Construindo a Idade Média

Texto produzido a partir de exercício avaliativo sobre História Medieval I ministrado pelo Professor Dr. Sínval Carlos Mello Gonçalves como primeira nota da disciplina.

Aprendemos no ensino básico que a Idade Média é uma parte da História da Europa que vai do século V ao século XV. O ano de 476, com a queda do Império Romano do Ocidente, é o marco inaugural; e o fim ocorre em 1453, quando os turcos otomanos tomam Constantinopla, capital do Império do Oriente. Vez ou outra, um professor ou professora podem se referir a esse milênio de história europeia como a “Idade das Trevas”, marcada pela supremacia e opressão da Igreja e por crises e guerras. Outros, no entanto, podem fazer o contrário, se referindo a esse recorte histórico como uma época de avanços técnicos, de fabulosas produções artísticas e de valorização das tradições. O objetivo desse texto é justamente esse: entender como foram construídas, ao longo dos séculos, diferentes imagens desse período histórico.

O nome que esse período recebe, Idade “Média”, já carrega um estigma, como se este fosse algo menor entre a Antiguidade Clássica e a Idade Moderna. Em 1469, o bibliotecário do Vaticano e humanista Giovanni Andrea, cunhou o termo Idade Média (medium aevum, media tempestas, mediae aetas), uma idade do médio, intervalo entre a Antiguidade Clássica, período de esplendor cultural para os humanistas, e a Idade Moderna, tempo em que viviam, marcado por inovações e revalorização da cultura greco-romana. Francesco Petrarca (1304-1374) em seu poema épico África, utilizou a palavra escuridão para se referir à sua época.

Ela surge como instrumento historiográfico no recorte da história em três idades (Antiguidade, Idade Média, Tempos Modernos) feito pelos eruditos alemães no século XVII, dos quais podemos citar Rausin, em 1639; Gisbertus Voetius; em 1644; e Georg Horn, em 1666. Nesse ponto, por mais que ainda seja intervalo, ela ganha destaque ao aparecer como uma parte integrada à história ocidental. O historiador eclesiástico Caesar Baronius, recuperando os escritos de Petrarca, cunhou o termo saeculum obscurum (século obscuro, Idade das Trevas).

Os iluministas do século XVIII, mergulhados no espírito crítico e na valorização da razão, e amantes das liberdades burguesas, veem na figura da Igreja medieval e no modelo de Estado os sinônimos de obscurantismo e supressão da liberdade de pensamento. Adam Smith, autor de A Riqueza das Nações, vê na economia feudal e no controle estatal os contrapontos ao liberalismo e progresso de sua época. O século das “Luzes” foi decisivo para a construção da imagem duradoura que ficou da Idade Média: Uma época de fanatismo religioso, irracionalismo, repressão intelectual e atraso econômico.

O Movimento Romancista do século XIX, em oposição às visões negativas forjadas anteriormente pelo Iluminismo, ao qual fazia oposição, e ao racionalismo e liberalismo de sua época, idealizou a Idade Média como um período de espiritualidade, de exaltação das tradições nacionais e das visões fantásticas de mundo. Inúmeras obras com temática medieval cavaleiresca foram publicadas no período, como Ivanhoé, romance histórico de Walter Scott. As nações europeias buscam suas raízes históricas nos francos, nos gauleses, nos celtas, nos visigodos e nos saxões.

Segundo o historiador e professor Jérôme Baschet (2006) “[…] a Idade Média convida, com particular acuidade, a uma reflexão sobre a construção social e sobre a função presente da representação do passado” (p. 26). Analisando essa citação podemos compreender como as representações, construções da Idade Média, feitas em tempos posteriores, atendem a interesses distintos, que vão desde a depreciação (século XV) à valorização (século XIX).

Como devemos, então, nos referir a Idade Média? “Nem legenda negra, nem legenda rosa”, escreveu Le Goff. Devemos evitar tanto a imagem de uma Idade das Trevas como a idealização de uma época de ouro. É uma característica comum das culturas humanas buscar através de construções do passado bases para se assentar como novas e civilizadas, ou valorizar o passado para criticar sua própria época.

FONTE:

BASCHET, Jérôme. A Civilização Feudal: Do ano mil à colonização da América. São Paulo: Globo Editora, 2006.