ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Por José de Castro*
A educação brasileira, em termos de política educacional, está na contramão de muitos dos conceitos apregoados pelo saudoso mestre Paulo Freire, um dos únicos brasileiros que consta dentre os 100 estrangeiros estudados em universidades norte-americanas. E que, infelizmente, no Brasil é pouco valorizado.
Ele é autor, dentre outros, dos livros "Pedagogia do Oprimido" e "Educação como prática da Liberdade". Paulo Freire sempre nutriu um grande respeito pelo saber do outro e sempre defendeu o diálogo entre o saber do mestre e o do aprendiz. O respeito pela cultura do outro. O respeito pelo povo como produtor da genuína cultura.
No nosso país, ainda hoje há um grande desrespeito com os profissionais educadores. São tratados como profissionais de quinta categoria. São desrespeitados em seu saber e em sua dignidade. Paulo Freire sempre disse que os educadores também precisam ser educados. E quem educa o educador?
E eu acrescento as perguntas: quem respeita o educador? Quem o valoriza?
No Brasil, o seu saber ainda é desprezado e remunerado de maneira vil. Há também pouco estímulo para que esses profissionais da educação básica continuem sempre estudando e aprimorando seus conhecimentos. Não há incentivo para que eles façam pós-graduação, por exemplo, pois isso pouco lhes acrescentará nos rendimentos.
Todo esse descaso com os educadores reflete na escola, nos alunos e, claro, na qualidade da educação praticada.
Mas a remuneração é apenas um dos lados da questão, pois há também uma grande falta de profissionalismo nas atividades de gestão escolar. Hoje, o instituto da eleição direta existente nas escolas não vem assegurando a eficiência e os resultados que se esperava, pois incorre nos mesmos vícios do processo eleitoral brasileiro, com o seu extremo clientelismo e outros desvios perversos.
De outro lado, as escolas carecem de bibliotecas. Quando as têm, são meros depósitos de velhos livros didáticos ou de refugos editoriais. Não existe atualização de acervos e tampouco bibliotecários em quantidade para as atividades técnicas inerentes e, muito menos, profissionais agentes de leitura ou mediadores, como hoje são denominados. Geralmente, o professor que vai para a biblioteca é aquele que não tendo mais condições de dar aula por algum problema de saúde. Então é designado para ser o cuidador dos livros. Ou seja, o nosso país carece de uma política para essa área, seja para os profissionais, para os livros, para a leitura ou para as bibliotecas.
Se bem que no governo que está hoje provisoriamente afastado do poder houve um pontapé inicial com a elaboração de um "Plano Nacional para o Livro e para a Leitura" e a exigência de planos correspondentes nos âmbitos estadual e municipal de todo o país. Mas isso ainda é coisa recente e, com o governo interino, não se sabe os rumos que essa política irá tomar. A verdade é que, apesar de tudo, ainda somos um país de não-leitores.
Assim, penso que três passos iniciais poderiam ser dados para se tentar avançar um pouco na área educacional.
Em primeiro lugar, cuidar do salário dos profissionais educadores. Melhorar a sua remuneração de maneira que eles não tenham mais que ser taxistas que correm de uma escola para outra,entre duas ou três, para auferirem melhores ganhos.
Uma proposta razoável seria a de se buscar uma aproximação do salário dos professores da educação básica com aquele que é praticado com seus colegas do ensino superior. Ou seja, buscar um pouco de isonomia salarial faria bem para os professores. Este seria um primeiro passo. Pois entendo que uma das condições primordiais para a melhoria da qualidade do ensino passa, sim, pelo bolso do professor.
Uma remuneração digna lhe assegura melhores condições de vida, mais tranquilidade e melhores recursos para o exercício da sua profissão. Por exemplo, terá dinheiro para comprar livros, para investir em equipamentos de informática, para ter o seu carro, o seu transporte próprio e morar, se vestir e se alimentar melhor. Poderá cuidar melhor de sua saúde, do seu lazer e dar melhores condições de vida à sua família. Observe-se que não se trata de privilégios, mas, sim, de direitos essenciais de qualquer cidadão.
Chega de dizer que magistério é sacerdócio, sacrifício, algo destinado a quem é idealista. Nunca ouvi dizerem isso com relação àqueles que buscam os cursos de medicina, engenharia ou direito, áreas que são muito cobiçadas. O que, infelizmente, não acontece com os cursos de pedagogia. Quem, em sã consciência, quer ser hoje um professor de educação básica? Só aqueles que não tiverem possibilidade de outra escolha, que forem forçados a isso devido a um prodesso seletivo excludente e desigual, que dificulta o acesso do cidadão comum, do mais desfavorecido, aos melhores cursos das universidades. Ou então os cursos de pedagogia ficam reservados para aqueles que forem muito idealistas ou vocacionados. Mas não se deve tomar isso como regra, como único princípio definidor da escolha. Vocação - chamamento - e gostar do que se faz sempre será recomendável para todo ser humano. Mas nem sempre isso garante com tranquilidade o pão de cada dia.
Assim, não só os professores das universidades, mas também aqueles que alfabetizam, que dão aulas para crianças, para adolescentes e para jovens merecem ganhar bem. Afinal, é bem mais árduo dar aula para crianças do que para adultos, por razões óbvias.
Além do que esses profissionais precisam estar bem ou melhor preparados que os do terceiro grau, pois praticam uma EDUCAÇÃO BÁSICA. Ora, se processo educacional começar mal já na base, depois ficará mais difícil e mais caro para se consertar o desastre. É fundamental que a educação básica seja de qualidade. Aliás, ensino fundamental é um dos níveis da educação básica.
A remuneração digna, então, seria um primeiro passo... Depois, viriam outros, como melhoria da gestão. Este poderia ser o segundo passo, o que significaria um esforço para a real profissionalização da condução gerencial das escolas, de forma que a sua missão educativa seja realizada a contento. Isso significaria colocar como diretores de escolas profissionais de carreira bem preparados para o exercício dessa importante tarefa, concursados de preferência. Não se trata de imitar, através da eleição direta, um arremedo de democracia como temos no viciado sistema político brasileiro, tão pródigo em promessas na hora de obter o voto e tão distantes de serem cumpridas após a obtenção da vitória nas urnas. Infelizmente, o processo de eleição direta nas escolas não vem assegurando qualidade e nem eficiência ao sistema. O que não pode ser imputado apenas ao processo, muitas vezes, enviesado de escolhas. Existem outros aspectos que dificultam a vida de um diretor. E isso não é culpa de o processo ser ou não democrático, apenas. Mas, com certeza, o despreparo para o exercício da função tem sido um dos maiores entraves observados.
Um terceiro passo poderia ser dado na direção de se valorizar o livro e a leitura, através da instalação e da manutenção de bibliotecas vivas. Nestas, deverão existir profissionais bibliotecários e mediadores de leitura bem preparados e remunerados à altura. Os acervos devem existir em quantidade e qualidade, sempre atualizados, de forma a construir o gosto e o prazer pela leitura. Além do que as bibliotecas precisam ser consideradas também como espaços privilegiados de aprendizagem.
É claro que existem outros passos importantes a serem dados para se conferir mais qualidade e propriedade à educação brasileira. Os três aqui apontados, melhoria de salário, aperfeiçoamento da gestão e incentivo à leitura, seriam apenas um começo de todo um processo mais amplo. Isso implicaria na busca de outras medidas ou estratégias que poderiam ser implementadas, passos mais ousados, como, por exemplo, a adoção do sistema de escola de tempo integral. Mas isso já seria objeto de um outro artigo.
Um país que tem como patrono da educação um intelectual como Paulo Freire, merecia cuidar melhor dessa área. Afinal, a educação não é um mero investimento, não é algo a ser contabilizado apenas como investimento em capital humano, como estratégia mercantilista.
Educação é algo mais sério, mais profundo. É um mecanismo ou uma ferramenta permanente de formação de seres pensantes, críticos, que sabem fazer a leitura de si mesmos, de sua identidade, de sua cultura, ou seja, capazes de fazerem a leitura do mundo em que vivem. E que sejam capazes de compreender os mecanismos de funcionamento da sociedade em sua inteireza e amplitude política, econômica, cultural e filosófica. E que estejam sempre dispostos a aprender tanto quanto ensinar, pois trata-se de um processo dialético: ensinar é também um ato de aprendizagem, de troca de saberes entre indivíduos que se respeitam.
Além do mais é iimportante que se compreenda em profundidade o que significam as palavras da poeta Cecília Meireles num dos poemas do seu livro "Cânticos": "hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem e que amanhã recomeçarei a aprender".
E, finalmente, é preciso levar a sério os ensinamentos divulgados por Paulo Freire, nos quais ele afirmava ao mundo inteiro a sua convicção de que a verdadeira educação deve ser vista sempre como uma prática do homem em direção à sua liberdade.
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José de Castro jornalista, escritor, poeta. Mestre em Tecnologia da Educação. Professor aposentado do Departamento de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN.