EM DEFESA DOS PARTIDOS DOS PROFESSORES

Sem Direito, não há Democracia.

Ninguém é obrigado a ser [até porque não conseguiria] imparcial, mas todos temos o dever de ser honesto.

Eu nunca fui (nem pretendo) filiado ao Partido dos Trabalhadores e, em 1998, até votei em Fernando Henrique no segundo turno. Naquela conjuntura, eu acreditava que se Lula fosse eleito, o governo dele sofreria um golpe (e não me ocorreu a ideia do voto nulo) – pelo jeito, o projeto só foi adiado.

Essas observações são uma tentativa de esclarecer que sempre há de minha parte um esforço sincero de separar, o quanto possível, as intervenções do Claudio Professor das do Claudio eleitor. Aliás, professor (e profissional algum) não vota (nem se candidata); quem vota (e se candidata) é o cidadão.

Há uma diferença maior do que a distância entre a Terra e o Sol entre defender a presidente Dilma e/ou o PT e defender a legitimidade do processo político democrático e do processo jurídico legal, a chamada coisa perfeita.

Como já disse, Professor não vota, não se candidata, nem tem partido; professor apenas ensina, orienta, esclarece; professor é mediador, não doutrinador, guru, manipulador.

O Professor que, nesta condição, usa de sua influência para direcionar seus educandos a desenvolverem ideias preconceituosas e conceitos parciais e excludentes em relação a esta ou aquela corrente politico-ideológica por questões partidárias ou por interesses particulares, age tão eticamente quanto um médico que induzisse ao óbito um paciente por não ser de sua religião ou de sua casta socioeconômica, por exemplo.

Eu jamais defendi a presidente Dilma (ou qualquer outro gestor do PT ou de qualquer sigla) – até porque não tenho competência nem legitimidade pra tanto e, pra isso, a Presidência tem seu corpo de advogados.

Essa não deve ser nossa tarefa – nem nesse nem em momento algum. Nosso compromisso com a Democracia (se acreditamos nela), no entanto, deve está acima de paixões partidárias e imune a qualquer tergiversão.

Pouco me importa que Dilma perca o mandato – ou até que todos os petistas que o tenham percam também – que Lula seja preso – ou até que aconteça o mesmo com todos os mandatários públicos do Brasil – apenas lamentaria a infelicidade deles.

Como professor, no entanto, é dever meu discutir com os estudantes não necessariamente a perca ou a manutenção do mandato da presidente – ou por ser uma presidente do PT –, mas a forma como está acontecendo e o que isso representa para um país que, em mais de 500 anos, tem menos de 30 de experiência democrática de forma mais ampla.

Quando a questão é honestidade, eu não meto minha mão no fogo (nem protegida por luva térmica) por Dilma, por qualquer gestor, nem por mim mesmo. No caso do impedimento da presidente, no entanto, a violação não está no processo em si, mas no objeto da denúncia que o fundamenta.

Não é crível que se possa admitir como legítimo julgar por assassinato alguém que foi indiciado por estelionato, por exemplo.

Não faz sentido evocar – como se tornou praxe tanto na Câmara quanto no Senado – a corrupção na Petrobrás, a crise econômica ou a impopularidade da presidente como justificativas para o impedimento da continuação de seu mandato. Não que esteja totalmente descartada sua culpabilidade em tudo disso; o que ocorre é que tais acusações não constam nos autos do processo...ela não está sendo formalmente acusada disso – e do que ela está sendo acusada, os seus antecessores também praticaram, e outros gestores praticam até hoje.

A mesma regra vale para o caso do outro presidente – o da Câmara, Eduardo Cunha. Vale ressaltar que ele responde a vários inquéritos; no entanto, cada um com suas especificações e definições dos agentes competentes para conduzi-los. Nesse contexto, é providencial e emblemático que Cunha tenha sido afastado pelo Supremo Tribunal Federal e não [ainda] pelos seus pares; isso esclarece muita coisa: a principal delas é que há crimes cometidos pelo detentor de mandato eletivo que são de natureza jurídica (e, portanto, de competência da Justiça), e outros, de natureza política (e, portanto, de competência do Parlamento).

O Conselho de Ética da Câmara não pode (com base no atual processo) condenar (qualquer que seja a pena) Eduardo Cunha por corrupção, ainda que ele seja eventualmente preso por determinação do STF sob tal condenação. Não que isso não esteja mais do que patente; ocorre que, pelas nossas leis, nenhum juízo o corte, por mais suprema e privilegiada que seja, pode julgar (e condenar) quem quer que seja sem acusação formal. Só pra ratificar, a acusação contra Cunha protocolada no Conselho de Ética é de quebra de decoro parlamentar por ter mentido à Comissão Parlamentar de Inquérito. A decisão do Conselho de Ética (pela condenação o pela absolvição) deve se fundamentar nisso. As denúncias no Supremo são outra coisa. A mesma regra deve ser aplicada ao caso do pedido de afastamento da presidente da República.

Não é o mandato de Dilma que está em questão, mas a eficácia do Direito, que é um dos pilares não apenas da Democracia, mas de qualquer tipo de civilização que queira ser chamada por esse nome. Se há crimes que justifiquem, que cassem, seja Dilma, Temer, Lula, Aécio, Cunha...a Madre Tereza de Calcultá...o Papa... autor deste texto ou quem quer que seja. Ocorre que quando eu defendo o afastamento de qualquer governante eleito diretamente pelo povo por crimes – que embora eventualmente ele tenha cometido – os quais ele não é formalmente acusado, como está ocorrendo com Dilma, eu estou defendendo o rompimento da ordem institucional democrática...eu não posso ser condenado pelo crime de sequestro de uma pessoa se, nos autos, a acusação que consta contra mim é de furto de uma laranja, ou vice-versa.

Qualquer professor – e, por extensão, qualquer ser humano – tem o direito de ser antiPT, de não gostar de comunista, de defender o neoliberalismo (ou qualquer outra corrente politico-ideológica), de se opor ao combate à miséria através de políticas públicas de distribuição de renda... Na mesma medida, porém, como responsáveis pela instrução e formação correta dos cidadãos do país [nós, professores], se afirmamos que a Democracia deve ser o regime do país em que vivemos, torna-se nosso dever defender as regras que a mantêm. Não faz sentido evocar a Democracia para se praticar ações que atentam exatamente contra um dos seus pilares, que é o Direito.

É preciso cautela, prudência e controle das paixões. Ao acusarem a presidente de crime de responsabilidade e a julgarem por corrupção e baixa popularidade no Congresso e entre as classes alta e média alta, abre-se um precedente extremamente perigoso; cria-se uma jurisprudência que se sobrepõe a qualquer rito ou doutrinamento do Direito. Ou seja, doravante, o que vai conduzir qualquer processo de impedimento ou cassação de gestores eleitos não serão mais os ritos processuais definidos em leis e regimentos, mas os interesses particulares e paixões dos julgadores. Isso não apenas contamina e compromete o processo jurídico legal, como afronta a própria Democracia na medida em que a vontade (não as regras constitucionais) de alguns (a maioria do Parlamento) sobrepõe-se à de milhões. Paixão por paixão, vontade por vontade, deve prevalecer a dos eleitores, não a dos parlamentares. Nesse particular (o julgamento do impeachment), o Senado da República não é apenas um parlamento político [e não deve se comportar como tal], mas uma corte de justiça – se bem que, nesse momento, ele não está julgando o processo em si, mas apenas sua admissibilidade; porém, isso já é muito sério porque implica no afastamento automático da presidente, ainda que (talvez) apenas temporariamente.

Se fosse o Claudio que tivesse se manifestando, talvez o posicionamento seria outro; talvez defenderia uma(s) e acusaria outra(s) legendas partidárias. Mas quem se manifesta é o Professor Claudio e, como defendi na introdução, partido é coisa de cidadão... Nesse particular, os partidos do professor devem ser, como sempre, a Educação e os direitos, inclusive o direito que tem o Direito de ser exercido direito... especialmente quando é exercido por quem se diz de direita.