O PRECONCEITO (1)

Admitir defeitos e qualidades, com equilíbrio é virtude difícil.

As semanas, em seus noticiários, oferecem ricas situações para refletir sobre o humano, suas relações, seus contextos, suas compreensões, diferenças, defeitos e qualidades. Análises mais acuradas permitem perceber que os fatos, que se transformam em notícias, são comuns entre si, por vezes, simples variações.

Deu-me vontade de ponderar sobre o preconceito, que durante a semana apareceu, novamente e com ênfase, nas redes sociais, em muitos noticiários e comentários de pessoas que são lidas (vistas) por muitas pessoas, o que supõe, em parte, que formam opinião. Nem tudo que leio serve-me para elaborar minhas opiniões, porém, ao ler, contribui de alguma forma para minhas reflexões. Não se lê nada, com atenção e interesse que não influi nas nossas formas de pensar, ainda que seja minimamente. Colado no preconceito, tento refletir sobre outras categorias que se identificam com as mesmas em nossas construções discursivas, percepções e importâncias que lhes conferimos.

Percebo, felizmente, que as pessoas, eu também, conseguem pensar cada vez com mais qualidade sobre dimensões relacionais que nos são comuns, como o preconceito, a superioridade, a arrogância, a alienação, a ideologia, a corrupção, entre muitas outras. Ou seja, todos nós enquanto seres relacionais, aprendemos valores, crenças, padrões comportamentais que nos tornam diferentes das outras pessoas. As diferenças, quanto mais fortes e tradicionais, mais rivalizam com os outros. O muito que conseguimos é 'aceitar', ‘tolerar’, e ‘achar’ que não somos preconceituosos, que não somos racistas, que não somos corruptos, que não defendemos uma ideologia (postura política, religiosa, cognitiva, teórica, modista); o mínimo significa que não conseguimos reconhecer essas particularidades em nossos próprios comportamentos e relações.

Todas as características apontadas são humanas. São fundadas nas relações necessárias entre seres culturais. Partindo da concepção de que somos biológicos e culturais, e se compreendermos que as relações sociais não são biológicas, portanto culturais, devemos admitir que os fatores que mobilizam as relações culturais, sociais, são construídos nas próprias relações. Há um aspecto normal, no sentido tradicional, nas construções morais e outro que precisamos aprender a diluir nas convivências com os demais. Ser diferente não é uma questão de educação e sim de comportamento, que pode ser influenciado pela educação. Recebemos nossa primeira educação (não escolar) da família, carregada de valores e crenças que cada vez mais se diferenciam de outras famílias em sociedades abertas (não tradicionais).

Aprender ser diferente em relação a nossa matriz educacional primária, a familiar, constitui necessidade social. Precisamos compreender que nossa educação não é tudo. Há outras formas de se expressar que podem não coincidir com as nossas. Os valores e as crenças, principais vetores (mobilizadores) dos nossos comportamentos, não são unívocos, pelo contrário são singulares e cada vez se tornam variações, começando pela nossa própria família.

‘Somos, todos, diferentes em tudo’ é a máxima que mobilizará as relações humanas rumo ao futuro. A família, embora ainda considerada a ‘célula’ da sociedade já não significa o que significava algum tempo atrás. Ou seja, família não é tudo. O que na minha família constitui-se a moral máxima pode sofrer confronto radical e sectário na família ao lado. Para considerar, para ser ‘socialmente correto’ basta ‘aceitar’, ‘tolerar’; para conviver e significar precisamos ir além. Necessário se faz fraternizar, ser irmãos, diluir as diferenças na mesma forma de conviver. Significa que as características educacionais e morais construídas na minha família não são mais as bases das minhas relações. Para viver e conviver na diversidade precisamos formar um novo conjunto de elementos que nos servem de base para um mesmo espaço social.

As características que mobilizarão as relações sociais deverão mudar sobremaneira nas próximas décadas. Preconceitos, ideologias, diferenças, corrupção, e outros valores em desconstrução e negativos deverão dar lugar a formas híbridas de comportamentos em que a tendência é de se considerar tudo produto cultural, portanto de validade social. O tradicional dará lugar ao dinâmico. Os comportamentos serão aceitos na conformidade individualizada e com possíveis formações sociais a partir de grupos que se identificam. O padrão social será diluído em padrão grupal com o social como aparência, pois os padrões comportamentais (morais) serão formados pelas ‘comunidade’ que não necessitam ter similaridades com as comunidades vizinhas. A questão que intriga nesse projeto sociocultural é saber como o local e o global compreenderão a formação da humanização que não pode ser vista do ponto de vista da comunidade e sim de toda sociedade.

Quero entender, como interrupção da minha ponderação dominical, que o preconceito, a ideologia de cada um, a corrupção como produto social antes de ser atitude política, as diferentes forças comportamentais, as crenças, os valores, são (e sempre foram) formas morais isoladas e construídas particularmente em cada família. Cada indivíduo tem um padrão comportamental (moral) único. Ainda, posso ponderar que as mesmas caraterísticas, ou elementos, são como uma ‘necessidade’ de cada um na sua formação. O que a sociedade, a cultura, ou os sistemas que configuram os paradigmas dominantes fazem é normatizar as violações, o que gera um padrão social aceitável. Com a desconstrução dos padrões, dos valores, da moral resta analisar como as continuidades, as descontinuidade e rupturas irão construir o padrão comportamental das experiências humanas do futuro.

Somos todos, em última análise, tudo o que consideramos no outro. O que nos qualifica é perceber onde está a minha ideologia, o meu preconceito, a minha participação na corrupção social e política e em que dimensões posso contribuir para melhorar ou piorar a sociedade em que vivo.