A IDENTIDADE DA COMUNIDADE COMO PRESSUPOSTO PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO

A IDENTIDADE DA COMUNIDADE COMO PRESSUPOSTO PARA A EDUCAÇÃO

DO CAMPO

ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICOWESTPHAL,

Jayne 1

jaynewestphal@gmail.com

“Se o objetivo da educação escolar é a formação humana, então

as necessidades humanas é que determinam os objetivos da

educação.” (SAVIANE, 2004)

Introdução

Este ensaio faz parte de uma conversa entre o texto “Organização do trabalho pedagógico e Educação do Campo” (MARTINS, 2008) e o texto “Pilares fundantes de uma nova forma escolar” (CALDART, 2014), juntamente com o contexto encontrado no Colégio Estadual do Campo Tereza Cristina (CETEC), o qual foi observado no estágio. O diálogo entre esses três referenciais vai fundamentar o trabalho de comparação entre a forma de organização do trabalho pedagógico na escola e o gérme de uma possível proposta de educação do campo.

Apesar do referido colégio não seguir uma proposta aos moldes do projeto

socioeducativo da Educação do Campo, com seus limites tem mantido um aspecto

fundamental nessa proposta, que o da aproximação e ligação intrínseca entre a escola e a comunidade. Estimulando principalmente o sentimento de pertencimento e luta conjunta que é identificado na realidade da comunidade, pois é através dela e da escola que o desenvolvimento de ambas tem sido notório.

Este ensaio vem à contemplar essa relação, mostrando como ela de fato ocorre e em que medida, na perspectiva de um direcionamento à uma educação libertadora e emancipatória, seguida especialmente pelos autores trabalhados. Aqui também será trazido elementos externos que influenciam diretamente nesse processo de organização do trabalho pedagógico e como, mesmo que indiretamente, a comunidade se faz presente na escola.

Aspectos sociais, culturais e históricos da Comunidade

Tomando como princípio que a educação do campo precisa ser construída a partir das especificidades dos povos do campo e tem sua materialidade de origem na negação histórica que esses povos sempre tiveram, o colégio Estadual do Campo Tereza Cristina – Ensino Fundamental e Médio, nasce para atender, além dos estudantes que moram no distrito, várias outras comunidades do entorno, pois o distrito de Tereza Cristina está à aproximadamente 40km de uma escola mais próxima, o que dificultava a vida dos estudantes.

A história do colégio acaba, em diversos momentos, se confundindo com a história dacomunidade. Os dois carregam em seus nomes uma homenagem à ultima Imperatriz do Brasil, Thereza Cristina Maria casada com o Imperador Dom Pedro I, que também ajudou financeiramente nas expedições de colonização de Thérèseville. Além do nome de uma representante da classe que foi opressora durante séculos, o colégio ainda trás em sua simbologia a figura da corroa dourada, que remete diretamente à época imperial. Analisando o contexto histórico da comunidade, ele se faz presente em muitos aspectos da escola, como nas suas simbologias, no nome da escola, nas histórias contadas.

Tereza Cristina também enfrenta um problema grande com o constante fluxo de saída de sua população para as grandes cidades, principalmente dos jovens. As condições de trabalho são precárias, o acesso a educação também é difícil, em quase todos os níveis, mas principalmente ao ingressar no ensino superior. Depois que terminam o Ensino Médio, esses jovens se veem sem trabalho e sem condições de continuar os estudos.

No texto de Martins (2008), ele já faz apontamentos sobre o modelo de educação que alimenta ainda mais o desprezo pelo campo, para ele

"A grande mensagem subliminar ou, as vezes explíca é que a educação deve levar os jovens que desejam prosperar para a cidade. Por isso, pensar o campo a partir da categoria educação do campo requer o entendimento deste enquanto lugar de vida, diferente da concepção implícita na educação rural. (MARTINS, 2008, p. 95)"

Outro ponto que o autor salienta é que

"A realidade camponesa do Brasil, campesina, rural, agrícola, é abordada de uma forma multifacetada e de diferentes concepções de mundo. Tradicionalmente, a relação entre educação e campo é tomada , ao menos nos textos legais, como educação rural e entende a realidade campesina a partir da oposição entre urbano e rural. Nessa oposição, esse último é uma instância inferior da vida social, tida como atrasada, rudimentar. A relação educativa segue essa lógica, a escola rural, além de ser um apêndice da escola urbana, é uma versão simplificada dessa. (MARTINS, 2008, p. 95)"

Aqui o autor nos trás bastantes elementos que também são encontrados no cotidiano de nossa escola. O colégio de Tereza Cristina também é colocado dentro da lógica de esquecimento desses povos pelas autoridades locais, sendo diversas vezes prejudicado na hora de recebimento de projetos e até mesmo no quadro de professores que trabalham no estabelecimento de ensino.

Além disso há um preconceito muito grande com o colégio em detrimento dos demais colégios da região, simplesmente pelo fato de ser do campo, de ser distante da cidade e até mesmo por seus alunos que são oriundos do sítio.

Concepção de Educação e Escola

O colégio realmente tem duas concepções de escola, uma que é a da ''Escola do

Campo'' e outra da ''Escola da Cidade''. Segundo a concepção da maioria dos professores, o CETEC é uma escola do campo por estar situada no acampo e atender alunos do campo. Assim como a escola da Cidade seria aquela localizada na cidade e que atende alunos urbanos.

Os professores que compõem o corpo docente do colégio não tem formação nenhuma baseada no conceito de ''EDUCAÇÃO DO CAMPO''. A concepção de Escola ''do'' 2 e ''no'' Campo ainda é bastante confundida. Para a escola a mudança de nomeclatura não expressa mais do que o fato dela estar localizada no perímetro rural do município. A escola por não conhecer e reconhecer a proposta de Educação do Campo como relevante, acaba, no processo de aprendizagem, voltando-se ao conhecimento formal, o espaço-tempo aulas, aos conteúdos

didáticos, a seguir fielmente o livro adotado pela escola e ao que a organização curricular pede.

Porém, apesar desses limites e desafios a serem superados, é perceptívelo o esforço, enquanto escola, para estar envolvida nas questões da comunidade e vice-versa. Foi na própria escola que nasceu o movimento que mobilizou toda a comunidade conseguindo a instalação de um Posto avançado da Sanepar para tratamento de água.

A Associação de Pais, Mestres e Funcionários (APMF) além do papel que tem dentro da escola, também se desmenbra em outra Associação que a Comunidade possui ligada a Igreja local. Dentro dessa organização tem se constituido uma luta muito grande por benefícios e melhorias tanto para a comunidade quanto para a escola, é nela que se articula tudo o que relacionado ao cotidiano social, cultural e mesmo econômico da localida, como por exemplo a incessante briga pela documentação da escola, a coleta de lixo que agora a população conta, a instalação de uma moderna balça nos rio que corta o município, o posto de saúde com médico permanente, a merenda escolar com produtos direto dos próprios

produtores ou então feitos pelos moradore, etc. Todas essas são conquista de uma comunidade organizada e engajada em melhorias para a mesma, sendo auxiliador e acompanhante de todo esse processo o diretor do colégio.

Currículo: direcionamento e especificidade

Olhando o Projeto Político Pedagógico (PPP) do Colégio, as suas diretrizes são

direcionadas ao atendimento das especifidades de um Colégio do Campo, ao dialogo entre o conhecimento formal e aquele que é trazido pelos alunos. Vejo a formação, ou melhor, a falta dela como principal desafio na constituição dessa relação, pois embora as diretrizes direcionem a atividade educativa, os professores ''abusam'' de sua autonomia prejudicando os alunos, pois como nos alerta Paulo Freire “O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre

os que não sabem”. (FREIRE, 2005)

A educação para a população do campo é trabalhada a partir de um currículo

essencialmente urbano e, quase sempre, deslocado das necessidades e da realidade do campo.

Em nosso colégio não é diferente, já que a organização currícular do ensino não se

baseia na concepção de educação do campo que deveria referenciar o ensino das escolas do campo, mas trás nas suas relações uma proximidade muito grande do que ocorre na comunidade nas vivências coletivas e educativas do espaço escolar.

O texto ''Organização do Trabalho Pedagógico e Educação do Campo'' estudado, que também baseou estes escritos nos coloca que, ''falar de organização do trabalho pedagógico é fazer considerações indissociáveis entre a organização escolar e a organização social'' (MARTINS, 2008), como por exemplo a organização do calendário escolar, a pedagogia da alternância, a organização dos currículos e principalmente o referencial do PPP como base do trabalho pedagógico e que se faça presente também no cotidiano da escola.

Para Martins, ainda no mesmo texto, ao tratar dos sujeitos do campo ele salienta que,

"[...] ainda são “sujeitos indeterminados” uma vez que não é somente o espaço geográfico ou a produção da existência que determinam tais sujeitos, mas também o sentimento de pertença, que é extremamente subjetivo, entre outros fatores de vinculação necessários para a construção de identidades coletivas. (MARTINS, 2008, p. 95)

O autor também nos trás que, para a construção de uma educação do campo não basta serem sujeitos no campo, se de fato não houver o sentimento de pertencimento ao lugar, e o papel do mesmo para que se agregue ainda mais nessa construção. Na escola é possível perceber tal elemento, a partir do momento que se trabalha com a história local e coloca-se todos como fruto de uma luta, primeiro pela existencia da comunidade. Para tanto, utiliza de referencial teórico o livro “Saga da Esperança” escrito por Josué Corrêa Fernandes, que conta com detalhes a hitória da região e que faz parte do acervo literário do Colégio. Esse é um rico documento que a comunidade possui e que é trabalhado anualmente em todas as turmas do colégio, e que está também ao acesso da comunidade.

Outro aspecto importante preservado é a língua, atualmente, há moradores que falam pelo menos três idiomas: português, ucraniano e polonês. A escola, a partir disso, também tenta aproximar elementos de uma mesma natureza à Organização do Trabalho Pedagógico, ao expor esse aprendizado da língua materna dos antigos moradores nos momentos de oração coletiva e/ou nos espaços de apresentações teatraise musicais.

Limites e avanços

•Gestão Educacional

Outra instância importante dentro do trabalho, não só organizativo, mas

também pedagógico – pois é nela que se estruturam as relações entre escola e comunidade – é a Gestão Educacional. A forma como se dará essa gestão vai influênciar diretamente nessas relações, aproximando ou afastando a comunidade delas, e consequentemente o projeto de Educação do Campo, mesmo que este ainda esteja num campo teórico distante ainda. E, preferencialmente, trabalhando com o conceito de uma “gestão democrática”, ou seja a democracia deve estar presente nas relações de participação para que todo esse processo não caminhe sozinho e a passos curtos.

No texto de Ribeiro (2006 apud Martins, 2008) é destacado um apontamento que nos trás as seguintes observações

"Se considerarmos que os processos de exclusão social são inerentes à lógica do modo de produção capitalista, veremos que as políticas de inclusão e/ou inserção social são estratégias para integrar os objetos – os excluídos – ao sistema sistema social que os exclui e, ao mesmo tempo, de manter sob controle as tensões sociais que decorrem do desemprego e da exploraçã do trabalho, móveis da exclusão social. (RIBEIRO, 2006, p.159)"

Esse trecho casa-se muito bem com o que é a lógica das escolas e projetos no campo como política publica. Cometemos ledo engano pensando que estas políticas são pensadas e desenvolvidas em beneficio as classes mais pobres e para a população com menos acesso a educação, na verdade elas não servem mais do que para manter a população acomodada, sem maiores reações. Pois o governo como forma de controle sempre faz um ou outro projeto de política publica que apenas contente a população.

Nesse sentido, a Educação é uma política social porque está a serviço do tipo de sociedade atuante, visa certo desenvolvimento econômico, são políticas direcionadas à classe pobre trabalhadora e tende a manter a ordem dominante instaurada e por último, para a escolarização de mão de obra para o capitalismo. Segundo Caldart (2014, p.2), “[...] A matriz formativa originária da escola de massa (essa que em tese todos têm o direito de entrar) é a subordinação, das relações hierárquicas e do acesso ao conhecimento em dosses controladas e visando a preparação para uma inserção subordinada nas relações de trabalho.”

O que deixa-se claro com isso é que não é só um problema de “não seguir uma

proposta de educação do campo” ou então de culpabilizar os professors que atuam na rede de ensino que “não seguem os princípios”, mas também da escola estar enserida numa lógica de sociedade excludente, principalmente com aquilo que, segundo essa mesma lógica, não gera lucro.

Considerações Finais

Fica aqui desafio de costrução e aplicação da proposta de Educação do Campo que visa a formação plena do sujeito, em todas as suas características e específicidades. Nosso maior desafio agora é lutar pela formação e transformação dos professores, para estarem atuando nas áreas do campo e que tragam em sua bagagem téorica vivos os princípios de uma educação emancipatória e não alienadora. Não se esquecendo que, como nos alerta Caldart (2014, p.6), a Educação é também um ato político, em que seu papel dentro dos modelos de sociedade é o de manter os príncipios do capitalismo.

Apesar dos limites, o Colégio Estadual do Campo Tereza Cristina tem mantido e fortalecidos as relações entre a comunidade e escola, não embasada em nenhum princípio educativo ainda, mas norteado pelos problemas locais que de fato são trazidos e problematizados dentro da escola.

Só assim será possível a contrução de um currículo voltado as especificiades do campo, em que a escola se organize e se adeque aos tempos e espaços desses povos para que de fato se haja uma organização do trabalho pedagógico de forma que atenda todas essas necessidades. Primeiro as locais, que já nos trazem elementos suficientes para se pensar e repensar nossa condição na sociedade. E ter claro em mente que, como nos afirma Bueno (2001, p.9) “quem pode realmente efetivar uma proposta pedagógica é a própria comunidade.”

Referências

ÁRELALO, Lisete R. G. Gestão Educacional. In: CALDART, R.S., PEREIRA, I.B.,

ALENTEJANO, P., FRIGOTTO, G. (orgs) Dicionário da Educação do Campo. Rio de

Janeiro/São Paulo: EPSRJ/ Expressão Popular, 2012, p. 381- 387.

BUENO, José Geraldo Silveira. Função Social da Escola e organização do trabalho

pedagógico. In Educar, Curitiba, no 17, (p.1 – 10), 2001: Editora da UFPR.

CALDART, Roseli Salete. Pilares fundantes de uma nova forma escolar. Porto Alegre,

Novembro 2014.

FERNANDES, Josué Corrêa, 1947. Saga da Esperança: socialismo Utópico à beira do

Ivaí. Curitiba, Imprensa Oficial, 2006.

MARTINS, Fernando José. Organização do trabalho pedagógico e Educação do Campo.

Revista do Centro de Educação, vol. 33, núm. 1, enero-abril, 2008 – Universidade Federal

de Santa Maria, Santa Maria, RS.

Projeto Político Pedagógico (PPP). Colégio Estadual do Campo Tereza Cristina – 2012