O ÁUDIO NO MUNDO DOS GAMES

Bastante interessante

O áudio no mundo dos Games: As várias facetas de um músico

Processo de composição atual*

Atualmente, o trabalho de incorporar o som no jogo é restrito aos programadores que

comumente não tem nenhum envolvimento com a construção do som em si. Há uma separação

clara entre a função de programação e composição. Em projetos maiores, onde há um número

grande de pessoas envolvidas, a função de fazer os efeitos e compor a trilha também é dividida.

(...)

Para pensar em embarcar na tarefa de trabalhar com trilha sonora é preciso que se saiba ao

menos tocar um instrumento, de preferência de harmonia. Este é um pré-requisito para a tarefa

de compor. Existem até maneiras de burlar esta máxima. No caso, trabalhando com loops

prontos ou combinando notas de uma maneira intuitiva. No entanto, este modo de trabalhar é

muito limitado. Quanto mais instrumentos se domina, mais autonomia se ganha.

Devemos acrescentar que ser um músico versátil é uma outra qualidade indispensável. O mundo

é rico em estilos sonoros. Temos música eletrônica, popular, erudita, folclórica e religiosa. Aqui

no Brasil, há muita diversidade de ritmos. Temos o samba, o frevo, o maracatu, o baião, etc.

Nos Estados Unidos, o jazz e o blues. O rock tem milhões de sub-gêneros, como o progressivo e

o folk. A maioria dos jogos contemporâneos adotam um estilo épico e orquestral, em destaque

os de rpg, aventura, ação, fantasia e estratégia. Outros jogos, tais como de esporte ou com o

gráfico mais simples, exigem um outro estilo que pode ser variado, da chipmusic ao drum'n

bass. Para se manter ativo no mercado, é preciso ter a mente aberta e estudar diversas vertentes.

Um instrumento que é particularmente importante, é o teclado. Não é necessário ser um

tecladista virtuoso, porém entender o básico, por exemplo, como montar um acorde maior,

menor ou diminuto é de extrema ajuda. Se a teoria musical já lhe é conhecida por meio da

guitarra, por exemplo, isto não será um problema. Músicas inteiras, com bateria, baixo, naipe de

metais e cordas, são construídas a partir de um teclado com capacidade de conexão MIDI.

A habilidade de saber lidar com um software multitrack de áudio é essencial. Existem muitos no

mercado tais como o Pro Tools, o Logic Pro, o Ableton Live, o Cubase e o Sonar. Neles, você

terá como registrar sua música, assim como escolher seus timbres e efeitos. O curso de

produção fonográfica ou engenharia de som propícia conhecimentos relacionados a esta área

específica de gravação, mixagem e masterização.

Vamos entender agora como é possível criar uma música com elementos variados a partir do

uso de um teclado e um software ou sequenciador. O MIDI (Musical Instrument Digital

Interface) é um protocolo que existe há mais de trinta anos e é usado como padrão para

transmitir informação de um equipamento eletrônico para outro. Nenhum som é mandado via

MIDI, apenas sinais digitais que chamamos de event messages. Digamos que um teclado com

entrada e saída MIDI (pode ser no formato USB ou 5Pin DIN) é conectado a um módulo de

som. Ele transmitirá informações de quando a nota deve ser tocada ou não, afinação, volume,

além de outros controles. O módulo se encarregará de transformar os dados em som. Explicando

esta tecnologia num sentido prático, é possível reproduzir instrumentos variados a partir de um

único dispositivo. Por exemplo, acionar o som de kits de baterias antigas da Roland ao tocar um

"Dó". O mais comum é que se use o teclado como dispositivo, porém também existem guitarras

e baterias MIDI's. Os pads das baterias eletrônicas podem acionar sons de vozes ou notas,

dependendo da designação que se faz. Os teclados que não possuem som armazenado em si e

tem conexão MIDI são chamados de controladores. É preciso conectar este equipamento a um

receptor, responsável por reconhecer e reproduzir os sinais digitais.

Figura 1: Key Black KB 25 (teclado MIDI/Controlador).

Figura 2: MPD 18 da empresa Akai (outro tipo de controlador).

Os instrumentos virtuais funcionam como receptores dentro dos softwares de áudio. Eles são

plug-ins (softwares menores que rodam dentro de um software maior) preparados para

transformar o sinal MIDI em som. Existem uma gama de plug-ins nativos alocados dentro dos

softwares, mas nem sempre são de boa qualidade.

Outros também podem ser adquiridos e instalados separadamente. Este é um quesito a se

considerar na hora de comprar um sequenciador. O Logic Pro da Apple é bem visto por esse

lado. Empresas como a Waves e a Native Instruments são especializadas na fabricação dos

mesmos. Quando falamos de plug-ins não nos referimos somente aos instrumentos virtuais, mas

também a processadores de efeitos em geral como equalizadores, compressores, reverbs, etc.

Sem estes, o software se restringe a uma ferramenta de edição de som, sem possibilidade de

mixagem ou masterização. Alguns plug-ins são especializados em reproduzir sons de bateria

tais como o BFD, Drum kit from Hell e o Ultrabeat. Outros são melhores quando se trata de

instrumentos clássicos. Um exemplo é o software samplebased da Orquestra de Vienna.

Existem dois tipos principais de instrumentos virtuais que apresentam diferenças significativas

entre si, os softwares sintetizadores (soft-synth) e os samplers (softsampler). O primeiro é capaz

de emular o som de um instrumento qualquer pela tecnologia de síntese, ou criar um som

totalmente novo e "fora da realidade". Os sintetizadores virtuais são complexos por possuírem

muitos parâmetros de controles, mas comparados aos primeiros sintetizadores físicos são

simples até demais.

Figura 3: Moog, um dos primeiros sintetizadores (1960).

Figura 4: Sintetizador Virtual "Sawer" da empresa Line Image.

O que facilita o uso dos mesmos, para quem não está familiarizado com seus controles, são os

conhecidos presets. Estes são recomendações de ajustes projetadas por profissionais que o

fizeram. O usuário que não está disposto a inventar um som do zero pelo entendimento do

conceito de cada parâmetro, pode escolher uma combinação prévia ou até mesmo partir de uma

para chegar ao som que se quer.

Essas combinações ganham nomes diversos. Você mesmo pode criar uma e salvar com o nome

que quiser. Nos sintetizadores analógicos de antigamente, como o “Moog”, não era possível

salvar uma configuração sonora, o que dificultava seu uso. Era muito difícil achar o mesmo

timbre duas vezes, posto que são muitos knobs para mexer. O único jeito de gravar uma posição

era escrevendo num papel.

O soft-sampler permite a criação de sequências musicais pela utilização de arquivos de sons pré-

gravados. Para isto, primeiro é necessário formar uma biblioteca de samples. Em estúdio, o

músico tem que tocar nota por nota do seu instrumento em todas as oitavas/afinações possíveis.

Esta ação é devidamente gravada. O material é editado para ser adicionado a uma biblioteca que

será executada através do software. A Orquestra de Vienna possui o seu próprio programa para

reproduzir as notas e frases, gravadas por seus músicos, com variações como de expressão,

tempo e articulação. Exemplos de músicas orquestradas com estes samples estão disponíveis no

site da mesma (http://www.vsl.co.at).

Qual é a diferença entre uma gravação de uma orquestra ao vivo e a utilização dos samples pelo

software? É possível, com toda a tecnologia disponível, programar uma música e fazê-la soar

natural? Como viemos falando, a tecnologia evoluiu para transpor esta barreira. O sample é

nada mais que o som gravado. A fidelidade do timbre é garantida por este meio, porém, existem

outros fatores que contribuem para a artificialidade da música. Estes fatores são tempo e

dinâmica. Nada substitui a perfomance de um músico.

Toda música se relaciona com a matemática na medida que possui divisões rítmicas lógicas.

Estas são respeitadas pelos músicos. No entanto, por mais que um instrumentista seja técnico

(perfeccionista), seu tempo nunca será perfeito. As variações, por menores que sejam, são

eventos naturais de uma apresentação. Quando um instrumento é "desenhado" no computador

pelo uso do MIDI, é comum que suas notas sejam alinhadas com o metrônomo (medidor de

tempo). Parece que é o certo a se fazer. Nos softwares, a opção chamada de quantização,

amplamente utilizada, se refere a este ajuste do tempo. Ela é usada para corrigir as imperfeições.

No entanto, é a perfeição extrema que nos leva a sensação de "dureza" e roboticidade que existe

na música eletrônica. Quando uma performance é gravada em áudio, pela edição nem sempre é

possível modificar seu tempo. Essa é uma grande diferença de se trabalhar com o MIDI e o

áudio. O MIDI é manipulável, seus arranjos são informações de nota, tempo e volume. Seu

timbre também é flexível.

A dinâmica é relativa à variação do volume. O músico, por mais preciso que seja, aplica mais ou

menos força nas notas ou tambores, em momentos distintos. Isto é, há dinâmica em sua levada.

Essa variação tem um sentido, não é puramente acidental. Nos softwares, chamamos de velocity

o comando que se refere à intensidade. Ele pode ter um valor fixo ou não. No caso de uma

música eletrônica, como um trance, não há sentido fazer muitas variações, mas uma música

clássica tem partes baixas e altas que devem ser mantidas. No rock isso é relativo, mas costuma

ter pouca alternância. Usando MIDI é fácil fazer alterações tanto de tempo, quanto de dinâmica.

Muitas vezes, o valor de intensidade é mantido fixo, o que torna o arranjo pouco natural.

Percebendo que havia uma necessidade de criar música de forma eletrônica, mas soando

acústica, no áudio criou-se o termo "humanização". Ele é empregado para enfatizar o processo

de deixar uma música menos perfeita.

No site "www.audicaocritica.com", o engenheiro de som, Dennis Zasnicoff, traça uma discussão

sobre este assunto em um artigo intitulado "MIDI e Instrumentos Virtuais". A seu ver, "a

tecnologia nem sempre é a melhor solução", posto que para soar convincente, "um instrumento

virtual precisa ser pilotado por um técnico/músico bem experiente, que não só entenda de

música, como também conheça todos os macetes dos softwares e dos equipamentos utilizados".

Ele diz já ter visto "produtores gastando uma semana de período integral para ajustar a bateria

virtual de uma música". Ele vê esse processo como muito trabalhoso, além de lento, e

argumenta que contratar um bom baterista para gravar um take tocando seria muito mais

eficiente. O trabalho seria finalizado em algumas horas e nenhuma "maquiagem" precisaria ser

aplicada. O autor recomenda o uso do instrumento virtual para agregar uma nova característica

ao som, ao invés de tentar imitar a realidade.

Outro comentário sobre o assunto provém do produtor musical, Ricardo Mendes, em uma de

suas colunas na revista Backstage. Lá, ele ensina técnicas de captação de instrumentos de

sopros, tipos de microfones e posicionamentos para cada situação. E diz: "existem mais de um

milhão de maneiras de se gravar metais. Apesar de usarmos cada vez mais samples e

sintetizadores, ainda não existe nenhum instrumento virtual que possa reproduzir a expressão de

um instrumento de sopro, especialmente se ele for um instrumento de solo”.

Muitas vezes não é uma escolha ter ou não um som gravado ao vivo. Supondo que lhe

solicitaram um trabalho como prazo de uma semana. Durante o processo de composição, você

decide que precisa de flauta, bateria, guitarra e baixo. Digamos que em três dias, o arranjo esteja

pronto. Sem ter a sua disposição, uma equipe com bons músicos e um estúdio, é muito difícil

organizar essa gravação. As pessoas têm outras coisas para fazer além da sua música. Portanto,

a alternativa será tocar o que se sabe, e no tempo que se tem, tornar a música o mais agradável

possível. Os elementos eletrônicos não consistem em um problema necessariamente. Pode-se

optar por não tê-los e isto deve ser definido no começo do projeto. Outro exemplo, é o caso de

alguns jogos que não são "triple-A" (com orçamento nas alturas) e querem uma trilha sonora

composta por violinos, violoncelo, viola, etc., isto é, um naipe de cordas. O som dos samples é a

única saída, já que contratar uma orquestra e uma equipe de gravação não é uma opção.

Um instrumento que é comum ser substituído por programação em MIDI ou até mesmo por

loops de áudio, é a bateria. Isto porque ela exige uma técnica de captação complexa. É de praxe

o uso de sete microfones com características diferentes (dinâmicos e condensadores), cada um

direcionado a uma peça (bumbo, caixa, ton1, ton2, surdo, hi-hat e prato de condução). É preciso

conectar ao computador, uma placa de som com sete canais. Esta vai receber o som analógico

dos microfones e converter para digital. A placa de som tem que estar conectada a um pré-

amplificador com sete canais também para aumentar o nível do sinal recebido, posto que um

sinal muito baixo não é proveitoso. Fora isso, é preciso pensar na afinação das peles dos

tambores e na acústica do lugar, posto que comprometem totalmente o resultado final.

Felizmente, na atualidade é possível utilizar a captação como recurso. Em seus primórdios, a

gravação digital não era acessível à grande massa pois os equipamentos eram muito caros. Hoje,

muitos músicos possuem um estúdio em casa com equipamentos básicos. Estes são: placa de

som, pré-amplificador, um bom computador, software multi-track, plug-ins, cabos, microfones e

instrumentos. Logo, gravar uma guitarra, um baixo ou uma voz não é tão problemático. O

equipamento "top de linha" custa uma fortuna, mas com um mediano é possível a obtenção de

um resultado satisfatório. Bandas como Beatles e Led Zepellin não tinham acesso à metade

dessa tecnologia que nos é disponível e, no entanto, seus vinis são considerados de alto nível.

Aqui não interessa discutir se a estética sonora do CD é inferior à do Vinil. Fato indiscutível é

que as possibilidades se expandiram. Fazer um uso consciente delas é o que faz a diferença.

Vimos que o músico precisa ter aflorado o seu lado "engenheiro de som" antes de começar a

trabalhar com trilha sonora. São muitos softwares, plug-ins e periféricos externos, tais como

pré-amplificadores e processadores de efeitos, no mercado para serem levados em conta.

Mesmo que a decisão final seja contratar uma banda para executar o arranjo, é comum que a

composição tenha início dentro do computador. Inclusive se for preciso, os programas fazem o

trabalho de transcrever a música para partitura. Alexandre Desplat, famoso produtor para trilhas

sonoras de filmes, em entrevista ao site da Vienna Symphonic Library, disse sentir falta da

época em que para compor se usava papel e lápis.

* Extrato do artigo:

BARRETO, Bettina Calmon. “O áudio no mundo dos Games: As várias facetas de um músico”,

presente nos anais SBC – SBGames, Rio de Jsneiro 2013. pp. 477-480, disponível em

http://www.sbgames.org/sbgames2013/proceedings/artedesign/58-dt-paper.pdf

Bettina Calmon Barreto/Uninter
Enviado por Pacomolina em 29/06/2016
Código do texto: T5682715
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.