As Guerras da história

Resenha do capítulo 12 do livro A história dos homens (2004), de Josep Fontana. Intitulado As guerras da história, o autor nos mostra, com exemplos da Europa à Ásia, como a História, no século XX, foi sendo controlada pelo Estado e pelas classes dominantes, interessadas em garantir a "transmissão" das versões que lhes favoreciam.

A produção historiográfica sempre esteve em poder das classes dominantes, que a utiliza para manter seu status e garantir a continuidade do que é considerado uma história verdadeira. Duas questões se constituem em empecilhos para essas classes: Primeiro, nem todos os historiadores, produtores da escrita histórica, se curvam diante de suas vontades; Segundo, é necessário que se vigie constantemente os conteúdos transmitidos através do ensino, visando sempre a manutenção do status quo. As posições políticas, sempre divergentes e, muitas vezes, levadas ao extremo, têm grande peso na interpretação do passado, “o que constantemente levou a autênticas “guerras da história”1

Josep Fontana, historiador catalão, faz um breve panorama de como ficou a historiografia na Espanha durante a ditadura franquista dos anos 1930, década marcada pela ascensão dos embates políticos e ideológicos entre liberalismo, comunismo e fascismo. Nas escolas, universidades e outras instituições, a história abordada era a Nacional, com forte cunho patriótico e doutrinador. O passado espanhol era alterado em nome das convenções políticas, como quando “uma arqueologia impregnada de racismo nazista que menosprezava os iberos mediterrâneos, revalorizava os celtas “ários” - esquecendo-se definitivamente de possíveis mestiçagens celtibéricas – e que chegou a procurar, num vaso antigo, antecedentes da saudação fascista do braço erguido”2.

O panorama da Espanha não sofre grandes mudanças com o fim da Ditadura Franquista. Ao assumir o governo, o Partido Socialista Espanhol, e mais tarde o Partido Popular, continuavam a “fabricar” e difundir a produção histórica nos moldes patriotas e ultranacionalistas, com ameaça de censura aos livros que não se enquadravam aos parâmetros estabelecidos pelo Estado.

Saindo da Península Ibérica, as guerras da história se mostram mais violentas na outra parte do Mundo Ocidental, com maiores agravantes após a divisão ideológica causada pela Guerra Fria. Segundo Fontana, desde os anos 1930 se notam conflitos no ensino de História nos Estados Unidos, onde os livros que não se adequassem aos valores conservadores e patrióticos eram censurados e eliminados. A Associação Nacional de Manufaturas, nos anos 1940, possuía mais de 6.800 vigias locais, com a missão de manter a educação livre do perigo do coletivismo, que pode ser interpretado como Comunismo.

Após o fim da Primeira Guerra Mundial e a ascensão de duas forças antagônicas, Liberalismo (representado pelos Estados Unidos) e Comunismo (representado pela URSS), os Estados Unidos passaram a atacar a história progressista de historiadores como Charles Beard e Carl Becker; e a elaborar uma história objetiva, que transmitisse ensinamentos morais. Nunca houve, nas palavras de Fontana, “uma associação tão íntima entre os historiadores e o poder que se estabeleceu nestes anos”3. Historiadores de prestigiadas universidades passaram a trabalhar na CIA, na OSS, no Departamento de Estado e em outros órgãos do governo. A produção historiográfica que começava a se formar nesses anos de embates ideológicos visava não só a consolidação dos Estados Unidos como principal potência mundial e a defesa dos valores tradicionais americanos, mas também atendia ao interesse governamental sobre informações dos “inimigos”. Surgem sovietólogos, kremlinólogos, matérias universitárias sobre a Ásia e a Rússia. O historiador George Kennan fixa as linhas da política norte-americana em relação a URSS; e o professor emérito de História Russa, Richard Pipes, num primeiro momento, ataca o comunismo, para mais tarde, minar o estado de bem-estar social.

Aliava-se à história, nesse período, a sociologia, surgindo a sociologia histórica, que interpretava os fatos históricos a partir de modelos sociológicos esquemáticos. Também era produzida uma história erudita, representada por maciços trabalhos de compilação documental. Sociologia Histórica e História Erudita eram voltadas para o estudo de conflitos sociais e formas de evitá-los ou contê-los. Podem ser citadas as obras de Barrington Moore Jr., Charles Tilly e Theda Skocpol.

A repressão tornou-se constante no cenário intelectual americano. Livros considerados subversivos, com tendências pró-comunistas, eram censurados. A Daughters of the American Revolution chegou a denunciar 170 livros nessa categoria, que continham, por exemplo, expressões sobre coletividade, algo considerado pró-comunista. Esse clima repressivo permitiu o surgimento de uma História baseada na predestinação, na doutrina Destino Manifesto e em outros “talentos” considerados natos dos Estados Unidos. Não eram feitas menções às conquistas dos nativos, a grupos marginalizados e não eram feitas críticas sociais. Fontana, citando Gendzier, afirma que “voltava-se, ao mesmo tempo, à doutrina da objetividade, à rejeição da “ideologia” - isto é, das ideias dos outros – e da “construção social”4

Os Estados Unidos, representantes máximos do lado liberal da Guerra Fria, tinham de estender sua influência para outros países. Seus ideais eram difundidos através do Congresso pela Liberdade da Cultura (CCF), dirigido pela CIA e amparados por recursos provenientes do Plano Marshall. Eram financiadas revistas propagandistas dos ideais norte-americanos da Europa à Oceania: Na França, existiu a publicação preuves; na Grã-Bretanha, a Encounter; Cuadernos, na Espanha; Tempo Presente, na Itália; e outras de mesmo cunho na Austrália, na Índia e no Japão.

Outros campos do conhecimento humano passaram por transformações radicais dentro desse contexto. No campo das Artes, por exemplo, o realismo, vertente utilizada para popularizar as artes, é substituído pelo expressionismo abstrato. Essa vertente tem uma linguagem complexa, entendida apenas por uma pequena elite intelectual. As exposições dos artistas expressionistas abstratos eram financiadas pela CIA. No curso de Letras das universidades, língua e literatura passam a ser estudados sem se levar em conta o contexto social e histórico, apenas o conteúdo do texto. É um estudo elitista, que evita críticas tanto da direita quanto da esquerda. No estudo de Ciências Sociais, a National Science Foundation pedia para aqueles que solicitassem apoio para seus estudos evitar qualquer ligação com reformas ou bem-estar social. Se o apoio viesse da iniciativa privada, os pedidos eram, por exemplo, que se evitassem pesquisas sobre relações de raça.

Dando um salto cronológico de quase 50 anos, Josep Fontana sai do período da Guerra Fria e entra nos anos 90, afirmando, no entanto, que a luta não terminou naqueles tempos de visível divisão ideológica. Nessa década, o presidente George W. Bush empreendeu uma grande reforma na educação dos jovens americanos, na qual estava incluído o conhecimento das “diferentes heranças culturais da nação”. A comissão encarregada da área da História teve uma tarefa árdua ao englobar uma gama de minorias presentes no país, numa tentativa de construir uma história verdadeiramente global. Os novos parâmetros de ensino ficaram prontos em 1994, e quase de imediato passaram a ser denunciados por grandes veículos de comunicação do porte de Wall Street Journal, que os acusavam “como uma conspiração para inculcar uma educação ao estilo comunista ou nazista, dentro de uma campanha contra o multiculturalismo e contra os “tenured radicals”: os professores “radicais” que se acreditava, sem fundamento algum, controlassem os ensinos de história, literatura ou antropologia nas universidades norte-americanas”5. Emergiam novamente os conflitos da época da guerra, que de fato nunca foram superados.

As perseguições ao marxismo e seus simpatizantes continuava a funcionar com o mesmo mecanismo dos anos 40: os vigilantes e historiadores alinhados à classe dominante. O historiador David Abraham foi perseguido pelo também historiador Henry A. Turner; Norman Cantor atacava Lawrence Stone; Robert Conquest, que em seu último livro mostrara como as “ideias revolucionárias devastaram mentes, movimentos e países inteiros”, atacava o historiador inglês Eric Hobsbawm, autor de História do Século XX, livro bem-aceito até nos meios liberais britânicos.

Voltando à Europa dividida, a Grã-Bretanha, alinhada ao lado Liberal, tinha como instrumento de propaganda anticomunista o IRD ((Information Research Department), que tinha como colaboradores o ilustre escritor George Orwell, que em troca do apoio de divulgação internacional das obras A revolução dos bichos e 1984, entregou 130 comunistas ao governo. Também colaborava o historiador e “sovietólogo” Robert Conquest. A educação básica, no governo de Margaret Tatcher, foi alvo de campanhas que visavam um ensino baseado em “valores britânicos”, sem espaço ao multiculturalismo e às camadas mais baixas da sociedade, que constitui objeto de estudo da História Social. A História que Tatcher desejava nos currículos escolares era factual, limitando-se aos feitos dos primeiros-ministros, questões políticas e guerras.

Nem sempre as Guerras da História se davam de forma tão abrangente como ocorreu nos Estados Unidos. Às vezes, um único fato passado, quando revisitado e interpretado sob diferentes tendências políticas, é motivo para acalorados debates acadêmicos. Em 1989, nos 200 anos da Revolução Francesa, chegava ao fim o regime soviético. Os historiadores que naquele momento abordavam a Revolução Francesa, revisionistas, a apresentava como um fenômeno sem consequências de transformações sociais e ponto de partida de momentos políticos do século XX como a Revolução Soviética e a vitória do bolchevismo.

A Revolução Francesa começara a ser minada por um novo revisionismo histórico, inaugurado por Alfred Cobban, que em 1964 afirmou que a Revolução Francesa não possuía um caráter social; e que em 1789 não existia feudalismo de um lado e burguesia revolucionária do outro. As formulações de Cobban tiveram influência em historiadores ex-comunistas, que buscavam uma forma de redenção pelo passado. Um desses foi o historiador François Furet, que apoiado por grupos da direita norte-americana, teve uma rápida ascensão no meio acadêmico, se apresentando ao público como uma nova autoridade sobre a revolução. Furet, que tinha uma maior preocupação com a historiografia do que com a história, foi rejeitado nos meios acadêmicos. Outra característica de sua produção era a divisão da revolução entre a liberal e reformista de 1789; e a má, do período do terror, de 1792-1794, antecedente do comunismo russo. Para Fontana, o cúmulo da sem-vergonhice de Furet viria com o Dictionnaire critique de la Révolution française (1988), quando a especialista Mona Ozouf e os organizadores “permitiram-se, por exemplo, excluir um nome como o de Albert Soboul, cuja obra de pesquisador no terreno específico da história revolucionária é superior às do diretor, sua cúmplice e do bando inteiro juntos”6.

Hunt, Baker e Furet atacavam a interpretação social da revolução. Para esses autores, para se compreender a Revolução Francesa é preciso entender o “espaço conceitual em que foi inventada”. Foi apontado, em uma revista de renome acadêmico, que os impostos eram a causa do grande mal estar público que desencadeou a revolução. Para Colin Jones, esses autores estavam reduzindo a Revolução Francesa a um acontecimento linguístico, esquecendo suas implicações econômicas e sociais. Essa redução nada mais era do que uma tentativa de combater a interpretação jacobino-marxista, vista pelos revisionistas como dogmática e inflexível.

Mas foi nessa interpretação que, segundo Fontana, ocorreram avanços nos estudos sociais da Revolução Francesa. A história universitária traz à tona questões sociais a tempos ignoradas pelos revisionistas: as lutas na sociedade camponesa, caminho aberto por Pierre de Saint Jacob; o enriquecimento de uns e o empobrecimento de outros; diminuição da classe média; a novas interpretações de Hoffman e Moriceau, sobre a crise do século XVIII e sua inserção na longa duração; Kaplan com o abastecimento de Paris; Markov e Anatoli Ado com a reaparição do feudalismo e o balanço agrário, ignorados por Cobban; e McPhee e outros sobre as revoltas camponesas e seus desdobramentos no século XIX. A burguesia, desde o século XIX considerada a classe que encaminhou a revolução ao seu ápice, não é uma invenção dos jacobinos-marxistas, mas sim dos historiadores restauradores como François Guizot. Num primeiro momento, os burgueses, cansados da política do Velho Regime, se juntaram à Revolução, “mas que, uma vez conseguidas as mínimas liberdades reivindicadas, se apressaram em pedir ao estado o controle social que os defendesse dos trabalhadores”7. Nessa guerra, para Fontana, não há nada de positivo do legado desse revisionismo que não apresentou novas perspectivas em relação ao que atacava, na maioria das vezes, sem argumentos sólidos. Restou uma história pós-revisionista, que busca na sociedade francesa mudanças que nela se produziram a longo prazo.

A Alemanha do pós-guerra estava arruinada não só em sua política e economia, mas também em sua identidade histórica, que precisava, depois do fim do nazismo, ser redefinida. Repartida entre as potências vencedores do conflito, cada região, uma sob influência capitalista e outra comunista, tinha uma forma de interpretar a história recente alemã (nazismo e holocausto judeu). A República Democrática Alemã, comunista, fazia a interpretação através do mecanicismo dogmático stalinista, e, de acordo com a Terceira Internacional, interpretavam o nazismo como um capitalismo monopolista de estado. Surgia a escola histórica Stamokap. Essa visão histórica do nazismo foi divulgada na obra de Walter Ulbritch, A Legenda do Socialismo alemão ou O imperialismo alemão fascista.

Colocar o Nazismo como um tipo de capitalismo implicava em reduzir a culpa alemã, expandindo-a para um âmbito mundial. Para os membros da escola, a ascensão de Hitler não representou mudanças socioeconômicas significativas na transição da República de Weimar para a Ditadura nazista, tendo em vista que, para eles, Hitler nada mais era que um fantoche do capitalismo alemão, e que os verdadeiros culpados pelos crimes nazistas eram os empresários e banqueiros alemães. O holocausto judeu ficava em segundo plano, pois, nessa perspectiva histórica, os principais perseguidos pelo regime nazista eram os comunistas e os trabalhadores.

Na República Federal Alemã, capitalista, a culpa pelo nazismo era direcionada a um alvo específico, e evitava-se qualquer tentativa de responsabilizar o sistema econômico capitalista. Os alvos eram alguns poucos líderes do regime. Os crimes cometidos na Alemanha Nazista, dentre eles o extermínio em massa dos judeus, era responsabilidade dos dirigentes, não do povo alemão. Os historiadores da República Federal, nacionalistas e conservadores, consideravam o nazismo um regime totalitário semelhante ao comunismo. O Holocausto, nas produções historiográficas, era ocultado; e fabricavam-se resistências ao nazismo. No entanto, na década de 1960, surgiriam historiadores preocupados com a história social, como Hans-Ulrich Wehler e Jurgen Kocka, da escola de Bielefeld, que defendia uma nova história com a utilização de métodos e teorias das ciências sociais.

O Holocausto, agora, passaria a ser estudado através de duas vertentes, a intencionalista e a funcionalista. As duas vertentes responsabilizavam dirigentes pelo massacre, mas divergiam entre si nos seguintes aspectos: Para os primeiros, o extermínio era um projeto prévio de limpeza “racial” da Europa; Para os funcionalistas, esse extermínio foi realizado de forma prática, sem um projeto prévio, pois o grande número de prisioneiros era um problema, aos quais somava-se a invasão soviética.

No final dos anos 1980, a culpabilidade desses dirigentes seria revista. Ernst Nolte, historiador de direita, já afirmava, nos anos 70, tentava diminuir a culpa das atrocidades nazistas, dando como exemplos “piores” as ações norte-americanas no Vietnã e o regime stalinista. Em 1983, ao publicar O marxismo e a revolução industrial, sustentava que o holocausto era uma resposta ao marxismo e à Revolução Soviética. Em artigo publicado em 1986, Nolte afirmou que o povo alemão deveria parar de aceitar as culpas a ele impostas. Para esse historiador “Hitler não havia feito mais que seguir o exemplo do comunismo soviético e o extermínio dos judeus não havia sido mais que uma medida preventiva para poupar os alemães do genocídio de classe com que os ameaçavam os bolcheviques”8. Ernst recebeu uma resposta de Jurgen Habermas, que denunciava sua característica apologética, isto é, de defesa ao nazismo ou hitlerismo. O debate dividiu conservadores e sociais-democratas, mas não se produziu novo conhecimento histórico.

Novas pesquisas historiográficas vieram à tona, e os argumentos de Nolte e dos revisionistas iam perdendo espaço. Essas novas pesquisas, segundo Fontana, mostraram que Stálin não atacaria a Alemanha, e Hitler sabia disso. A guerra preventiva de Hitler foi um pretexto para atacar a nação russa, numa investida final contra o “bolchevismo-judeu”. O ataque à Rússia e o extermínio de milhões de judeus “não foram fatos bélicos “normais”, senão que representam um novo tipo de guerra encaminhada à aniquilação total e sistemática, pela fome e pelas execuções, de milhões de seres humanos em nome da luta contra os fantasmas hitlerianos do judeu-bolchevismo”9. Os argumentos dos historiadores conservadores cada vez mais ficavam insustentáveis. Guerras da História surgiam entre os judeus, em críticas a obras como A destruição dos judeus da Europa, de Raul Hilberg, por ter minimizado a resistência desse povo durante o nazismo; Einchmann em Jerusalém, de Hannah Arendt, por afirmar que alguns judeus colaboraram com o holocausto; e Por que o céu não se escureceu?, de Arno Mayer, por ter afirmado que o anti-bolchevismo foi tão importante quanto o anti-semitismo e que era um elemento para explicar o holocausto.

Os debates cessaram por um tempo, mas voltaram com força em 1996, ano da publicação de Os verdugos voluntários de Hitler, de Daniel Goldhagen. A polêmica da obra surge quando Goldhagen, revisitando fontes já conhecidas, sustenta que o Holocausto judeu foi o ápice natural do anti-semitismo alemão, arraigado em sua cultura. Dentre as fontes está Christopher Browing, que culpava “homens ordinários” pelos crimes, enquanto Goldhagen culpava “alemães ordinários”. A obra, criticada por não possuir rigor científico, foi reconhecida por Hans-Ulrich, por formular a abordagem sobre um tema incômodo como era o da participação da população alemã durante o regime nazista.

Terminada a repercussão do livro de Goldhagen, surgiu uma nova linha de pesquisa, ou frente de guerra: o papel dos grandes industriais durante o regime nazista. Essa nova guerra emergiu depois de mais de 50 anos de silêncio político, que começava a ser quebrado. Esses grandes grupos industriais, que tiveram forte participação nos crimes cometidos entre 1939 e 1945, blindavam-se através da construção de histórias empresariais, produzidas acadêmicos renomados. Em 1998, Michael Pinto-Duschinsk publicou um artigo com o título “Vender o passado”, no qual denunciava os historiadores que, bem pagos, aceitavam fazer as histórias de empresas alemãs, visando apagar seus passados ligados ao nazismo. Em 1999, o historiador Jonathan Steinberg trazia mais uma denúncia sobre o passado judeu e o nazismo, dessa vez sobre o ouro dos semitas. Steinberg e mais um grupo de historiadores, reunidos pelo Banco Alemão, estudando documentos da sucursal do banco de Istambul, chegaram à conclusão de que um quarto do ouro era proveniente dos campos de concentração.

No mesmo ano, o estudo de documentos das quatro sucursais do banco da Alta Silésia, revelou pagamentos realizados para construir o campo de Auschwitz. O grupo de Steinberg ficou em evidência, sendo acusado de ter sido financiado pelo Banco Alemão para ignorar, no início, essa documentação. Em 1997, o judeu norte-americano Feldman, patrocinado pelo banco, deu uma entrevista em Frankfurt, na qual reclamou da demanda “de velhos trabalhadores-escravos, nem todos judeus, apresentadas nos Estados Unidos, o que podiam gerar ressentimentos e aumentar o anti-semitismo”. As denúncias acabaram da melhor forma para empresas, que indenizaram os poucos sobreviventes que existiam na época. Essa conclusão, característica das classes dominantes, “mostra, por um lado, a extraordinária eficácia com que os controladores da história conseguiram manter um silêncio tão duradouro sobre estas questões incômodas. Mas mostra também seu fracasso a longo prazo, quando as vozes críticas, que não foi possível silenciar de todo, reavivaram a consciência coletiva”10.

Assinada a rendição do Japão, o general MacArthur, através das reformas impostas aos derrotados, elimina o ensino tradicional, ultranacionalista e que cultuava o imperador. Pretendia-se criar um currículo baseado em valores de paz e democracia. De início, não existiam livros que se adequassem ao desejo governamental, o que fez com que os antigos fossem utilizados, censurando-se as partes inadequadas. As escolas tinham a autonomia de escolher os livros que lhes interessavam, com um limite, em 1955, de 173 exemplares. Os professores mostraram-se simpatizantes da esquerda, fazendo com que o controle estatal e a censura a textos aumentasse nas instituições. No ano seguinte, meio milhão de professores foram às ruas do Japão protestar contra a medida. Ainda assim, textos que mostravam o “lado ruim” do Japão durante a Guerra, foram censurados.

O tradicionalismo nipônico volta nos anos 1980, durante o governo Nakasone, quando se afirmava que os japoneses eram mais inteligentes que os norte-americanos, “porque o Japão era mais homogêneo do ponto de vista racial e tinha menos imigrantes (esqueceu de dizer que os imigrantes que viviam no Japão eram também mais discriminados, como o eram os dois ou três milhões de hurakumin, ou japoneses descendentes de velhos ofícios infamantes”11. Os livros produzidos a partir dessa década defendiam as ações do Japão durante a guerra, a invasão à China e a invasão da Ásia. Em 1998, a “Sociedade para fazer novos livros de texto de História”, comandada pelo professor Fujioka, da Universidade de Tóquio, apresentava a introdução de um sentido de orgulho na história nacional; a oposição à culpa dos japonenses pelos crimes cometidos durante a Segunda Guerra; e a eliminação partes de livros que fizessem referência a temas como o das mulheres coreanas forçadas a servir como prostitutas aos soldados, que para os revisores nada mais eram que mulheres bem remuneradas que se voluntariavam a esse trabalho.

Esses exemplos de Guerras da História, escolhidos entre tantos outros com a mesma ferocidade ideológica, segundo Fontana, revelam “que os debates a que se referem têm pouco a ver com a ciência e muito com o contexto político e social em que se movem os historiadores”12. Os historiadores que se dedicaram, aliados ao Estado ou a instituições privadas, a manipular a História, foram verdadeiros serviçais do poder.

NOTAS:

1FONTANA, Josep. “As Guerras da História”. In: A História dos Homens. Bauru, (SP).

2Ibidem, p. 345.

3Ibidem, p. 347.

4Ibidem, p. 353.

5Ibidem, p. 355-56.

6Ibidem, p. 361.

7Ibidem, p. 364.

8Ibidem, p. 370.

9Ibidem, p. 371-72.

10Ibidem, p. 377.

11Ibidem, p. 378.

12Ibidem, p. 379.