Os Ábacos no Ensino da Aritmética
Luiz Carlos Pais
Luiz Carlos Pais
Resumo: Este artigo aborda questões da cultura material escolar no caso específico da produção e difusão de ábacos usados como recurso didático do ensino da aritmética nas últimas décadas do século XIX. Os ábacos são instrumentos antiquíssimos, criados por vários povos, com variações no formato, mas preservando a finalidade de ampliar as bases materiais para fazer cálculos. É importante observar que diferentes culturas criaram seus ábacos com relativa independência ou incorporando saberes e práticas de povos mercadores. A princípio, são objetos da cultura social mais ampla e foram transformados e apropriados pelas práticas docentes no contexto dos primeiros níveis da escolaridade. As fontes usadas para fazer esse estudo são catálogos de empresas especializadas na produção e comercialização de recursos materiais, publicações destinadas à orientação pedagógica de professores primários e textos do educador francês Ferdinand Buisson, cujas ideias circularam na recém proclamada república brasileira. A interrogação dessas fontes destaca a difusão discursiva do uso de diferentes modelos e de outros recursos como expressão de modernidade de uma propalada visão científica da instrução escolar considerada como meio para superar as mazelas das escolas públicas.
Palavras-chave: Cultura Escolar Matemática. Recursos Didáticos. Ensino de Aritmética. História do Ensino da Matemática.
Considerações iniciais
Os ábacos estão entre os mais antigos instrumentos inventados para auxiliar a realização direta e rápida de operações aritméticas, permitindo uma prática que dispensa a escrita dos números sobre uma superfície. Como todas as demais técnicas inventadas cultivadas em um determinado contexto, os ábacos também apresentam limitações que devem ser compreendidas para explorar suas potencialidades. São instrumentos encontrados na cultura de diversos povos ou civilizações quer sejam ocidentais ou orientais. Existe uma ampla diversidade de modelos, cujas raízes históricas se entrelaçam nas relações estabelecidas entre os países. Mesmo dentro dessa diversidade de modelos, há um princípio comum em todos esses instrumentos que consiste em servir como recurso material de realização das operações fundamentais da aritmética.
A aplicação do princípio do agrupamento de unidades e a consequente troca por unidades de ordem superior está presente nesses recursos. Princípio este que está em sintonia com o desenvolvimento conceitual do sistema de numeração decimal. Um dos modelos mais conhecidos e, por vezes, chamado de modelo chinês ou ábaco chinês, é formado por uma moldura retangular com hastes fixadas em dois lados paralelos, com pequenas bolas que deslizam pela intervenção da pessoa que faz as operações. O funcionamento dos ábacos mais usuais está associado ao sistema de numeração decimal, mas existem outros modelos concebidos para bases numéricas diferentes.
Pesquisadores já identificaram a presença de ábacos em civilizações que se encontravam separados do ponto de vista geográfico. Gregos, romanos, russos, egípcios, hindus, chineses e povos tradicionais do México, entre outros povos, desenvolveram instrumentos que podem ser chamados genericamente de ábacos (BALL, 2001). Nesse sentido, é uma hipótese plausível admitir que esses povos possam ter inventado tais instrumentos para fazer cálculo ou aperfeiçoado modelos encontrados outros lugares. Tudo indica que houve uma relativa independência na produção desses recursos cujas raízes pertencem ao campo da eficiência do trabalho humano, no sentido praxeológico mais amplo.
Há registros de que os gregos usavam pequenos tabuleiros quadrados recobertos de uma fina camada de areia sobre a qual eram riscados os cálculos elementares. Esta é uma provável origem do termo abaks akos, correspondendo em outras culturas, a antigos tabletes usados para fazer cálculos. A raiz grega deu origem ao termo latino abacus, conforme registra uma enciclopédia francesa de cultura geral. Como foi dito acima, antes de ser levado para o ensino escolar esses instrumentos foram difundidos como suporte nas relações comerciais, como ainda é provável que ocorra em algumas comunidades tradicionais de culturas orientais. Entretanto, há um ponto relevante a ser considerado que é sua transformação como objeto da cultura escolar. Nesse caso, abre uma problemática histórica, ainda a ser explorada com profundidade epistemológica, didática e histórica.
No contexto educacional francês, a partir dos meados do século XIX, o ábaco começou a ser usado como instrumento da cultura escolar. Com o passar do tempo, o termo antigo termo francês abaque foi substituindo por uma versão mais popular, o boulier, por vezes também chamado de ábaco-contador, no sentido do instrumento servir simultaneamente para aprender os números, de acordo com os princípios do sistema de numeração decimal, bem como para realizar as primeiras contagens. Entretanto, cumpre observar que sua inserção mais frequente nas práticas escolares coincidiu com o movimento de expansão da oferta de instrução escolar para as classes populares. Esse fenômeno não foi exclusivo da França, pois é possível constatar que em diversos países, os ábacos foram usados como suporte material para desenvolver a intuição numérica e aprendizagem das primeiras operações da aritmética.
Aspectos históricos
A aplicação da noção de cultura material escolar na história da educação envolve a tarefa de melhor explicitar o sentido conceitual atribuído à materialidade dos objetos culturais. Esta questão está sendo levantada, pouco a pouco, por autores interessados em explorar com maior base teórica a dimensão cultural de objetos usados na rotina das instituições. No caso das instituições de ensino, olhando o campo específico das disciplinas escolares, a intenção presente neste texto consiste em focalizar o ensino das primeiras operações da aritmética e o papel atribuído aos ábacos como objeto que foi amplamente difundido nas últimas décadas do século XIX.
Para compreender o significado atribuído ao termo ábaco, nos idos de 1880, recorremos ao dicionário pedagógico organizado pelo educador francês Ferdinand Buisson (1841 – 1932). Ganhador do prêmio Nobel da Paz, em 1927, e fervoroso defensor da educação laica, seu dicionário reúne ideias dos principais pedagogos da época. Eram tempos da difusão do método intuitivo e da defesa do uso de suportes materiais para conduzir o ensino primário. Este dicionário considera o termo ábaco (em francês, abaque ou boulier) como sinônimo de aritmômetro, instrumento utilizado para fazer cálculos elementares e indicado nos primeiros anos da escolaridade. (Buisson, 1887)
Ao tratar dos aspectos conceituais da cultura material escolar, no caso dos ábacos utilizados em escolas primárias do passado, nossa tarefa envolve a necessidade de sempre indagar pela imaterialidade subjacente a esses objetos material. Por mais que a nossa opção seja olhar para o suporte material envolvido nas práticas de ensino primário da aritmética, o principal motivo envolve a tarefa de desvelar o contexto de produção, difusão e apropriação do recuso de ensino. Assim, o momento focalizado coincide com as discussões pedagógicas em favor da aplicação do método intuitivo e das lições de coisas. A materialidade do objeto funciona como porta de entrada para desvelar princípios, métodos e valores subjacentes.
Para corresponder às finalidades atribuídas a uma disciplina escolar e tendo em vista que esta expectativa resulta de interesses compartilhados por uma rede de instituições na qual a escola está inserida, na linha proposta por André Chervel, professores, inspetores e outros responsáveis diretos pela produção das práticas escolares inventaram diferentes modelos de ábacos para explorar os aspectos intuitivos envolvidos na numeração e nas operações da aritmética. Essa materialidade é uma das características de muitos objetos encontrados no cotidiano das práticas escolares, independente do tempo considerado.
Mas a escrita da história da educação requer, com mais intensidade, o compromisso do pesquisador em indagar pela dimensão abstrata que transcende a exterioridade dos recursos materiais. Em certo sentido, os objetos materiais da cultura escolar funcionam como porta de entrada para ideias, concepções, crenças, valores, ideologias e muitas outras categorias que não estão presente na materialidade em si mesma. Trata-se de acessar ao poderoso império – totalmente abstrato - que sustentou a criação, produção e difusão de determinados objetos com as práticas escolares são conduzidas nos limites de um determinado contexto institucional.
A história contada neste artigo está inserida no quadro da expansão de oferta da instrução primária para as classes populares que ocorreu nos países mais desenvolvidos da Europa, nas últimas décadas do século XIX. Em vista a influência exercida pela cultura francesa no ideário pedagógico da época, alguns traços desse movimento de expansão da escolar ou pelo menos tentativa de expansão. Várias medidas foram tomadas pelo governo francês, na década de 1870, visando estender a oferta da instrução escolar para as classes sociais populares. Esta era uma pauta do que foi entendimento como condição para a modernidade daqueles tempos.
Houve uma intensa convergência de interesses capitalistas para difundir tecnologias criadas pela Segunda Revolução Industrial. Os lampiões usados para iluminar as ruas foram aposentados. O telefone passaria a ser cada vez mais acessível. Os transportes por via férrea eram cada vez mais modernos. Aproximava a invenção do rádio, cinema, automóveis, aviões e outras sedutoras maravilhas daqueles tempos. Com isso foram criados, em diferentes países da Europa, mais cursos superiores nas áreas científicas e tecnológicas. Para que o Império do Brasil não ficasse defasado em relação aos países europeus mais desenvolvidos, Dom Pedro II foi pessoalmente na França procurar o que havia de melhor e mais moderno para criar a Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto.
Uma consequência imediata foi a demanda por um ensino secundário mais qualificado nas áreas científicas. Em paralelo a esses acontecimentos, as transformações sociais exigiam mais escolas primárias para as classes populares. Traços da cultura material escolar que permeou o ensino da aritmética primária do final do século XIX podem ser levantados em catálogos de empresas francesas especializadas na produção e comercialização desses recursos. Essas empresas prosperaram no momento de maior expansão do número de escolas primárias não somente na França como em vários outros países. Algumas delas vendiam desde o modelo arquitetônico do prédio para instalar os primeiros grupos escolares, os móveis para montar as aulas de aulas e muitos materiais destinados ao ensino das diversas disciplinas. Essa difusão de materiais didáticos estava inserida em um discurso mais amplo em defesa da modernidade. Por esse motivo, a análise dos materiais divulgados nos catálogos franceses pode ser enriquecida com as ideias contidas nos textos pedagógicos escritos para divulgar métodos considerados mais adequados em relação aos métodos catequéticos que haviam predominado nas práticas escolares até os meados do século XIX.
Para finalizar, a continuidade desse tipo de pesquisa histórica e educacional requer uma análise mais apurada de diferentes modelos de ábacos que circularam no Brasil, a difusão dos menos nas Escolas Normais de formação de professores primários. Apenas a título de exemplo, mencionamos nesse artigo a expressiva presença da Maison Deyrolle, uma empresa francesa que conquistou grande sucesso na produção e comércio de materiais para o ensino. Fundada em 1831, por Jean Baptista Deyrolle, que iniciou suas atividades no ramo de materiais para caça e insetos para os amantes e estudiosos das ciências naturais. Em 1866, Émile Deyrolle assumiu o comando do negócio iniciado pelo seu avô, passando a fabricar e vender materiais para o ensino de ciências e para várias outras disciplinas escolares. Atingiu fama internacional pela qualidade dos seus produtos e conquistou clientes em vários países.
A expansão da oferta da instrução escolar favoreceu o sucesso do negócio. A indicação pedagógica do uso de novos objetos materiais no ensino escolar estava amparada pela difusão do método intuitivo e das lições de coisas. Os materiais concretos eram concebidos como condição indispensável para a modernidade da educação necessária às últimas décadas do século XIX. Uma nova cultura material estava sendo consolidade e a Maison Deyrolle conquistou posição de referência na ampla rede de instituições na qual as escolas estão inseridas. Até meados do século XX, a empresa era referência para a difusão de materiais de ensino dos níveis mais elementares da escolaridade até o superior. Recentemente, o nome Deyrolle era apenas uma pequena loja de curiosidades e animais empalhados incluída no roteiro turístico de Paris. Mas, em 2008, um inesperado incêndio fecou suas portas por algum tempo, mas reabriu e mantem um site na internet.
BALL, W. A Short account of the history of mathematics, Abacus. Dover Publications, p. 123-126, 2001.
BUISSON, Ferdinand. Dictionnaire de pédagogie et d'instruction primaire. Primeira edição foi publicada em 1887 e a segunda em 1911.
Palavras-chave: Cultura Escolar Matemática. Recursos Didáticos. Ensino de Aritmética. História do Ensino da Matemática.
Considerações iniciais
Os ábacos estão entre os mais antigos instrumentos inventados para auxiliar a realização direta e rápida de operações aritméticas, permitindo uma prática que dispensa a escrita dos números sobre uma superfície. Como todas as demais técnicas inventadas cultivadas em um determinado contexto, os ábacos também apresentam limitações que devem ser compreendidas para explorar suas potencialidades. São instrumentos encontrados na cultura de diversos povos ou civilizações quer sejam ocidentais ou orientais. Existe uma ampla diversidade de modelos, cujas raízes históricas se entrelaçam nas relações estabelecidas entre os países. Mesmo dentro dessa diversidade de modelos, há um princípio comum em todos esses instrumentos que consiste em servir como recurso material de realização das operações fundamentais da aritmética.
A aplicação do princípio do agrupamento de unidades e a consequente troca por unidades de ordem superior está presente nesses recursos. Princípio este que está em sintonia com o desenvolvimento conceitual do sistema de numeração decimal. Um dos modelos mais conhecidos e, por vezes, chamado de modelo chinês ou ábaco chinês, é formado por uma moldura retangular com hastes fixadas em dois lados paralelos, com pequenas bolas que deslizam pela intervenção da pessoa que faz as operações. O funcionamento dos ábacos mais usuais está associado ao sistema de numeração decimal, mas existem outros modelos concebidos para bases numéricas diferentes.
Pesquisadores já identificaram a presença de ábacos em civilizações que se encontravam separados do ponto de vista geográfico. Gregos, romanos, russos, egípcios, hindus, chineses e povos tradicionais do México, entre outros povos, desenvolveram instrumentos que podem ser chamados genericamente de ábacos (BALL, 2001). Nesse sentido, é uma hipótese plausível admitir que esses povos possam ter inventado tais instrumentos para fazer cálculo ou aperfeiçoado modelos encontrados outros lugares. Tudo indica que houve uma relativa independência na produção desses recursos cujas raízes pertencem ao campo da eficiência do trabalho humano, no sentido praxeológico mais amplo.
Há registros de que os gregos usavam pequenos tabuleiros quadrados recobertos de uma fina camada de areia sobre a qual eram riscados os cálculos elementares. Esta é uma provável origem do termo abaks akos, correspondendo em outras culturas, a antigos tabletes usados para fazer cálculos. A raiz grega deu origem ao termo latino abacus, conforme registra uma enciclopédia francesa de cultura geral. Como foi dito acima, antes de ser levado para o ensino escolar esses instrumentos foram difundidos como suporte nas relações comerciais, como ainda é provável que ocorra em algumas comunidades tradicionais de culturas orientais. Entretanto, há um ponto relevante a ser considerado que é sua transformação como objeto da cultura escolar. Nesse caso, abre uma problemática histórica, ainda a ser explorada com profundidade epistemológica, didática e histórica.
No contexto educacional francês, a partir dos meados do século XIX, o ábaco começou a ser usado como instrumento da cultura escolar. Com o passar do tempo, o termo antigo termo francês abaque foi substituindo por uma versão mais popular, o boulier, por vezes também chamado de ábaco-contador, no sentido do instrumento servir simultaneamente para aprender os números, de acordo com os princípios do sistema de numeração decimal, bem como para realizar as primeiras contagens. Entretanto, cumpre observar que sua inserção mais frequente nas práticas escolares coincidiu com o movimento de expansão da oferta de instrução escolar para as classes populares. Esse fenômeno não foi exclusivo da França, pois é possível constatar que em diversos países, os ábacos foram usados como suporte material para desenvolver a intuição numérica e aprendizagem das primeiras operações da aritmética.
Aspectos históricos
A aplicação da noção de cultura material escolar na história da educação envolve a tarefa de melhor explicitar o sentido conceitual atribuído à materialidade dos objetos culturais. Esta questão está sendo levantada, pouco a pouco, por autores interessados em explorar com maior base teórica a dimensão cultural de objetos usados na rotina das instituições. No caso das instituições de ensino, olhando o campo específico das disciplinas escolares, a intenção presente neste texto consiste em focalizar o ensino das primeiras operações da aritmética e o papel atribuído aos ábacos como objeto que foi amplamente difundido nas últimas décadas do século XIX.
Para compreender o significado atribuído ao termo ábaco, nos idos de 1880, recorremos ao dicionário pedagógico organizado pelo educador francês Ferdinand Buisson (1841 – 1932). Ganhador do prêmio Nobel da Paz, em 1927, e fervoroso defensor da educação laica, seu dicionário reúne ideias dos principais pedagogos da época. Eram tempos da difusão do método intuitivo e da defesa do uso de suportes materiais para conduzir o ensino primário. Este dicionário considera o termo ábaco (em francês, abaque ou boulier) como sinônimo de aritmômetro, instrumento utilizado para fazer cálculos elementares e indicado nos primeiros anos da escolaridade. (Buisson, 1887)
Ao tratar dos aspectos conceituais da cultura material escolar, no caso dos ábacos utilizados em escolas primárias do passado, nossa tarefa envolve a necessidade de sempre indagar pela imaterialidade subjacente a esses objetos material. Por mais que a nossa opção seja olhar para o suporte material envolvido nas práticas de ensino primário da aritmética, o principal motivo envolve a tarefa de desvelar o contexto de produção, difusão e apropriação do recuso de ensino. Assim, o momento focalizado coincide com as discussões pedagógicas em favor da aplicação do método intuitivo e das lições de coisas. A materialidade do objeto funciona como porta de entrada para desvelar princípios, métodos e valores subjacentes.
Para corresponder às finalidades atribuídas a uma disciplina escolar e tendo em vista que esta expectativa resulta de interesses compartilhados por uma rede de instituições na qual a escola está inserida, na linha proposta por André Chervel, professores, inspetores e outros responsáveis diretos pela produção das práticas escolares inventaram diferentes modelos de ábacos para explorar os aspectos intuitivos envolvidos na numeração e nas operações da aritmética. Essa materialidade é uma das características de muitos objetos encontrados no cotidiano das práticas escolares, independente do tempo considerado.
Mas a escrita da história da educação requer, com mais intensidade, o compromisso do pesquisador em indagar pela dimensão abstrata que transcende a exterioridade dos recursos materiais. Em certo sentido, os objetos materiais da cultura escolar funcionam como porta de entrada para ideias, concepções, crenças, valores, ideologias e muitas outras categorias que não estão presente na materialidade em si mesma. Trata-se de acessar ao poderoso império – totalmente abstrato - que sustentou a criação, produção e difusão de determinados objetos com as práticas escolares são conduzidas nos limites de um determinado contexto institucional.
A história contada neste artigo está inserida no quadro da expansão de oferta da instrução primária para as classes populares que ocorreu nos países mais desenvolvidos da Europa, nas últimas décadas do século XIX. Em vista a influência exercida pela cultura francesa no ideário pedagógico da época, alguns traços desse movimento de expansão da escolar ou pelo menos tentativa de expansão. Várias medidas foram tomadas pelo governo francês, na década de 1870, visando estender a oferta da instrução escolar para as classes sociais populares. Esta era uma pauta do que foi entendimento como condição para a modernidade daqueles tempos.
Houve uma intensa convergência de interesses capitalistas para difundir tecnologias criadas pela Segunda Revolução Industrial. Os lampiões usados para iluminar as ruas foram aposentados. O telefone passaria a ser cada vez mais acessível. Os transportes por via férrea eram cada vez mais modernos. Aproximava a invenção do rádio, cinema, automóveis, aviões e outras sedutoras maravilhas daqueles tempos. Com isso foram criados, em diferentes países da Europa, mais cursos superiores nas áreas científicas e tecnológicas. Para que o Império do Brasil não ficasse defasado em relação aos países europeus mais desenvolvidos, Dom Pedro II foi pessoalmente na França procurar o que havia de melhor e mais moderno para criar a Escola de Minas e Metalurgia de Ouro Preto.
Uma consequência imediata foi a demanda por um ensino secundário mais qualificado nas áreas científicas. Em paralelo a esses acontecimentos, as transformações sociais exigiam mais escolas primárias para as classes populares. Traços da cultura material escolar que permeou o ensino da aritmética primária do final do século XIX podem ser levantados em catálogos de empresas francesas especializadas na produção e comercialização desses recursos. Essas empresas prosperaram no momento de maior expansão do número de escolas primárias não somente na França como em vários outros países. Algumas delas vendiam desde o modelo arquitetônico do prédio para instalar os primeiros grupos escolares, os móveis para montar as aulas de aulas e muitos materiais destinados ao ensino das diversas disciplinas. Essa difusão de materiais didáticos estava inserida em um discurso mais amplo em defesa da modernidade. Por esse motivo, a análise dos materiais divulgados nos catálogos franceses pode ser enriquecida com as ideias contidas nos textos pedagógicos escritos para divulgar métodos considerados mais adequados em relação aos métodos catequéticos que haviam predominado nas práticas escolares até os meados do século XIX.
Para finalizar, a continuidade desse tipo de pesquisa histórica e educacional requer uma análise mais apurada de diferentes modelos de ábacos que circularam no Brasil, a difusão dos menos nas Escolas Normais de formação de professores primários. Apenas a título de exemplo, mencionamos nesse artigo a expressiva presença da Maison Deyrolle, uma empresa francesa que conquistou grande sucesso na produção e comércio de materiais para o ensino. Fundada em 1831, por Jean Baptista Deyrolle, que iniciou suas atividades no ramo de materiais para caça e insetos para os amantes e estudiosos das ciências naturais. Em 1866, Émile Deyrolle assumiu o comando do negócio iniciado pelo seu avô, passando a fabricar e vender materiais para o ensino de ciências e para várias outras disciplinas escolares. Atingiu fama internacional pela qualidade dos seus produtos e conquistou clientes em vários países.
A expansão da oferta da instrução escolar favoreceu o sucesso do negócio. A indicação pedagógica do uso de novos objetos materiais no ensino escolar estava amparada pela difusão do método intuitivo e das lições de coisas. Os materiais concretos eram concebidos como condição indispensável para a modernidade da educação necessária às últimas décadas do século XIX. Uma nova cultura material estava sendo consolidade e a Maison Deyrolle conquistou posição de referência na ampla rede de instituições na qual as escolas estão inseridas. Até meados do século XX, a empresa era referência para a difusão de materiais de ensino dos níveis mais elementares da escolaridade até o superior. Recentemente, o nome Deyrolle era apenas uma pequena loja de curiosidades e animais empalhados incluída no roteiro turístico de Paris. Mas, em 2008, um inesperado incêndio fecou suas portas por algum tempo, mas reabriu e mantem um site na internet.
BALL, W. A Short account of the history of mathematics, Abacus. Dover Publications, p. 123-126, 2001.
BUISSON, Ferdinand. Dictionnaire de pédagogie et d'instruction primaire. Primeira edição foi publicada em 1887 e a segunda em 1911.