Aritmômetros no ensino primário

Luiz Carlos Pais
 
 
O dicionário pedagógico organizado pelo educador francês Ferdinand Buisson considera o termo aritmômetro como sinônimo de ábaco ou boulier. Um verbete dessa renomada publicação é reservado para explicar o sentido atribuído a esses antigos objetos culturais e a melhor maneira de utilizá-los na instrução primária. (Buisson, 1887) O termo é descrito como sendo uma máquina de calcular, mas esclarece não se tratar dos aparelhos mecânicos criados por Charles-Xavier Thomas, natural da cidade francesa de Colmar. Mas, cumpre ressaltar que os aparelhos fabricados e comercializados por este empresário, devido ao seu alto custo, somente eram acessíveis aos comerciantes mais abastados, industriais, banqueiros, arquitetos ou acadêmicos e geômetras, conforme palavras constantes no dicionário pedagógico. O autor destaca ainda a simplicidade dos ábacos como antigos objetos desenvolvidos por diferentes povos para facilitar a realização de cálculos aritméticos.
 
Diante da necessidade de expansão do oferecimento de instrução escolar para as classes populares, os educadores resgataram o uso desses objetos culturais para incrementar o ensino da aritmética. Uma referência é feita pelo dicionário organizado por Buisson à Bélgica; como sendo o país no qual estava sendo, naquele momento, divulgado o uso de um aparelho escolar destinado especificamente ao ensino das primeiras operações numéricas em sintonia com o sistema métrico decimal. Diferentes modelos desses aparelhos, chamados de aritmômetros, foram criados e divulgados por educadores belgas como máquinas que facilitavam o estudo da numeração e do sistema métrico e, por conseguinte, a representação natural não somente comprimentos lineares, mas também de superfícies e volumes. (Buisson, 1887, p. 118)
 
Em particular, a difusão do chamado de aritmômetro de Arens, indicado para o ensino das operações aritméticas, tem relação direta com a atuação dos Irmãos Lassalistas no campo da educação. Mais especificamente, trata-se de um modelo desenvolvido por um padre lassalista de nome Anton Arens, cujo nome religioso era Irmão Marianus. O nome deste religioso está inscrito na história do Instituto dos Irmãos das Escolas Cristãs, fundado na cidade de Reims, França, em 1680 por São João Batista de La Salle. Irmão Marianus esteve presente na Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro, em 1883, acompanhando a comitiva belga e segundo consta Dom Pedro II assistiu à conferência em que o referido religioso expôs o funcionamento prático do seu aparelho de calcular.
 
Dessa maneira, no contexto da instrução pública brasileira, a divulgação do aritmômetro de Arens está inserida no contexto de realização da Primeira Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro, em 1883. Referências iniciais de divulgação desse modelo de aritmômetro, no Brasil, estão na obra A saga dos pioneiros lassalistas no Brasil, escrita pelo irmão religioso Israel José Nery, presidente da Associação Brasileira de Educadores Lassalistas. (Nery, 2007) Ao que tudo indica, conforme mencionado acima, o Imperador assistir pessoalmente à sessão de explicações fornecidas pelo Irmão Marianus a respeito do funcionamento do seu aritmômetro e tendo se interessado pelo aparelho, resolveu, de imediato, mandar adquirir cem unidades deles para que os mesmos fossem distribuídos pelas escolas públicas do Rio de Janeiro. Por esse motivo, Francisco Antunes Maciel, no exercício do cargo de Ministro dos Negócios do Império e atendendo ao desejo do Imperador, providenciou a compra de cem unidades, pelo preço total de oito mil francos. De acordo com as palavras do próprio ministro, conforme consta em seu relatório, o uso desse aparelho poderia auxiliar muito o ensino do cálculo e da metrologia.
 
A intenção era dotar cada escola primária da cidade do Rio de Janeiro com um desses aparelhos cuja utilização foi divulgada na expsoição encerrada dois meses antes da autorização da referida compra, ocorrida em 24 de novembro de 1883. Em 3 de maio do ano seguinte, o relatório apresentado pelo ministro dava conta que o município do Rio de Janeiro tinha 94 escolas primárias, sendo dois terços delas localizadas na zona urbana e as outras na região suburbana. Acompanhando as idéias expostas, de viva voz, pelo criador do referido modelo de aritmômetro, o ministro Antunes Maciel justificou em seu relatório que para ampliar a aplicação do método intuitivo seria, de fato, necessário dotar as escolas desses aparelhos. Na visão do ministro seria um sacrifício orçamentário em benefício da modernidade da instrução primária pública.
 
Assim que chegaram os 100 aritmômetros encomendados na Bélgica, 86 deles foram distribuídos para escolas do Rio de Janeiro. Como os professores não sabiam usar o aparelho, a distribuição foi precedida de uma conferência proferida pelo bacharel Theophilo das Neves Leão, ocupante do cargo de secretário da inspetoria geral de instrução pública. Segundo consta nos relatórios oficiais, o secretário destacou a maneira como os professores deveriam usar o aritmômetro em sala de aula e destacou as vantagens que o mesmo apresentaria para o estudo das operações elementares. No mesmo relatório que consta a distribuição desses aparelhos para as escolas públicas do Rio de Janeiro, figura ainda a distribuição de ardósias artificiais para uso individual dos alunos; caixas do Modelo de Level para o estudo do sistema métrico, Caixa de Carpentier, entre outros objetos.
 
O dicionário pedagógico organizado por Ferdinand Buisson esclarece ainda que os ábacos belgas eram os modelos mais desenvolvidos da época, em vista de recursos adicionados para facilitar o estudo do sistema métrico decimal. (Buisson, 1887) Dessa maneira o uso desses aparelhos estava inserido no discurso de valorização do método intuitivo. Vários modelos deles foram criados, entre os quais são citados os de Pétry, Tecquienne, Colin, Arens, Féron e o de Martinot, um professor primário na cidade de Namur. Uma descrição detalhada deste último modelo é fornecida pelo dicionário de Buisson, dizendo que as unidades eram representadas por mil pequenos cubos com um centímetro de aresta; as dezenas por fileiras alinhadas de dez desses pequenos cubos; as centenas por dez dessas fileiras, formando uma placa com cem cubos pequenos. O milhar era representado por um decímetro cúbico. Com base nessa descrição, o referido aparelho, chamado de aritmômetro de Martinot, nos dias de hoje, certamente, seria reconhecido por educadores matemáticos brasileiros com o nome de material dourado, cuja difusão é geralmente atribuída à educadora italiana Marina Montessori, cujas experiências pedagógicas iniciadas somente após o término do seu curso de medicina, em 1896.
 
Há registros de que a circulação dos aritmômetros de Arens ultrapassou os limites da cidade do Rio de Janeiro, pois encontramos sua referência em documentos da instrução pública do Amazonas. No início da década de 1890, a situação financeira dos cofres públicos amazonenses era a melhor possível. Os impostos arrecadados com a exportação da borracha permitiram ao governador Eduardo Ribeiro tentar um gesto para melhorar as precárias condições da instrução pública. Assim, o discurso em favor da modernização das práticas escolares incluía a aquisição de um aritmômetro para cada escola do Estado. Militar e fervoroso defensor dos ideais positivistas difundidos por Benjamin Constant, o governador tentou difundir entre os professores amazonenses a idéia de que o uso do referido aparelho seria a redenção de um longo período de arraso e de abandono pelo qual passou a educação local. O regulamento de 1892 previa a existência de um aritmômetro de Arens para cada escola primária do Amazonas.
 
O discurso em favor do uso de alguns modelos de aritmômetro no ensino das operações aritméticas elementares, no contexto das últimas décadas da instrução primária brasileira, estava inserido no movimento pedagógico ocorrido a partir de 1870, no quadro de expansão da oferta de instrução para as classes populares. Do ponto de vista da base metodológica para o uso desses objetos culturais, prevalecia o ideal de se tentar renovar as antigas práticas da memorização e da repetição até então predominantes no estudo da matemática elementar. Foi no contexto da Primeira Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro, de 1883, que foi divulgado no Brasil, um modelo chamado de aritmômetro de Arens, cujo criador foi o padre lassalista conhecido pelo nome religioso de Irmão Marianus. Uma centena desses aparelhos de ensino da aritmética foi adquirida e distribuída para as escolhas primárias da cidade do Rio de Janeiro.
 
Uma década depois da exposição pedagógica, o uso didático do aritmômetro de Arens foi estabelecido no regimento da instrução primária no Amazonas, em 1892. A riqueza oriunda da exportação a borracha inspirou uma instrução primária tal como estava sendo difundida na França. Nesse sentido, o regimento aprovado pelos deputados amazonenses previa a compra de um aritmômetro de Arens para cada escola pública primária daquela unidade da federação. A prescrição do uso do aritmômetro no estudo das operações numéricas esteve presente ainda no regimento interno das escolas primárias do primeiro grau do distrito federal, aprovado em 15 de janeiro de 1896. Teriam sido esses aparelhos efetivamente utilizados pelos professores primários daquela época? Resta-nos o desafio de entender como esses aparelhos de ensino do final do século XIX foram apropriados no contexto vivo da sala de aula, longe do domínio direto das instituições acadêmicas e dos interesses das empresas especializadas na comercio desses materiais.
 
Referências
 
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