008. p. 140)
Em seu livro Preconceito Linguístico, Marcos Bagno (2007), faz uma relação muito importante quanto ao ensino da norma padrão como mecanismo de ascensão social:
É muito comum encontrar pessoas muito bem-intencionadas que dizem que a norma padrão conservadora, tradicional, lite¬rária, clássica é que tem de ser mesmo ensinada nas es¬colas porque ela é um “instrumento de ascensão social”. Seria então o caso de “dar uma língua” àqueles que eu chamei de “sem-língua”? (BAGNO, 2007, p.69).
Mas o autor faz um questionamento razoável, se a norma padrão fosse sinônimo de ascensão social, então os professores de português seriam a elite cultural, social e econômica desse país. Podemos entender que é extremamente importante, compreender e usar adequadamente a norma padrão nos momentos e situações pertinentes ao seu uso, mas não devemos desvalorizar àqueles que por inúmeras situações aplicam suas marcas regionais e culturais no cotidiano.