EDUCAÇÃO – por que insistimos em ser tradicionais
Tradicional é o passado, é a nossa base, será o futuro a nos considerar.
Educação é um campo de estudos que virou alvo preferencial da crítica de todas as direções. Não há ciência, nem linha de estudos que, de alguma forma, não façam objeções dirigidas à Educação. A Educação contempla dois processos: a educação não escolar (a primeira) e a educação escolar (a segunda). Há outras ‘educações’, todas variáveis de uma das duas. Aqui, refiro-me à educação escolar, permitindo como sinônimos ensino e escolarização.
Na educação escolar, dentro do campo da crítica, temos dois movimentos que se direcionam à tradicional e ao que não é tradicional, sendo este último não muito bem definido, pois permite a crítica pontual que se estabelece em direções variadas como tendências, formação dos professores, contexto dos alunos, fatores sociais, culturais, entre outros. Podem, ainda, os diferentes fatores serem lançados ou à educação escolar tradicional, e/ou a não tradicional. Exemplo: quando se fala em formação de professores, a crítica, ou as observações, podem relacionar-se tanto à formação tradicional, como negativa, ou à formação não tradicional como pretendida, sem conseguir resolver a questão. Ou seja, não se encontram críticas capazes de superar as experiências educativas tradicionais. Nesse sentido, todos os professores continuam ‘tradicionais’, ainda que em apenas alguns aspectos.
Uma razão inicial por que nossa escolarização continua ‘tradicional’ reside no fato de nossas ações, educativas ou culturais, ter raízes históricas. Nossa história é tradicional (e conservadora). Um segundo motivo situa-se na formação acadêmica e humana dos professores (protagonistas da escolarização) ser predominantemente tradicional. Sujeitos professores são antes indivíduos (humanizados) com seus comportamentos enraizados em valores e crenças de matriz tradicional. Estes pressupostos, valores e crenças, influenciam as dinâmicas instrumentais didáticas docentes. As formações atuais são, sobremaneira, tradicionais. Articulam o conhecimento sob a égide da rigidez. O equívoco da crítica, a meu ver, reside na anulação dos valores e crenças tradicionais. Precisamos articular diferentes teorias em vez de promover a destruição de algumas.
Não há como negar que muitos professores e professoras, mesmo de formação conservadora, conseguem qualificar processos de ensinar inovando, recriando e reelaborando o conhecimento. Merecedores de aplausos, são minorias que enfrentam muitas resistências porque suas ‘pedagogias’ não encontram aval e consenso na formação. Estes professores não são formados na inovação, são docentes que na escola fazem ‘diferente’ do que lhes foi ensinado. O diferente, na sociedade como na escola, não encontra consideração unívoca.
Não é possível anular a tradição. Nem na sociedade, nem na escola. É como cortar as raízes de uma árvore, ela morre. Neste campo a maior parte das críticas se insere: anulam todos os elementos de uma educação escolar ‘tradicional’. Poucos (existem) são os discursos que articulam o valor histórico do conhecimento, significando seu valor nos processos de ensinar e aprender, com a necessidade de contextualizar as dinâmicas de sua produção e difusão. Na formação de professores é o maior desafio: como articular a tradição com a inovação? Como formar professores que compreendem o campo teórico (‘tradicional’) como transição para a prática (inovadora, reelaborada)? O teórico, criticado e até deixado de lado, substituído por uma prática sem fundamentos significa cometer o mesmo erro que se pretende atribuir ao tradicional.
A teoria, como a tradição, está imbricada com a prática, que é histórica e situada como o é o conhecimento. Os valores, as crenças e tudo que sustenta nossas ações, tem seu fundamento no passado, na tradição, na história. Manter os elementos positivos é uma virtude; qualificar, melhorar princípios que a história legou é nosso papel. Destruir, aniquilar os valores que nossos antepassados se empenharam para construir, será o crime do qual, no futuro, a história poderá nos acusar.
O caminho para avançar na prática, sem menosprezar a teoria constitui-se em construir ponderações em vez de críticas que não articulam os saberes tradicionais com perspectivas escolares inovadoras. O conhecimento, como categoria construída na tradição e na história precisa ser trabalhado na escola atual de maneira diferente como foi no tempo da escola tradicional. O inovador é o diferente, não a anulação. Isso vale para conteúdos e para didáticas.
Convém, então, substituir as críticas, que pecam por não demonstrar nenhum valor à pedagogia tradicional, por ponderações, estudos e reflexões que analisam os valores contidos nos elementos tradicionais e, a partir destes, aproveitar o conhecimento agregando novas formas para sua reelaboração e articulação. Na educação escolar isso implica em pensar como podemos articular o tradicional com a inovação, com o fazer diferente, sem colocar de lado ou anular os valores e crenças historicamente acumulados. A construção de uma crítica construtiva é um desafio atual. O caminho não é a superação do ensino e a formação tradicional e sim a sua articulação com novas orientações que levem a novas formas de reelaboração, ensino e difusão do conhecimento da escola à vida. Se o tradicional é o que de melhor se considerou no passado, lembremos que no futuro nós seremos considerados também como tradicionais. Não gostaríamos que alguém escrevesse daqui a alguns anos que o que fizemos não teve (e não tem) nenhum valor.