Sociologia, Filosofia e Doutrinação

A recente queda da obrigatoriedade destas disciplinas no Ensino Médio não se deve somente a um enxugamento das disciplinas numa tentativa de melhorar os desempenhos avaliados neste nível de ensino.

A lógica do enxugamento das disciplinas e especialização vocacional do currículo do Ensino Médio e decorrente melhora no desempenho é uma relação pouco clara. Algo do tipo ensina-se mais matemática e português e os alunos aprenderão mais matemática e português.

Ela parte da premissa de que há um excesso de disciplinas obrigatórias para os alunos e que a redução destas disciplinas fará com que sobre tempo para matemática, português e algumas disciplinas que o aluno escolha.

A medida será tão eficaz quanto mais relacionado estivar o mau desempenho com a quantidade de matérias. Isto não explica o sucesso do desempenho dos Institutos Federais, pois os mesmos possuem um currículo, ainda que profissionalizante, também com as mesmas disciplinas do Ensino Médio comum.

Nem explica o abismo entre a qualidade de escolas públicas e privadas. Estas possuiriam a mesma carga horária e disciplinas obrigatórias. E geralmente uma pressão maior por resultados no Enem e outras avaliações.

Se pensarmos no perfil dos alunos que se formaram na escola pública enxuta e naquela particular que mantem as disciplinas obrigatórias, veremos que estes alunos não só terão acesso a mais conhecimentos como estarão melhor preparados para provas como do Enem que avaliam um amplo conjunto de saberes.

Se o que explica o mau desempenho das escolas públicas em geral no Ensino Médio for o excesso de disciplinas e falta de conteúdos profissionalizantes e vocacionais, estamos lidando com uma relação não observada na realidade brasileira. Estaremos testando e experimentando com estas gerações.

* Doutrinação

Se ensinar como se produzem as desigualdades sociais diversas, racismos, discriminações, diversidade cultural e sexual é doutrinação, então estamos chamando qualquer atitude e pensamento crítico de doutrinação. O que parece uma inversão completa do sentido da palavra "doutrinar".

Se entendermos como doutrinar "Ação ou efeito de doutrinar; ato ou resultado de instruir de acordo com uma determinada doutrina; catequese ou prédica"1 podemos pensar o que seria ensinar sem doutrinar? Seria algo baseado mais em argumentos e provas do que na visão e preferências valorativas do professor.

Ainda que fosse possível não doutrinar como no sentido acima colocado, seria inadimissível estudar sociologia e o professor não tratar assuntos como diversidade religiosa, desigualdades sociais, racismo, discriminação, preconceitos, intolerância cultural, classes sociais, ideologias, política e poder.

A visão convencional, senso comum a respeito destes assuntos, geralmente é equivocado e cheio de preconceitos, não há como o professor que leve sua disciplina a sério dar voz a interpretações racistas, machistas, discriminatórias e meritocráticas a respeito das questões sociais sem deixar seu compromisso com a ciência que propõe ensinar.

Se chamam de comunismo qualquer postura crítica e não conservadora a respeito destes assuntos, é impossível ciências humanas não serem comunistas.

Infelizmente pessoas ignorantes ou mal intencionadas confundem paradigmas coletivistas e estruturais com comunismo e paradigmas individualistas como liberais. O que mostra como a sociologia é importante, nem que seja para desfazer estes mal entendidos.

Algo parecido tem sido imposto ao ensino de biologia, em que pais religiosos tem exigido que os professores também ensine criacionismo como alternativa ao darwinismo. Ora, o professor seria realmente um doutrinador se deixasse de falar amparado pelos conhecimentos científicos de sua disciplina e começasse a defender ideias convenientes a seu grupo social ou de quem acha que tem obrigação de agradar.

O professor de filosofia que não questione dogmas, seja religiosos ou não, não está ensinando filosofia. Como ensinar a refletir sobre os fundamentos de certas ideias sem questionar a forma como as naturalizamos pelo hábito costumes, valores e pensamentos religiosos?

Como o professor de sociologia consegue ensinar sociologia sem questionar os fundamentos preconceituosos que se antecipam a ciência sempre que tratamos sobre desigualdades sociais, classes e gênero?

* Cabe à família ensinar

Quem nos dera não precisássemos de sociologia ou filosofia para que os alunos aprendessem a questionar e refletir com mais profundidade sobre valores, ideologias e as questões sociais que os cercam.

Quem nos dera que a educação que as famílias dão fossem suficientes para que as pessoas tivessem o mínimo de reflexão para falarem e participarem da política. Para saberem usar o voto para fazer uma sociedade mais justa.

Quem nos dera que a educação que as famílias e as igrejas dão fossem suficientes para que não houvessem mais discriminação e intolerância religiosas, de preconceitos relacionados a orientação sexual, ao racismo, a indiferença diante das desigualdades e da violência.

A filosofia e a sociologia podem não cumprir completamente esta pauta. Assim como português e matemática não conseguem cumprir toda o ensino necessário ao desempenho dos alunos nestas áreas. Mas temos o compromisso profissional, algo que não se obriga nem as famílias e nem as igrejas.

* Conclusão

Antes de falar qualquer besteira a respeito destas disciplinas, leia a proposta Curricular de cada uma delas, seu histórico de luta pela educação de qualidade.

Não seja tão tolo a ponto de acreditar que os professores destas matérias doutrinariam mais que as igrejas e a mídia. Por que o professor que seja contraditado com aquilo que a ciência diz é desonesto ou desatualizado. Este compromisso, infelizmente, não é compartilhado pela mídia, igreja ou família, por isto houve tanta luta para que elas fossem incluídas no ensino médio.

Não seja tolo de achar, que se professores de história, geografia, sociologia e filosofia doutrinassem como fazem os pastores, padres e mídia que o povo brasileiro engoliria calmamente as PEC's que lhe tiram direitos e dignidade. Não! Se eles engolem é por que o trabalho feito pelo pastor, pelo padre, pela família e pela mídia fizeram o dever de casa e amansaram o rebanho antes de ser tosquiado.

1-https://www.dicio.com.br/doutrinacao/

Wendel Alves Damasceno
Enviado por Wendel Alves Damasceno em 14/12/2016
Reeditado em 14/12/2016
Código do texto: T5853309
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