Exposição Pedagógica de 1883
 
Luiz Carlos Pais
 
O interesse em retornar à Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro, realizada em 1883, cuja abertura contou a atenciosa presença do Imperador Pedro II, nasceu a partir da constatação de que nesse evento estiveram presentes educadores católicos lassalistas, vindos da Bélgica, para divulgar seus produtos escolares, entre os quais o aritmômetro. O governo publicou uma resolução, no início de dezembro de 1882, anunciando a realização de um grande evento de porte internacional, denominado “Congresso da Instrução do Rio de Janeiro”. A intenção do Imperador consistia em colocar em prática uma estratégia de divulgação das realizações do Estado no campo da instrução pública que vinha sendo cultivada pelas noções mais desenvolvidas. A situação política da corte imperial não era nada boa. O movimento republicano criava corpo nas principais províncias. Aproximava-se a queda do regime escravocrata. A realização de um grande congresso de educação poderia chamar atenção, como se aqueles anos finais pudesse recuperar as décadas de abandono geral da instrução primária e secundária, com exceção das chamadas instituições modelos. Duas décadas antes, na Exposição Internacional de Londres de 1862, pela primeira vez, tinha sido criada uma sessão especial para apresentar materiais de ensino, uma idéia inovadora para mostrar o que estava sendo produzido pelo país para expandir a oferta de instrução pública para as classes populares. (Buisson, 1887)
 
A criação da referida sessão especial foi, na realidade, um aprimoramento de uma estratégia criada alguns anos antes, por industriais que começavam a fabricar materiais escolares. Em 1854, também em Londres, havia sido realizada uma exposição semelhante na qual os vários produtos destinados à instrução escolar foram expostos e, posteriormente, doados pelos industriais para a constituição de um museu pedagógico, onde os professores pudessem ser treinados para a utilização dos mesmos. Mas, não podemos perder de vista que para cada estratégia institucional, concebida para o exercício de um determinado poder, se tem origem a um turbilhão de táticas produzidas pelos consumidores. Dessa maneira, resta-nos o complexo desafio de compreender como os professores usavam, efetivamente, no espaço interno da sala de aula, os objetos expostos como símbolo da modernidade.
 
Os empresários do setor industrial que produziam os aparelhos de ensino do final do século XIX, exibidos nas grandes exposições internacionais, já visualizavam a emergência de um amplo mercado consumidor criado no entorno da escola. O oferecimento de instrução pública para as classes populares sinalizava para a consolidação desse mercado consumidor de objetos escolares. Dessa maneira, ao estudar o problema da difusão de objetos da cultura escolar do final do século XIX, estamos diante do desafio de compreender o funcionamento das estratégias concebidas para interligar a criação e difusão de materiais escolares, a abertura de museus escolares e a efetiva prática dos professores.
 
De forma semelhante, seguindo o mesmo rumo da Inglaterra, a Exposição Universal de Viena, de 1873, reservou sessões especiais para difundir as bases materiais de expansão da oferta da instrução pública para as classes populares. Os produtos expostos incluíam desde projetos prontos para construção de prédios escolares, móveis para instalar as salas de aula e, de maneira menos perceptível, o discurso em favor do método intuitivo e da utilização de diversos materiais concretos para o ensino das matérias.
 
Ferdinand Buisson foi enviado à Viena como delegado do Ministério da Instrução Pública da França para observar, atentamente, as novidades exibidas nesta exposição. Dessa missão resultou um relatório que circulou amplamente não somente na França como em diversos países que procuraram seguir o discurso em favor do que chamavam educação científica. (Buisson, 1875) Ao analisar documentos brasileiros da mesma época, fica evidente a influência considerável exercida pelas idéias contidas nesse famoso relatório redigido por Buisson, o qual serviu de fonte inspiradora para nutrir as propostas de reforma educacional dos últimos tempos do Império. São vários os relatórios da Escola Normal de Niteroi e da cidade do Rio de Janeiro que citam, explicitamente, as ideias pedagógicas contidas nesses documentos resultantes das grandes exposições da época.
 
Nesse contexto de expansão de oferta da instrução pública para as classes populares, passou a ser um sinal de modernidade, em consonância com os interesses econômicos e políticos, a prescrição do uso de materiais para o ensino da matemática primária, bem como para as demais disciplinas. Vários catálogos comerciais foram divulgados na época por empresas especializadas na fabricação desses materiais, visando desde o ensino religioso, passando pela matemática, pelas ciências e pelas demais disciplinas. No caso da matemática primária os materiais visavam desde os primeiros conteúdos da aritmética, passando pelo sistema métrico decimal, pela geometria e pelo desenho linear. Foi nesse clima de certa euforia pela realização das grandes exposições internacionais que o governo imperial brasileiro decidiu também organizar o Congresso de Instrução do Rio de Janeiro. No plano inicial idealizado para realizar este evento,  a sessão de abertura foi prevista para o dia 1º de junho de 1883.
Um minucioso regulamento foi então publicado com a assinatura do ministro Pedro Leão Velloso. O programa das conferências incluía temas como jardim da infância, ensino primário e secundário; profissional e ensino superior. Quase nada foi esquecido para realizar o grande evento; a não ser um detalhe fundamental e decisivo que eram os recursos necessários para custear as despesas. Esse foi o principal motivo para a não realização do congresso, tal como fora inicialmente previsto. E para contornar a situação, o congresso foi reduzido a uma Exposição Pedagógica, envolvendo somente temas pertinentes ao jardim da infância, ao ensino primário e às escolas normais, ou seja, excluindo questões pertinentes aos ensinos secundário, profissional e superior, como anteriormente havia sido previsto.
 
A fase de maior desenvolvimento econômico do Império tinha passado e decadência batia às postas. Durante meio século, quase nada foi realizado para proporcionar, efetivamente, uma instrução pública para as classes populares. Diante dessa realidade banhada em meio século de poder absoluto, a idealização do grande evento foi uma estratégia imperial para tentar alterar os rumos incertos daquele momento, como se uma escola pública popular pudesse, de maneira desconectada da realidade mais ampla, ter o poder redentor de corrigir as injustiças sociais acumuladas ao longo do século XIX.
 
A organização do congresso ficou a cargo de uma comissão presidida pelo Conde d’Eu e secretariada por Carlos Leôncio de Carvalho; Américo Franklin de Menezes Dória foi nomeado segundo secretário, o Visconde de Bom Retiro e Manoel Francisco Correa foram nomeados vice-presidentes. Ao presidir o evento, Leôncio de Carvalho, tentava ampliar as bases para implantar as idéias formuladas por ele no texto da reforma instituída pelo Decreto 7247 de 19 de abril de 1879, quando ocupou a pasta do ministério encarregado da instrução pública. Em particular, estava em discussão a implantação do método de ensino intuitivo, tema debatido desde os meados da década de 1860 em conferências internacionais. (Valdemarin, 2004) Entretanto, para aplicar o referido método no ensino, alguns educadores entendiam ser conveniente usar aparelhos cuja concepção era vista então como expressão legítima de uma prática de ensino mais científica; uma tentativa de modernizar os velhos métodos até então cultivados.
 
Ao se aproximar da data prevista para a sessão de abertura do Congresso de Instrução, como antecipamos anteriormente, a comissão se defronta com o imponderável problema da falta de recursos. A realização do evento já tinha sido divulgada não somente em todas as províncias bem como em países da Europa e seria um desgaste político considerável o seu cancelamento total. Diante desse impasse, a comissão se prontificou a realizar apenas uma exposição pedagógica circunscrita às questões do ensino primário e das escolas normais com o custeio de donativos por eles arrecadados. Esse esclarecimento consta na memória escrita pelo engenheiro Antonio de Paula Freitas, no cargo de secretário da associação mantenedora do Museu Escolar Nacional. (Compagnoni, 1980) Este museu, tal como fora idealizado em 1854 em Londres, foi montado com doação dos materiais expostos da exposição de 1883, reforçando aqui os laços existentes entre a difusão do método intuitivo, uso de materiais concretos e a criação de museus escolares.
 
Mesmo diante do cancelamento da parte mais pomposa do idealizado congresso, em 14 de maio de 1883, o ministro Velloso apresentou um relatório no qual reforça que a finalidade do evento seria animar conferências sobre os diferentes níveis da instrução pública e particular. Nesse momento estava decidido que o prédio da Tipografia Nacional seria o local de realização as conferências. Foram então convidados professores dos magistérios primário e secundário do Rio de Janeiro, representantes de colégios particulares, reitores e professores do Colégio Pedro II e de todos os cursos superiores existentes no país.
 
A comissão deliberou que os professores do interior seriam representados apenas pelos diretores ou inspetores da instrução pública das suas respectivas províncias. Posteriormente, essa deliberação foi revista, pois, de certa forma a regra estabelecida excluía os efetivos agentes da instrução escolar, ou seja, os professores que vivenciam a realidade das práticas e dos saberes pedagógicos. O secretário da comissão conseguiu estender o direito de participação aos professores do interior, deixando que cada presidente de Província indicasse até três deles para participar do congresso. Houve uma recomendação expressa para que os presidentes de províncias somente escolhessem os professores que mais houvessem se destacado no magistério. (Moacyr, 1938)
 
Mesmo antes da decisão de cancelar o previsto congresso de instrução e reduzi-lo a uma exposição pedagógica, seguindo a moda de realização das grandes exposições pedagógicas, como destacamos, a comissão havia recomendada ao governo autorizar a realização da Primeira Exposição Pedagógica do Rio de Janeiro, a qual seria inaugurada em 1º de junho, concomitantemente, com a abertura das conferências, mas que se prolongaria durante os meses de junho a setembro de 1883. Na realidade, somente a exposição foi inaugurada em 28 de julho, isto é, com atraso de quase dois meses em relação à data prevista.
 
O objetivo da exposição foi então enunciado pelos membros da comissão: reunir aparelhos inventados para o ensino primário, materiais escolares, livros didáticos, publicações e outros trabalhos que pudessem materializar para os professores os procedimentos de ensino, principalmente, quanto ao uso do método intuitivo, cuja institucionalização no Brasil estava inserida na reforma de Leôncio de Carvalho, pelo decreto no 7247, de 19 de abril de 1879.
 
O material pedagógico exposto deveria abordar assuntos de interesse para o jardim da infância, instrução primária e escola normal. A delimitação desses temas foi justificada pelo ministro Leão Velloso como sendo uma medida para tornar a exposição mais proveitosa e interessante. Na época, em alguns países europeus e nos Estados Unidos estava se iniciando as discussões quanto à necessidade de criar instituições especializadas, como as idealizadas pelo pedagogo alemão Fröbel, um dos precursores na defesa em favor de uma educação destinada às crianças pequenas.
 
Mas, não podemos perder de vista que no Brasil, a instrução primária era ainda oferecida a um número muito reduzido de crianças e os jardins de infância praticamente não existiam, salvo pouquíssimas exceções afetas à iniciativa particular. Por esse motivo, a Exposição Pedagógica aconteceu em um momento no qual alguns proprietários de colégios particulares, entre os quais Aníbal César Borges e Joaquim José de Menezes Vieira, estavam atentos ao debate internacional no sentido de se apropriarem das idéias referentes aos materiais de ensino, o que era visto como uma maneira de expandir as bases científicas do trabalho do professor.
 
Os responsáveis diretos pela instrução pública, não esquecendo aqui a presença pessoal do Imperador, tinham o desafio de escolher os materiais de ensino que julgassem ser os mais apropriados, investir os recursos públicos na compra dos mesmos, distribuí-los para as escolas e ainda preparar os professores para a devida utilização. Por um lado, havia a difusão de objetos produzidos na Europa e nos Estados Unidos e, por outro, estava em curso a invenção de aparelhos por educadores brasileiros. A tática desenvolvida por estes educadores foi fazer conferências de divulgação de seus inventos e também a doação de alguns exemplos para as escolas públicas, esperando que o governo comprasse os mesmo com os recursos públicos. Assim, esta posta uma questão de avaliação desse material e de sua pertinência aos objetivos propostos. Seriam os aparelhos inventados por educadores brasileiros melhores do que aqueles desenvolvidos por educadores estrangeiros?
 
Ao estudar o problema definido para conduzir a escrita desta história foi possível constatar a existência de relações estabelecidas entre administradores da instrução pública e alguns educadores envolvidos na produção de aparelhos inventados para tornar mais científico o ensino primário da Matemática das últimas décadas do século XIX. Em outras palavras, a difusão da materialidade dos objetos prescritos para o ensino primário da Matemática foi pontuada por um tripé, envolvendo a iniciativa de educadores e empreendedores brasileiros que se emprenham da produção desses materiais, do poder público que estava diante do desafio de adquirir os objetos e difundi-los para as escolas públicas e fontes internacionais de referências que também se empenham na difusão comerciais de suas patentes. Uma verdadeira rede de apropriações envolve o problema da concepção, produção e difusão de aparelhos tecnológicos prescritos para o ensino escolar de outros tempos. Não estaríamos revivendo esta cena histórica com a atual inserção do uso de computadores e seus apetrechos nas escolas públicas do Brasil?
 
Referências
 
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