O problema do negro na democracia brasileira

Nacib Hetti

As recentes manifestações, com ocupação de escolas, me deixaram uma impressão negativa em um ponto crucial: quase não havia negros nas ocupações. Ou eles se sentem excluídos ou são discriminados pelos líderes. Desde que foi levantada, pela primeira vez, a questão da política de cotas para os afrodescendentes, eu fiquei em cima do muro. Durante esse período, acompanhei as discussões sobre o acesso do negro à universidade, regulamentado com a edição do Decreto nº 7.824. A legislação adota o percentual de 12,5% ao ano até que se complete o mínimo de 50% de reserva de matrículas para pretos, pardos e indígenas, que disputarão as vagas reservadas. A regra vale por um estágio probatório de dez anos. Sem a norma impositiva, o percentual de matrículas já é de 15%.

A discussão nos remete a um estudo publicado em 1944 pelo economista sueco Gunnar Myrdal. Convidado por uma universidade dos Estados Unidos, ele estudou, entre 1938 e 1940, o problema da segregação do negro norte-americano e as barreiras que impediam sua integração à sociedade. Seu trabalho se chama "An american dilemma: The negro problem and modern democracy", que, numa versão livre, constata que o problema do cidadão dessa etnia nos EUA se constituía no seguinte dilema: era discriminado, sem acesso social, pobre, sem escolaridade, sem autoestima; discriminado, sem acesso social, pobre, sem escolaridade, sem autoestima; e assim por diante.

A constatação do círculo vicioso na realidade do negro norte-americano foi a base científica para o desenvolvimento do conceito da "causação circular" aplicada à economia, que deu a Gunnar Myrdal o prêmio Nobel em 1974. Segundo sua teoria econômica, os países subdesenvolvidos se perpetuariam na mesma condição. É a geração da pobreza pela própria pobreza criando um círculo fechado, que deveria ser rompido num determinado ponto para quebrar a tendência e formar novas políticas causadoras de um novo círculo, aí sim, virtuoso. Com a globalização sua teoria perdeu substância, mas deixou o que pensar.

Alguma coisa deve ser feita para quebrar o círculo vicioso que deixa o negro brasileiro à margem das oportunidades. Esse golpe inicial deve ser dado no elo da educação, proporcionando uma nova postura da sociedade frente a um processo que precisa ser acelerado. Como toda medida não ortodoxa, a intervenção via cotas tem seus impactos na classe média conservadora. Os primeiros abolicionistas também foram criticados como uma ameaça às instituições econômicas e sociais da época. O que se pede é pouco: apenas um prazo de dez anos, suficiente para um nivelamento das oportunidades, para o qual os primeiros passos já foram dados.

Myrdal faz referência ao dilema da sociedade norte-americana, revelado na crença dos liberais de que as pessoas são iguais e têm os mesmos direitos. Para eles, o problema do negro era, e continua sendo, um problema da sociedade como um todo. Contrariando alguns segmentos, a sociedade tem o dever de desenvolver políticas de integração em todos os níveis, até que sejam afastadas todas as barreiras para a prevalência do mérito sobre qualquer outra condicionante.