Desafios da Educação Contemporânea
Luiz Carlos País
Luiz Carlos País
Resumo: Este ensaio propõe uma reflexão sobre as potencialidades e os desafios do uso qualitativo dos recursos digitais na educação. A importância do tema justifica-se pela necessidade de considerar a escola como uma instituição particularmente envolvida nas múltiplas relações da atual sociedade tecnológica da informação. Não se pode perder de vista que como outros agenciamentos sociais, a escola também está ameaçada pelo desvairado fluxo consumista do capitalismo transnacional. Sedutoras máquinas digitais estão cada vez mais presentes nas diversas instituições sociais, servindo aos mais variados propósitos, dos mais ingênuos e conservadores às mais inovadoras e inconfessáveis estratégias. A principal ameaça social consiste em se perder nesse estado nebuloso e não conseguir perceber o que de fato pode ser alterado nas práticas escolares e em favor de quem. Não há como negar que novas máquinas mais abstratas do que concretas estão ostensivamente presentes nas diversas atividades humanas. O trabalho do professor não está isento desse contágio próprio do tempo considerado. Mas cumpre lembrar que das mais nobres funções às mais pervertidas finalidades, quase sempre é possível identificar o uso de alguma tecnologia, muito antes de inventar o primeiro dos dispositivos digitais. Por esse motivo, é impossível determinar se uma tecnologia seja boa ou ruim em si mesma, pois toda prática educativa tem uma dimensão ética e política.
Palavras-Chave: Tecnologias na educação. Educação e Tecnologia. Recursos didáticos. Educação Escolar.
Considerações iniciais
O professor empenhado em vivenciar sua prática cotidiana em sintonia com os desafios da sociedade na qual está inserido deve indagar sobre as possíveis implicações do uso das tecnologias digitais nas atividades escolares. Antes de tudo, fazer essa indagação para si mesmo, no foro íntimo da consciência e não cumprir mandatos idealizados pelos escalões burocráticos distantes da sala de aula. Essa posição inicial consiste em defender que qualquer possibilidade de mudança na escola passa pelo respeito à produção docente que acontece na realidade da sala de aula, em função de sua formação, das suas condições físicas e emocionais de trabalho e de seu engajamento. Além disso, cumpre ressaltar que não há possibilidade alguma de existir um modelo único de ação e muito menos quando idealizado no plano abstrato dos gabinetes partidários.
Não se trata de reduzir a importância das políticas públicas para orientar os rumos da educação escolar mais compatível com os desafios da sociedade contemporânea. De forma análoga, as práticas docentes ocorrem no ambiente vivo de uma instituição social não isolada de vários outros agenciamentos. Mas não se deve mais acreditar nos tempos em que a sala de aula era usada apenas como lócus de replicação de interesses políticos.
Não compete ao professor de sala de aula definir orientações ou políticas públicas e não deveriam chegar à realidade escolar os atuais discursos tão confusos de consultores externos e palacianos. Assim, para tratar dos desafios da inserção dos recursos digitais na prática educacional, a questão definida neste ensaio consiste em admitir a precedência do seguinte postulado: saberes, tecnologias e técnicas formam um triedro fundamental que permanece abstrato e geral, enquanto não for claramente projetado num ambiente social e explicitadas as condições de apropriação docente e de seu funcionamento na interface de ações pessoais e práticas coletivas.
Este pressuposto contribui na tarefa de explorar o que é possível fazer com as sedutoras máquinas digitais, cuja potencialidade nem sempre é tão fácil de desvelar no domínio das práticas formais da educação escolar. Em outros termos, sempre há o desafio para o usuário iniciante, reforçando a importância do trabalho docente no sentido de atualizar a virtualidade contida nos novos acervos diversificados para a construção de conhecimento. Neste quadro de desafios existe um grande número de questões referentes ao uso didático das tecnologias digitais na educação escolar.
O tratamento dessas questões passa por questões para as quais não se tem ainda soluções estáveis e formuladas com razoável clareza. Em primeiro lugar, continuam muito turvas as águas dos cursos de Educação à Distância. Em certos casos, esse tipo de formação tem contribuído para minimizar o antigo mito do diploma superior, mas, em grande parte apenas para os cursos mais populares e não destinados às elites sociais.
A qualidade dos estudos realizados depende do nível de engajamento do estudante, tal como acontece nos cursos presenciais, mas com a vantagem de estender de modo significativo o espectro de abrangência geográfica, envolvendo um número muito maior de pessoas que podem fazer os cursos. Mas, é necessário indagar pelos cursos superiores que não estão sendo realizados com base nesse modelo de aulas à distância.
Por que as corporações profissionais ainda impedem a existência de vários cursos dessa natureza? Por que grande parte dos referidos cursos pertencem à área de educação? Para a formação de professores houve um avanço considerável, mas para várias outras áreas, quase não se fala na possibilidade de ministrar nem mesmo uma parte da formação através desse modelo de ensino. Finalmente, nesse caso específico, permanece em aberto a questão de refletir em favor de quais agenciamentos sociais este modelo de formação tem mais favorecido, pois toda tecnologia permanece estéril enquanto não forem esclarecidos os interesses subjacentes
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Embora a questão acima esteja mais relacionada às políticas públicas para o ensino superior, há questões mais específicas, no nível didático, que merecem uma atenção mais pontual. Este é o caso da análise de softwares educativos, que abre um amplo leque de possibilidades. Nesse caso, tal como acontece com os cursos à distância, o senso educacional exige uma postura de constante vigilância para indagar pelos interesses que levam a produção desse tipo de material, cuja difusão pode estar temperada na voracidade dos fluxos enfurecidos do capitalismo de consumo. Assim, o trabalho do educador torna-se ainda mais difícil, pois ao avaliar um curso oferecido à distância, analisar um software educacional ou qualquer outro suporte digital, deve-se manter um constante estado de vigilância epistemológica e política.
Quais são os efetivos interesses econômicos e políticos subjacentes ao amplo projeto de informatização da escola pública inovadora? Em que sentido o uso acentuado das mídias digitalizadas não estão tentando, na atualidade, refazer o papel dos primeiros Grupos Escolares, vendidos pelos republicanos absolutistas como instituições capazes de resgatar o abandono da educação pública? Podem as máquinas digitais suprir a ausência de decisão política para concessão das verbas para a federalização da educação de base?
Além dessa vertente de reflexão, visando não reviver os mesmos equívocos educacionais da República Velha, é preciso avançar na análise das questões didáticas do universo micro das disciplinas escolares. Em que pode os novos recursos digitais podem contribuir para o estudo mais significativo da educação artística ou matemática? Além de tratar desse nível refinado de questões afetas à especificidade de cada matéria, está posto nos dias atuais, à luz do dia, a questão da transfiguração das disciplinas , com uma pretensa postura inovadora, talvez mais ingênua do que a escola nova.
Assim, a confluência de saberes, tecnologias e técnicas, mesmo colorida com as luzes digitais, continua estéril, enquanto os professores não estiverem plenamente convictos do avanço social possível em explorá-las. Se apropriar das efetivas condições de funcionamento dessas máquinas mais abstratas do que concretas é condição precedente para os projetos educacionais avançarem, na interface de ações pessoais do professor e das práticas coletivas de sua categoria profissional. Nenhuma proposta oriunda dos gabinetes governamentais poderá substituir a produção docente. Essa é a condição precedente. Temos apenas a intuição de que a inserção do uso dos recursos tecnológicos digitais na educação escolar proporciona alterações nas condições potenciais de ensino e de aprendizagem, mas a atualização dessa potencialidade passa pelo trabalho docente.
Alterações no sistema didático
Ao que tudo indica, o uso das tecnologias da informática na escola pode alterar as práticas mais tradicionais, no que se refere à redefinição do sistema didático. Isso traz implicações diretas para a formação inicial de professores ou continuada. Assim, entre as várias questões mencionadas, destacam-se as componentes didáticas e de formação docente, que devem preceder qualquer esboço de políticas públicas para a educação. São condições nem sempre tratadas com clareza suficiente. Grande parte dos cursos de licenciatura não está atenta a essa condição. Práticas universitárias mais conservadoras, vivenciadas durante os anos de formação inicial acabam servindo de referência metodológica nem sempre compatível com o uso dos novos recursos digitais que podem ser usados na escola.
Uma intenção latente à redação deste texto é também despertar o interesse do leitor para participar da reflexão, incorporando a ela aspectos de sua própria área de atuação, sem se deixar envolver por discursos nebulosos e externos à sala de aula. Por esse caminho, apesar das tantas estratégias discursivas protocoladas nos gabinetes políticos, trata-se de valorizar as especificidades pertinentes às diferentes disciplinas escolares, evitando generalizações apressadas e a partir da efetiva realidade na qual o professor está inserido. Para persistir nessa linha, algumas são levantadas sem a pretensão de ditar respostas lineares e reduzir a complexidade do assunto.
Antes de tudo é preciso enfatizar que a disponibilidade física dos recursos tecnológicos, no meio escolar, por si mesma, não traz nenhuma garantia de ocorrer transformações significativas na educação. Todo entendimento nesse sentido deve ser corrigido, para não reduzir a importância do trabalho docente. O respeito à produção docente é ponto de partida. A história da educação registra o equívoco representado pelo movimento tecnicista, quando se pensou que a técnica pudesse, por si mesma, promover mudanças significativas na escola. Essa observação reforça a conveniência de falar apenas em termos de possibilidade de expansão das condições educacionais, evitando afirmações que possam induzir um sentido categórico de mudanças.
Ainda permanece a mesma ameaça da velha concepção tecnicista, em vários discursos atuais e nebulosos sobre a inserção do computador na sala de aula. Políticos educacionais, consultores palacianos, jornalistas e até estrelas da televisão querem dizem ao professor o que ele deve fazer. Nesse aspecto, permanecem as estratégias absolutistas do passado, quando era rotina estampar nos discursos oficiais adjetivos depreciativos contra o professor. Há uma enorme distância entre esse tipo de discurso e os obstáculos a serem superados na construção de referencias compatíveis com a natureza dos atuais recursos digitais e com as novas condições da educação contemporânea. Nesse sentido, enquanto o ofício docente não for dignificado, deve-se falar apenas em termos de potencialidade educacional. Mesmo assim, é um primeiro passo tratar das possibilidades de uso dos recursos tecnológicos na educação, como está em curso em diferentes outros setores da sociedade.
Conceitos e reflexões
Ilusão seria embarcar nessa antiga ideia de que essa escola possa ser uma espécie de instituição milagrosa para resolver todas as questões da sociedade contemporânea. Quando não se tem ainda nem mesmo a garantia de um piso salarial para todos os professores da educação nacional é quase um delírio acreditar que as máquinas eletrônicas possam fazer alguma revolução. Em favor de quem? A velha tarasca continua rondando as portas da escola e, agora, disfarçada na pele sedutora das máquinas digitais do atual consumismo desvairado. É um desafio social porque é cada vez maior a exigência de novas competências para inserir-se na sociedade das tecnologias da informação. A escola pública e construída pelos professores em sala de aula não pode pagar mais nenhum tributo. Assim, compete indagar em favor de quem a inserção mais qualitativa das mídias digitais na escola contemporânea pode funcionar.
A virtualidade é uma noção adequada para expressar a potencialidade do uso educacional dos recursos digitais e, por conseguinte, permite uma forma de compreender os desafios para a superação das condições de sua atualização. Esta atualização ocorre através de resultados perceptíveis no aqui e agora. O virtual qualifica o que está predeterminado a acontecer, pode acontecer, mas permanece em estado de latência, traz em sua essência condições para se realizar, mas não há como falar em termos de garantia de que as coisas funcionarão como poderia funcionar.
Por esse motivo, há muito mais dúvidas do que certezas no que pode acontecer como resultado ao final de um curso de educação à distância ou no uso de qualquer outro recurso digital. Isso reforça o entendimento de que o triedro formado pelos saberes, tecnologias e técnicas, somente revelará sua potencialidade ao ser projetado numa realidade compartilhada pelo principal protagonista da educação escolar que é o professor.
Mesmo assim, não se trata de pensar apenas em ações individuais, mas inserir as pretendidas mudanças nas práticas coletivas mais amplas. Por esse motivo, a virtualidade contida nos novos recursos digitais da educação traz desafios nem sempre perceptíveis na exterioridade das luzes. Não se pode falar em termos de garantia e esta incerteza tem predominado em experiências patrocinadas pelos interesses do consumismo do capitalista contemporâneo.
Para explorar a potencialidade dos sedutores objetos digitais de desejo, no campo da educação, o desafio é favorecer uma interatividade do usuário com os registros do passado, visando passar do estado de latência para os acontecimentos da atualidade. De maneira geral, o virtual está disponível e pronto para ser atualizado, pois traz em sua essência condições para isso, entretanto, é uma disponibilidade desafiadora.
Tem todo o potencial necessário para viabilizar a passagem para o atual e o desafio para isso acontecer é a criatividade exigida dos seus usuários. Essa é a direção sinalizada para a educação da era tecnológica da informática. Entretanto, especificamente sobre a atualização não se tem controle absoluto dos resultados. Caso isso fosse possível, deixaria de ser uma situação virtual e passaria a ser um projeto pertencente ao pólo das possibilidades. Todo projeto latente no plano das idéias traz em sua concepção o exercício da criatividade, restando sua execução. A ausência de controle na atualização do virtual deve-se à necessidade do ato criativo. Em outros termos, a noção de virtualidade lembra algo em estado de devir e essa característica está contida na raiz etimológica do termo, o qual não tem quase nenhuma proximidade com o sentido ilusório que predomina no senso comum.
Com os destaques acima, como o leitor deve ter percebido, a intenção consiste em provocar uma abordagem conceitual das questões que dizem respeito ao uso das tecnologias midiáticas nas práticas escolares. Essa é uma opção adotada no sentido de priorizar, sempre quando possível, o constante exercício da leitura e da escrita, interligando essas práticas com o uso da informática. Não se trata de acreditar em livros sem palavras ou apenas em painéis coloridos nas telas de computadores e celulares. O conceito está sempre disponível para expandir ou encolher o seu grau de generalidade e de abstração, se afastando do campo restrito das opiniões subjetivas delirantes, particulares e muitas vezes ventiladas em nome do consumismo atual.
A valorização da abordagem conceitual se faz com a enumeração de casos singulares para exemplificar a generalização pretendida. Não se trata de defender nenhum tipo de isolamento nos aspectos teóricos nem se perder no plano imediato do cotidiano, onde as palavras nem sempre têm a estabilidade pretendida pela ciência. Destaca-se essa questão porque vários conceitos circulantes no debate atual do uso da informática na educação se encontram em processo de consolidação. Mesmo que alguns termos sejam polissêmicos, quase sempre predomina uma visão desvirtuada, isto é, longe da virtualidade contida no núcleo rígido da essência.
É com essa crença dialogada que se deve tratar dos limites potenciais e das tantas limitações relacionados ao uso educacional da tecnologia digital através de noções que se encontram em fase de objetivação e recebendo influências de vários saberes disciplinares. A finalidade em adotar essa abordagem é contribuir para a redefinição de práticas educativas à luz de uma referência teórica, tentando fugir das garras afiadas da opinião e do empirismo desvairado. Com isso, fica revelada ainda outra intenção desse trabalho que é contribuir com o professor que deseja continuar com a realização de estudos dessa natureza, voltados para a pesquisa educacional.
Saberes e digitalização
A partir dessa abordagem conceitual, a digitalização é destacada como uma noção que permeia vários outros conceitos associados ao tema tratado neste ensaio. Trata-se de uma técnica de registro e de tratamento de informações através de uma seqüência lógica de dígitos, tendo como suporte o sistema binário de numeração e os recursos disponibilizados pela informática. Esta técnica conduz uma expressiva parte das relações que regem a atual sociedade e certamente a educação escolar não está excluída desse contexto.
Diversas informações são ampliadas, transformadas e veiculadas por meio dessa técnica. Obras de arte, textos, sons e movimentos são transformados em seqüências de dígitos, revelando uma forma mais segura de gerar, transportar e preservar a produção cultural da humanidade. Tonalidades de cores podem ser convertidas em sequências de números. Seria uma nova investida da matemática sobre outras formas de conhecimentos?
Digitalizar uma produção cultural qualquer consiste em transformá-la numa extensa lista de sinais alternados de “zero” e “um”, simbolizando a ausência ou a passagem de corrente elétrica numa linguagem compreensível pelos vários tipos de máquinas eletrônicas da atualidade. Felizmente, essa transformação é feita mecanicamente por programas especializados concebidos com a mais antiga e potente lógica dual. Essa é a grande diferença entre digitalizar ou datilografar um texto. Atrás da exterioridade da técnica está embutida a mais sofisticada tecnologia, cuja validade fundamenta-se em saberes científicos.
Do ponto de vista educacional, há diferentes maneiras das pessoas usarem e se apropriarem dessa técnica desenvolvida a partir da invenção dos primeiros computadores e acessórios conexos. Portanto, antes de considerar a potência de uma técnica, sem perder de vista as tecnologias e os saberes associados, é preciso lembrar que tudo funciona em constante embate de um determinado agenciamento. O produto em si continua inócuo, enquanto, como educadores, não o usarmos em sintonia com a realidade de uma comunidade social. A facilidade de manipulação e a eficiência possibilitada pela técnica da digitalização, por exemplo, trazem transformações significativas em diferentes setores da vida social, incluindo trabalho, comunicação, cultura, lazer, ciência e particularmente para a educação escolar. Nesse sentido, o uso dos diversos dispositivos das mídias digitais tende a ser uma das grandes características da atualidade, tal como foi a imprensa que revolucionou a comunicação. Assim, como está proposto neste texto com do postulado do triedro fundamental que envolve saberes, técnicas e tecnologias.
Essa tentativa é feita com exemplos que destacam implicações da utilização das sedutoras máquinas digitais no trabalho docente, com resultados diretos para as atividades propostas aos alunos e, quase sempre, mediados por discursos nebulosos dos burocratas do setor. Se a sociedade vivencia mudanças significativas na organização geral da vida cotidiana, a escola não poder estar à margem desse processo evolutivo. Para refletir sobre esse desafio, é conveniente constatar que o contexto no qual a escola se insere está pulverizado por inovações tecnológicas, emergentes da sociedade da informação, oferecendo novas oportunidades de acesso de informações e, ao mesmo tempo, cobrando novas competências, sem o domínio das quais a conquista da cidadania fica cada vez mais distante.
Competências e tecnologias
Para tratar das potencialidades e dos desafios do uso das tecnologias digitais na educação, parece ser prioritário destacar a necessidade de refletir a propósito das chamadas novas competências exigidas e favorecidas pela sociedade da informação. Em outros termos, para focalizar esse desafio da escola contemporânea é preciso concebê-la como puro agenciamento, com identidade própria, inserida numa rede de outras instituições, cujo protagonista principal é o professor que conduz as práticas escolares.
Tendo em vista que a prática docente está associada à natureza das ações realizadas pelos alunos, a ampliação das atividades didáticas através do uso das máquinas digitais deve considerar esses dois níveis de envolvimento direto através de práticas e atividades. Práticas docentes e atividades discentes podem ser redimensionadas pelo uso qualitativo dos novos suportes didáticos proporcionados pelas mídias digitais. Essa mudança sugere uma postura de envolvimento diferenciada por parte das pessoas envolvidas no sistema educacional e mais especificamente no sistema didático escolar. Uma postura de ações diretas e indiretas que certamente não se identifica ou que não deve ser confundida com as condições tradicionais mais passivas.
A formação das novas competências exigidas pela sociedade tecnológica envolve diretamente os principais atores da educação escolar. A formação do aluno passa a depender da efetiva disponibilidade de espírito do professor de se engajar na redefinição de sua própria prática. Mas esse não é um processo automático e vivenciado apenas em cursos de treinamento. Envolve superação de práticas e culturas enraizadas que podem ser alteradas, pouco a pouco, com a incorporação dos recursos presentes na sociedade. Está em curso uma dinâmica de autoformação profissional. Para isso, é preciso que a iniciativa de cada um seja exercida em sintonia com a capacidade de participar ativamente em propostas de trabalho coletivo.
As estratégias para a superação dos novos desafios são construídas então em sintonia, por exemplo, com a redefinição das diretrizes para a formação de professores, cuja dinâmica se volta para a tendência de virtualização das instituições formadoras. Os professores, organizados em agenciamentos não contaminados por discursos burocráticos deverão se empenhar no processo de sua qualificação, contra a prevalência absoluta da atual lógica de mercado.
Nesse sentido, a rede mundial de computadores, as listas de discussões, a educação à distância e as trocas de experiências são meios de engajamento no processo de formação do professor. Por vários elementos existentes na educação percebe-se que a avaliação do trabalho docente passa a ser uma palavra de ordem. Esta tendência exige um envolvimento diferenciado por partes dos próprios educadores no sentido de valorizar iniciativas inovadoras e que contribuam com a dinâmica de formação, sem que possa predominar ordem ditadas por consultorias externas. É possível perceber certa expectativa docente quanto à vontade de usar os novos recursos da informática. Mas, essa expectativa pode transformar-se em sentimento de insegurança ou de resistência em alterar a prática de ensino. Nesse caso, tal como acontece em outros setores da sociedade, alguns se reservam o direito de se colocarem à margem das transformações induzidas pela tecnologia e certamente passam a ter menos condições de vivenciar a nova ordem profissional.
Por outro lado, grande parte dos professores percebe a necessidade de aprimorar suas estratégias didáticas através da exploração dos recursos computacionais. Mesmo com as dificuldades relativas à formação, percebe-se a existência de uma consciência voltada para busca de propostas que possam atender a problemas lançados pela sociedade da informação. Essa expectativa nasce na prática e se desenvolve a partir da intenção de participar de uma educação compatível com a atualidade. Esse sentimento pode ser identificado pela procura, que normalmente ocorre, em palestras voltadas para a temática, por ocasião da realização dos congressos educacionais.
Interatividade e tecnologias
Entre as novas competências exigidas pela sociedade da informação está o uso da Internet que é uma das mais importantes criações dos últimos tempos para a melhoria dos sistemas de informação e de comunicação. Um resultado direto é a possibilidade de ampliar os modos de aprender. Uma das vantagens de uso da rede é o aumento da interatividade, quando o usuário encontra-se diante do computador. Associada à possibilidade de realizar simulações digitais através de programas específicos, a interatividade se constitui como umas das componentes da cognição. Mesmo que essa interatividade nem sempre envolva interlocutores humanos, trata-se de uma característica ampliadora das condições de aprendizagem. Dessa forma, em conexão com outras interfaces, a rede expande as condições iniciais de elaboração do conhecimento.
Seria temerário não acreditar que o avanço tecnológico proporcionado pelas máquinas digitais, de fato, podem favorecer a expansão das condições de elaboração do conhecimento. Como acontece com várias outras tecnologias, a técnica da digitalização implica na melhoria das condições de apropriação de saberes virtualizados. Entretanto, a atualização do virtual depende da maneira como o usuário interage com as informações contidas no suporte utilizado. Por ser essa uma questão nova, no sentido da ampliação considerável das condições tecnológicas, tudo indica que quanto mais interativa e qualitativa for esta relação maior será o significado do conhecimento construído. Esta é uma das razões pelas quais a análise da interatividade parece ser um ponto crucial, um conceito de interesse pedagógico, diante da inserção crescente das mídias digitalizadas nas práticas escolares.
Analisada e discutida na interface de diferentes áreas de conhecimento, envolvendo aspectos educacionais, psicológicos, linguísticos, de comunicação, sem falar do nível mais refinado de questões didáticas pertinentes a um campo disciplinar específico, tal como o que é próprio das artes, das ciências ou das filosofias. Para que um dos citados dispositivos digitais possa favorecer uma apropriação mais significativa de informações digitalizadas, ao que tudo indica, é preciso intensificar a dimensão da interatividade entre o usuário.
A forma linear de apresentação dos textos mais tradicionais, concebida na ordem sequencial, hierarquizada e capitular, não é suficiente para explorar as alternativas de aprendizagem que os dispositivos computacionais oferecem. Nem tudo funciona com base na ordem cartesiana e a antiga árvore do conhecimento, tantas vezes questionada, foi até mesmo ameaçada pelos entrelaçados rizomas criados pelo sonho da pós-modernidade. Com isso, alguns discursos facilitadores acreditam que não é mais preciso se apropriar da centenária cultura virtualizada nas páginas dos livros.
É preciso valorizar e explorar cada vez mais programas criados a partir de uma dinâmica hipertextual, caracterizada pela existência de várias opções representadas por nós e links. O usuário é levado a percorrer caminhos múltiplos por sua livre iniciativa e autonomia. Essas habilidades, propiciadas e exigidas pelos recursos digitais, sinalizam novos objetivos a serem alcançados na prática educativa. Entretanto é preciso precaver-se contra as ciladas das estratégias vendadas pelo atual consumismo desvairado. De modo algum os hipertextos negam ou reduzem a importância da lógica disciplinar, científica e linear. A lógica não linear, visível na exterioridade de um hipertexto, passa a ser valorizada tal como continuam válidos os modelos lineares. Não se pode pensar que o hipertexto não tenha linearidade. Sua produção é concebida a partir de um algoritmo e de um raciocínio fundamentado na mais estrita lógica sequencial. Tais programas são inovadores por conciliarem uma lógica sequencial com uma aparente ausência de ordem que transparece na exterioridade seguida pelo usuário.
Essas observações reforçam a hipótese de que a utilização dos recursos digitais condiciona situações favoráveis à formação de competências exigidas pela era tecnológica. Mas, em contra partida, é ilusório pensar somente nesse aspecto e esquecer os desafios que alteram as condições do trabalho docente e das atividades realizadas pelos alunos nos diversos níveis educacionais. Para aprimorar essa hipótese, todo esforço merece ser vivenciado no sentido de se apropriar de conceitos pedagógicos inovadores influenciados pelo uso dos recursos digitais na educação. Entretanto, isso não pode ser confundido com uma possível escola inovadora cuja lógica parecer retroceder aos mesmos equívocos do início do século XX, quando educadores sonharam com uma instituição nova, como se pudesse ser redentora dos males sociais.
A projeção dessa hipótese na prática escolar pode influenciar a criação de referências teóricas compatíveis, além de ampliar a função das fontes de informação na aprendizagem e favorecer uma redefinição de valores, métodos e conteúdos, abrindo espaço para uma ampliação das formas tradicionais de aprender e de ensinar. Por esse motivo, a inserção da informática na educação situa-se no território destacado pela confluência de constantes transformações tecnológicas e de novas condições de apropriação de conhecimentos.
O grande risco desse novo tempo educacional continua sendo a prevalência quase absoluta das perversas regras de mercado e de políticas públicas que atuam nessa mesma direção. Alguns elementos dessa confluência desafiante são resumidos pelo postulado fundamental apresentado no início deste texto e que deve ser exaustivamente lembrado. Saberes, tecnologias e técnicas, por mais reluzentes que possam parecer não resolvem problema algum, antes de funcionar em favor da comunidade efetivamente vivenciada pelas pessoas. Enganam profundamente quem pensa em ditar modelos a serem seguidas por professores que atuam no espaço precedente que é a sala de aula.
Produção de conhecimentos
Uma questão relevante sobre o uso de recursos tecnológicos na educação consiste em considerar do ponto de vista escolar as dificuldades próprias à produção de conhecimento a partir de dados e informações cada vez mais disponíveis nas redes mundiais de comunicação. Na realidade, esta é uma questão fundamental e merecedora de sucessivos retornos. A produção de conhecimento ocorre a partir de informações. Mas o produto elaborado não deve ser confundido com se fosse uma colagem de dados.
Como ocorre na autopoiesis, a elaboração do conhecimento não resulta de nenhuma geração espontânea. Todo conhecimento singular ou coletivo tem história e precedência. Nesse aspecto, a inserção das tecnologias digitais nas práticas escolares não altera muito, no sentido de não dispensar o necessário envolvimento do sujeito na aquisição do conhecimento. A alteração mais significativa é a quantidade de informações disponíveis explorar saberes que se encontram digitalizados e a superação de barreiras geográficas ou físicas para obtê-las. Mas, o avanço requer cautela porque seria temerário pensar que o mundo coubesse num chip de computador.
O estudo de questões específicas pertinentes à educação matemática, por exemplo, leva a analisar implicações potenciais do uso qualitativo de recursos tecnológicos digitais no fenômeno cognitivo. Trata-se de considerar o nível nem sempre aparente das especificidades disciplinares. Qualquer generalização nesse sentido é uma atitude arriscada. Dois polos extremos sobressaem. Alguns se enveredam por discursos apaixonados como se as sedutoras máquinas digitais resolvessem quase todos os problemas da educação. No outro extremo está a visão radical que os referidos recursos nada podem alterar na produção de novos saberes e conhecimentos escolares.
A posição mais sensata parece ser a virtude mediana, evitando discursos generalistas ou um olhar muito pontual. Em torno dessa questão, está em processo de pesquisa o desafio de entender em que sentido a aprendizagem específica da matemática pode acompanhar o ciclo evolutivo das criações tecnológicas. Com esse caso é possível lembrar que um dos desafios atuais consiste em entremear aspectos gerais de todas as disciplinas com questões mais específicas de cada área de conhecimento. Isso somente poderá ser feito com envolvimento dos professores, sem negar a importância dialógica da transdisciplinaridade, do coletivo e do social.
Referências expressivas no campo da educação defendem o pressuposto de que é conveniente diferenciar dois níveis de abrangência das questões escolares. O nível pedagógico diz respeito ao que existe de comum em todas as disciplinas, enquanto o aspecto didático qualifica aspectos específicos de uma matéria. Essa diferenciação permite melhor considerar as constantes relações entre as bases específicas de um saber científico com certo grau de generalidade envolvendo os trabalhos escolares. Permite ainda minimizar o risco de fazer generalizações precipitadas, quando se trata de discutir a inserção crescente no uso das tecnologias digitais na escola.
Ao estudar os desafios da inserção qualitativa das mídias interativas nas práticas educativas escolares o professor é levado a identificar possíveis pontos de alterações na forma de conduzir os métodos de ensino. Um dos aspectos mais interessantes, por exemplo, consiste em destacar como pode o professor explorar os recursos tecnológicos no sentido de levar o aluno a se engajar efetivamente no estudo das matérias escolares. Entretanto, essa consideração faz sentido somente quando for preservado o atual modelo disciplinar que tem predominado no sistema educacional.
Mesmo que surjam outros formatos curriculares de natureza não disciplinar, talvez seja prudente, do ponto de vista educacional, pensar no que diferencia ou pode diferenciar a produção de uma obra de arte, teorema ou outro modelo científico. Em todo caso, é conveniente pensar na saudável prática docente de levar o aluno a tomar para si o compromisso de participar da elaboração de conhecimentos, de se engajar numa dinâmica muito mais qualitativa diferente daquelas do cotidiano não escolar.
Tempo de síntese
A possível inserção do uso de recursos digitais nas práticas educativas escolares oportuniza um retorno a uma antiga questão que permanece atual, as relações entre espaço e tempo. Por mais abstrato que esse tema possa parecer, é conveniente tratar dele, quando se pretende atuar numa escola em sintonia com os desafios atuais, balizada pelas exigências de um futuro melhor e sem perder de vista as lições da história. Em particular, quando se trata da escola empenhada na preparação para o trabalho, o desafio está em balizar como serão as condições e exigências de um jovem que entrará na disputa de mercado dentro dos próximos anos.
O senso educacional leva a reconhecer que há um bom nível de dúvidas contemporâneas que podem motivar novos estudos e pesquisas. Isso é bom e pode motivar a continuidade de autoformação docente, resultando inclusive na realização de algum curso de pós-graduação. O primeiro passo consiste em ter disponibilidade de espírito para expandir a própria consciência e ter liberdade para criar e resolver questões significativas no campo próprio das práticas e dos saberes docentes. Se por um lado não é possível se libertar do dualismo, ao menos, este texto propôs um triedro para começo de conversa: técnicas, tecnologias e saberes podem ter o significado expandido caso for considerada a realidade educacional na qual o educador está inserido. Mas, caso a proposta tenha causado incômodo ou tenha pecado pela contradição poderá servir de linha de conexão para outras reflexões e ações.
Referências
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Considerações iniciais
O professor empenhado em vivenciar sua prática cotidiana em sintonia com os desafios da sociedade na qual está inserido deve indagar sobre as possíveis implicações do uso das tecnologias digitais nas atividades escolares. Antes de tudo, fazer essa indagação para si mesmo, no foro íntimo da consciência e não cumprir mandatos idealizados pelos escalões burocráticos distantes da sala de aula. Essa posição inicial consiste em defender que qualquer possibilidade de mudança na escola passa pelo respeito à produção docente que acontece na realidade da sala de aula, em função de sua formação, das suas condições físicas e emocionais de trabalho e de seu engajamento. Além disso, cumpre ressaltar que não há possibilidade alguma de existir um modelo único de ação e muito menos quando idealizado no plano abstrato dos gabinetes partidários.
Não se trata de reduzir a importância das políticas públicas para orientar os rumos da educação escolar mais compatível com os desafios da sociedade contemporânea. De forma análoga, as práticas docentes ocorrem no ambiente vivo de uma instituição social não isolada de vários outros agenciamentos. Mas não se deve mais acreditar nos tempos em que a sala de aula era usada apenas como lócus de replicação de interesses políticos.
Não compete ao professor de sala de aula definir orientações ou políticas públicas e não deveriam chegar à realidade escolar os atuais discursos tão confusos de consultores externos e palacianos. Assim, para tratar dos desafios da inserção dos recursos digitais na prática educacional, a questão definida neste ensaio consiste em admitir a precedência do seguinte postulado: saberes, tecnologias e técnicas formam um triedro fundamental que permanece abstrato e geral, enquanto não for claramente projetado num ambiente social e explicitadas as condições de apropriação docente e de seu funcionamento na interface de ações pessoais e práticas coletivas.
Este pressuposto contribui na tarefa de explorar o que é possível fazer com as sedutoras máquinas digitais, cuja potencialidade nem sempre é tão fácil de desvelar no domínio das práticas formais da educação escolar. Em outros termos, sempre há o desafio para o usuário iniciante, reforçando a importância do trabalho docente no sentido de atualizar a virtualidade contida nos novos acervos diversificados para a construção de conhecimento. Neste quadro de desafios existe um grande número de questões referentes ao uso didático das tecnologias digitais na educação escolar.
O tratamento dessas questões passa por questões para as quais não se tem ainda soluções estáveis e formuladas com razoável clareza. Em primeiro lugar, continuam muito turvas as águas dos cursos de Educação à Distância. Em certos casos, esse tipo de formação tem contribuído para minimizar o antigo mito do diploma superior, mas, em grande parte apenas para os cursos mais populares e não destinados às elites sociais.
A qualidade dos estudos realizados depende do nível de engajamento do estudante, tal como acontece nos cursos presenciais, mas com a vantagem de estender de modo significativo o espectro de abrangência geográfica, envolvendo um número muito maior de pessoas que podem fazer os cursos. Mas, é necessário indagar pelos cursos superiores que não estão sendo realizados com base nesse modelo de aulas à distância.
Por que as corporações profissionais ainda impedem a existência de vários cursos dessa natureza? Por que grande parte dos referidos cursos pertencem à área de educação? Para a formação de professores houve um avanço considerável, mas para várias outras áreas, quase não se fala na possibilidade de ministrar nem mesmo uma parte da formação através desse modelo de ensino. Finalmente, nesse caso específico, permanece em aberto a questão de refletir em favor de quais agenciamentos sociais este modelo de formação tem mais favorecido, pois toda tecnologia permanece estéril enquanto não forem esclarecidos os interesses subjacentes
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Embora a questão acima esteja mais relacionada às políticas públicas para o ensino superior, há questões mais específicas, no nível didático, que merecem uma atenção mais pontual. Este é o caso da análise de softwares educativos, que abre um amplo leque de possibilidades. Nesse caso, tal como acontece com os cursos à distância, o senso educacional exige uma postura de constante vigilância para indagar pelos interesses que levam a produção desse tipo de material, cuja difusão pode estar temperada na voracidade dos fluxos enfurecidos do capitalismo de consumo. Assim, o trabalho do educador torna-se ainda mais difícil, pois ao avaliar um curso oferecido à distância, analisar um software educacional ou qualquer outro suporte digital, deve-se manter um constante estado de vigilância epistemológica e política.
Quais são os efetivos interesses econômicos e políticos subjacentes ao amplo projeto de informatização da escola pública inovadora? Em que sentido o uso acentuado das mídias digitalizadas não estão tentando, na atualidade, refazer o papel dos primeiros Grupos Escolares, vendidos pelos republicanos absolutistas como instituições capazes de resgatar o abandono da educação pública? Podem as máquinas digitais suprir a ausência de decisão política para concessão das verbas para a federalização da educação de base?
Além dessa vertente de reflexão, visando não reviver os mesmos equívocos educacionais da República Velha, é preciso avançar na análise das questões didáticas do universo micro das disciplinas escolares. Em que pode os novos recursos digitais podem contribuir para o estudo mais significativo da educação artística ou matemática? Além de tratar desse nível refinado de questões afetas à especificidade de cada matéria, está posto nos dias atuais, à luz do dia, a questão da transfiguração das disciplinas , com uma pretensa postura inovadora, talvez mais ingênua do que a escola nova.
Assim, a confluência de saberes, tecnologias e técnicas, mesmo colorida com as luzes digitais, continua estéril, enquanto os professores não estiverem plenamente convictos do avanço social possível em explorá-las. Se apropriar das efetivas condições de funcionamento dessas máquinas mais abstratas do que concretas é condição precedente para os projetos educacionais avançarem, na interface de ações pessoais do professor e das práticas coletivas de sua categoria profissional. Nenhuma proposta oriunda dos gabinetes governamentais poderá substituir a produção docente. Essa é a condição precedente. Temos apenas a intuição de que a inserção do uso dos recursos tecnológicos digitais na educação escolar proporciona alterações nas condições potenciais de ensino e de aprendizagem, mas a atualização dessa potencialidade passa pelo trabalho docente.
Alterações no sistema didático
Ao que tudo indica, o uso das tecnologias da informática na escola pode alterar as práticas mais tradicionais, no que se refere à redefinição do sistema didático. Isso traz implicações diretas para a formação inicial de professores ou continuada. Assim, entre as várias questões mencionadas, destacam-se as componentes didáticas e de formação docente, que devem preceder qualquer esboço de políticas públicas para a educação. São condições nem sempre tratadas com clareza suficiente. Grande parte dos cursos de licenciatura não está atenta a essa condição. Práticas universitárias mais conservadoras, vivenciadas durante os anos de formação inicial acabam servindo de referência metodológica nem sempre compatível com o uso dos novos recursos digitais que podem ser usados na escola.
Uma intenção latente à redação deste texto é também despertar o interesse do leitor para participar da reflexão, incorporando a ela aspectos de sua própria área de atuação, sem se deixar envolver por discursos nebulosos e externos à sala de aula. Por esse caminho, apesar das tantas estratégias discursivas protocoladas nos gabinetes políticos, trata-se de valorizar as especificidades pertinentes às diferentes disciplinas escolares, evitando generalizações apressadas e a partir da efetiva realidade na qual o professor está inserido. Para persistir nessa linha, algumas são levantadas sem a pretensão de ditar respostas lineares e reduzir a complexidade do assunto.
Antes de tudo é preciso enfatizar que a disponibilidade física dos recursos tecnológicos, no meio escolar, por si mesma, não traz nenhuma garantia de ocorrer transformações significativas na educação. Todo entendimento nesse sentido deve ser corrigido, para não reduzir a importância do trabalho docente. O respeito à produção docente é ponto de partida. A história da educação registra o equívoco representado pelo movimento tecnicista, quando se pensou que a técnica pudesse, por si mesma, promover mudanças significativas na escola. Essa observação reforça a conveniência de falar apenas em termos de possibilidade de expansão das condições educacionais, evitando afirmações que possam induzir um sentido categórico de mudanças.
Ainda permanece a mesma ameaça da velha concepção tecnicista, em vários discursos atuais e nebulosos sobre a inserção do computador na sala de aula. Políticos educacionais, consultores palacianos, jornalistas e até estrelas da televisão querem dizem ao professor o que ele deve fazer. Nesse aspecto, permanecem as estratégias absolutistas do passado, quando era rotina estampar nos discursos oficiais adjetivos depreciativos contra o professor. Há uma enorme distância entre esse tipo de discurso e os obstáculos a serem superados na construção de referencias compatíveis com a natureza dos atuais recursos digitais e com as novas condições da educação contemporânea. Nesse sentido, enquanto o ofício docente não for dignificado, deve-se falar apenas em termos de potencialidade educacional. Mesmo assim, é um primeiro passo tratar das possibilidades de uso dos recursos tecnológicos na educação, como está em curso em diferentes outros setores da sociedade.
Conceitos e reflexões
Ilusão seria embarcar nessa antiga ideia de que essa escola possa ser uma espécie de instituição milagrosa para resolver todas as questões da sociedade contemporânea. Quando não se tem ainda nem mesmo a garantia de um piso salarial para todos os professores da educação nacional é quase um delírio acreditar que as máquinas eletrônicas possam fazer alguma revolução. Em favor de quem? A velha tarasca continua rondando as portas da escola e, agora, disfarçada na pele sedutora das máquinas digitais do atual consumismo desvairado. É um desafio social porque é cada vez maior a exigência de novas competências para inserir-se na sociedade das tecnologias da informação. A escola pública e construída pelos professores em sala de aula não pode pagar mais nenhum tributo. Assim, compete indagar em favor de quem a inserção mais qualitativa das mídias digitais na escola contemporânea pode funcionar.
A virtualidade é uma noção adequada para expressar a potencialidade do uso educacional dos recursos digitais e, por conseguinte, permite uma forma de compreender os desafios para a superação das condições de sua atualização. Esta atualização ocorre através de resultados perceptíveis no aqui e agora. O virtual qualifica o que está predeterminado a acontecer, pode acontecer, mas permanece em estado de latência, traz em sua essência condições para se realizar, mas não há como falar em termos de garantia de que as coisas funcionarão como poderia funcionar.
Por esse motivo, há muito mais dúvidas do que certezas no que pode acontecer como resultado ao final de um curso de educação à distância ou no uso de qualquer outro recurso digital. Isso reforça o entendimento de que o triedro formado pelos saberes, tecnologias e técnicas, somente revelará sua potencialidade ao ser projetado numa realidade compartilhada pelo principal protagonista da educação escolar que é o professor.
Mesmo assim, não se trata de pensar apenas em ações individuais, mas inserir as pretendidas mudanças nas práticas coletivas mais amplas. Por esse motivo, a virtualidade contida nos novos recursos digitais da educação traz desafios nem sempre perceptíveis na exterioridade das luzes. Não se pode falar em termos de garantia e esta incerteza tem predominado em experiências patrocinadas pelos interesses do consumismo do capitalista contemporâneo.
Para explorar a potencialidade dos sedutores objetos digitais de desejo, no campo da educação, o desafio é favorecer uma interatividade do usuário com os registros do passado, visando passar do estado de latência para os acontecimentos da atualidade. De maneira geral, o virtual está disponível e pronto para ser atualizado, pois traz em sua essência condições para isso, entretanto, é uma disponibilidade desafiadora.
Tem todo o potencial necessário para viabilizar a passagem para o atual e o desafio para isso acontecer é a criatividade exigida dos seus usuários. Essa é a direção sinalizada para a educação da era tecnológica da informática. Entretanto, especificamente sobre a atualização não se tem controle absoluto dos resultados. Caso isso fosse possível, deixaria de ser uma situação virtual e passaria a ser um projeto pertencente ao pólo das possibilidades. Todo projeto latente no plano das idéias traz em sua concepção o exercício da criatividade, restando sua execução. A ausência de controle na atualização do virtual deve-se à necessidade do ato criativo. Em outros termos, a noção de virtualidade lembra algo em estado de devir e essa característica está contida na raiz etimológica do termo, o qual não tem quase nenhuma proximidade com o sentido ilusório que predomina no senso comum.
Com os destaques acima, como o leitor deve ter percebido, a intenção consiste em provocar uma abordagem conceitual das questões que dizem respeito ao uso das tecnologias midiáticas nas práticas escolares. Essa é uma opção adotada no sentido de priorizar, sempre quando possível, o constante exercício da leitura e da escrita, interligando essas práticas com o uso da informática. Não se trata de acreditar em livros sem palavras ou apenas em painéis coloridos nas telas de computadores e celulares. O conceito está sempre disponível para expandir ou encolher o seu grau de generalidade e de abstração, se afastando do campo restrito das opiniões subjetivas delirantes, particulares e muitas vezes ventiladas em nome do consumismo atual.
A valorização da abordagem conceitual se faz com a enumeração de casos singulares para exemplificar a generalização pretendida. Não se trata de defender nenhum tipo de isolamento nos aspectos teóricos nem se perder no plano imediato do cotidiano, onde as palavras nem sempre têm a estabilidade pretendida pela ciência. Destaca-se essa questão porque vários conceitos circulantes no debate atual do uso da informática na educação se encontram em processo de consolidação. Mesmo que alguns termos sejam polissêmicos, quase sempre predomina uma visão desvirtuada, isto é, longe da virtualidade contida no núcleo rígido da essência.
É com essa crença dialogada que se deve tratar dos limites potenciais e das tantas limitações relacionados ao uso educacional da tecnologia digital através de noções que se encontram em fase de objetivação e recebendo influências de vários saberes disciplinares. A finalidade em adotar essa abordagem é contribuir para a redefinição de práticas educativas à luz de uma referência teórica, tentando fugir das garras afiadas da opinião e do empirismo desvairado. Com isso, fica revelada ainda outra intenção desse trabalho que é contribuir com o professor que deseja continuar com a realização de estudos dessa natureza, voltados para a pesquisa educacional.
Saberes e digitalização
A partir dessa abordagem conceitual, a digitalização é destacada como uma noção que permeia vários outros conceitos associados ao tema tratado neste ensaio. Trata-se de uma técnica de registro e de tratamento de informações através de uma seqüência lógica de dígitos, tendo como suporte o sistema binário de numeração e os recursos disponibilizados pela informática. Esta técnica conduz uma expressiva parte das relações que regem a atual sociedade e certamente a educação escolar não está excluída desse contexto.
Diversas informações são ampliadas, transformadas e veiculadas por meio dessa técnica. Obras de arte, textos, sons e movimentos são transformados em seqüências de dígitos, revelando uma forma mais segura de gerar, transportar e preservar a produção cultural da humanidade. Tonalidades de cores podem ser convertidas em sequências de números. Seria uma nova investida da matemática sobre outras formas de conhecimentos?
Digitalizar uma produção cultural qualquer consiste em transformá-la numa extensa lista de sinais alternados de “zero” e “um”, simbolizando a ausência ou a passagem de corrente elétrica numa linguagem compreensível pelos vários tipos de máquinas eletrônicas da atualidade. Felizmente, essa transformação é feita mecanicamente por programas especializados concebidos com a mais antiga e potente lógica dual. Essa é a grande diferença entre digitalizar ou datilografar um texto. Atrás da exterioridade da técnica está embutida a mais sofisticada tecnologia, cuja validade fundamenta-se em saberes científicos.
Do ponto de vista educacional, há diferentes maneiras das pessoas usarem e se apropriarem dessa técnica desenvolvida a partir da invenção dos primeiros computadores e acessórios conexos. Portanto, antes de considerar a potência de uma técnica, sem perder de vista as tecnologias e os saberes associados, é preciso lembrar que tudo funciona em constante embate de um determinado agenciamento. O produto em si continua inócuo, enquanto, como educadores, não o usarmos em sintonia com a realidade de uma comunidade social. A facilidade de manipulação e a eficiência possibilitada pela técnica da digitalização, por exemplo, trazem transformações significativas em diferentes setores da vida social, incluindo trabalho, comunicação, cultura, lazer, ciência e particularmente para a educação escolar. Nesse sentido, o uso dos diversos dispositivos das mídias digitais tende a ser uma das grandes características da atualidade, tal como foi a imprensa que revolucionou a comunicação. Assim, como está proposto neste texto com do postulado do triedro fundamental que envolve saberes, técnicas e tecnologias.
Essa tentativa é feita com exemplos que destacam implicações da utilização das sedutoras máquinas digitais no trabalho docente, com resultados diretos para as atividades propostas aos alunos e, quase sempre, mediados por discursos nebulosos dos burocratas do setor. Se a sociedade vivencia mudanças significativas na organização geral da vida cotidiana, a escola não poder estar à margem desse processo evolutivo. Para refletir sobre esse desafio, é conveniente constatar que o contexto no qual a escola se insere está pulverizado por inovações tecnológicas, emergentes da sociedade da informação, oferecendo novas oportunidades de acesso de informações e, ao mesmo tempo, cobrando novas competências, sem o domínio das quais a conquista da cidadania fica cada vez mais distante.
Competências e tecnologias
Para tratar das potencialidades e dos desafios do uso das tecnologias digitais na educação, parece ser prioritário destacar a necessidade de refletir a propósito das chamadas novas competências exigidas e favorecidas pela sociedade da informação. Em outros termos, para focalizar esse desafio da escola contemporânea é preciso concebê-la como puro agenciamento, com identidade própria, inserida numa rede de outras instituições, cujo protagonista principal é o professor que conduz as práticas escolares.
Tendo em vista que a prática docente está associada à natureza das ações realizadas pelos alunos, a ampliação das atividades didáticas através do uso das máquinas digitais deve considerar esses dois níveis de envolvimento direto através de práticas e atividades. Práticas docentes e atividades discentes podem ser redimensionadas pelo uso qualitativo dos novos suportes didáticos proporcionados pelas mídias digitais. Essa mudança sugere uma postura de envolvimento diferenciada por parte das pessoas envolvidas no sistema educacional e mais especificamente no sistema didático escolar. Uma postura de ações diretas e indiretas que certamente não se identifica ou que não deve ser confundida com as condições tradicionais mais passivas.
A formação das novas competências exigidas pela sociedade tecnológica envolve diretamente os principais atores da educação escolar. A formação do aluno passa a depender da efetiva disponibilidade de espírito do professor de se engajar na redefinição de sua própria prática. Mas esse não é um processo automático e vivenciado apenas em cursos de treinamento. Envolve superação de práticas e culturas enraizadas que podem ser alteradas, pouco a pouco, com a incorporação dos recursos presentes na sociedade. Está em curso uma dinâmica de autoformação profissional. Para isso, é preciso que a iniciativa de cada um seja exercida em sintonia com a capacidade de participar ativamente em propostas de trabalho coletivo.
As estratégias para a superação dos novos desafios são construídas então em sintonia, por exemplo, com a redefinição das diretrizes para a formação de professores, cuja dinâmica se volta para a tendência de virtualização das instituições formadoras. Os professores, organizados em agenciamentos não contaminados por discursos burocráticos deverão se empenhar no processo de sua qualificação, contra a prevalência absoluta da atual lógica de mercado.
Nesse sentido, a rede mundial de computadores, as listas de discussões, a educação à distância e as trocas de experiências são meios de engajamento no processo de formação do professor. Por vários elementos existentes na educação percebe-se que a avaliação do trabalho docente passa a ser uma palavra de ordem. Esta tendência exige um envolvimento diferenciado por partes dos próprios educadores no sentido de valorizar iniciativas inovadoras e que contribuam com a dinâmica de formação, sem que possa predominar ordem ditadas por consultorias externas. É possível perceber certa expectativa docente quanto à vontade de usar os novos recursos da informática. Mas, essa expectativa pode transformar-se em sentimento de insegurança ou de resistência em alterar a prática de ensino. Nesse caso, tal como acontece em outros setores da sociedade, alguns se reservam o direito de se colocarem à margem das transformações induzidas pela tecnologia e certamente passam a ter menos condições de vivenciar a nova ordem profissional.
Por outro lado, grande parte dos professores percebe a necessidade de aprimorar suas estratégias didáticas através da exploração dos recursos computacionais. Mesmo com as dificuldades relativas à formação, percebe-se a existência de uma consciência voltada para busca de propostas que possam atender a problemas lançados pela sociedade da informação. Essa expectativa nasce na prática e se desenvolve a partir da intenção de participar de uma educação compatível com a atualidade. Esse sentimento pode ser identificado pela procura, que normalmente ocorre, em palestras voltadas para a temática, por ocasião da realização dos congressos educacionais.
Interatividade e tecnologias
Entre as novas competências exigidas pela sociedade da informação está o uso da Internet que é uma das mais importantes criações dos últimos tempos para a melhoria dos sistemas de informação e de comunicação. Um resultado direto é a possibilidade de ampliar os modos de aprender. Uma das vantagens de uso da rede é o aumento da interatividade, quando o usuário encontra-se diante do computador. Associada à possibilidade de realizar simulações digitais através de programas específicos, a interatividade se constitui como umas das componentes da cognição. Mesmo que essa interatividade nem sempre envolva interlocutores humanos, trata-se de uma característica ampliadora das condições de aprendizagem. Dessa forma, em conexão com outras interfaces, a rede expande as condições iniciais de elaboração do conhecimento.
Seria temerário não acreditar que o avanço tecnológico proporcionado pelas máquinas digitais, de fato, podem favorecer a expansão das condições de elaboração do conhecimento. Como acontece com várias outras tecnologias, a técnica da digitalização implica na melhoria das condições de apropriação de saberes virtualizados. Entretanto, a atualização do virtual depende da maneira como o usuário interage com as informações contidas no suporte utilizado. Por ser essa uma questão nova, no sentido da ampliação considerável das condições tecnológicas, tudo indica que quanto mais interativa e qualitativa for esta relação maior será o significado do conhecimento construído. Esta é uma das razões pelas quais a análise da interatividade parece ser um ponto crucial, um conceito de interesse pedagógico, diante da inserção crescente das mídias digitalizadas nas práticas escolares.
Analisada e discutida na interface de diferentes áreas de conhecimento, envolvendo aspectos educacionais, psicológicos, linguísticos, de comunicação, sem falar do nível mais refinado de questões didáticas pertinentes a um campo disciplinar específico, tal como o que é próprio das artes, das ciências ou das filosofias. Para que um dos citados dispositivos digitais possa favorecer uma apropriação mais significativa de informações digitalizadas, ao que tudo indica, é preciso intensificar a dimensão da interatividade entre o usuário.
A forma linear de apresentação dos textos mais tradicionais, concebida na ordem sequencial, hierarquizada e capitular, não é suficiente para explorar as alternativas de aprendizagem que os dispositivos computacionais oferecem. Nem tudo funciona com base na ordem cartesiana e a antiga árvore do conhecimento, tantas vezes questionada, foi até mesmo ameaçada pelos entrelaçados rizomas criados pelo sonho da pós-modernidade. Com isso, alguns discursos facilitadores acreditam que não é mais preciso se apropriar da centenária cultura virtualizada nas páginas dos livros.
É preciso valorizar e explorar cada vez mais programas criados a partir de uma dinâmica hipertextual, caracterizada pela existência de várias opções representadas por nós e links. O usuário é levado a percorrer caminhos múltiplos por sua livre iniciativa e autonomia. Essas habilidades, propiciadas e exigidas pelos recursos digitais, sinalizam novos objetivos a serem alcançados na prática educativa. Entretanto é preciso precaver-se contra as ciladas das estratégias vendadas pelo atual consumismo desvairado. De modo algum os hipertextos negam ou reduzem a importância da lógica disciplinar, científica e linear. A lógica não linear, visível na exterioridade de um hipertexto, passa a ser valorizada tal como continuam válidos os modelos lineares. Não se pode pensar que o hipertexto não tenha linearidade. Sua produção é concebida a partir de um algoritmo e de um raciocínio fundamentado na mais estrita lógica sequencial. Tais programas são inovadores por conciliarem uma lógica sequencial com uma aparente ausência de ordem que transparece na exterioridade seguida pelo usuário.
Essas observações reforçam a hipótese de que a utilização dos recursos digitais condiciona situações favoráveis à formação de competências exigidas pela era tecnológica. Mas, em contra partida, é ilusório pensar somente nesse aspecto e esquecer os desafios que alteram as condições do trabalho docente e das atividades realizadas pelos alunos nos diversos níveis educacionais. Para aprimorar essa hipótese, todo esforço merece ser vivenciado no sentido de se apropriar de conceitos pedagógicos inovadores influenciados pelo uso dos recursos digitais na educação. Entretanto, isso não pode ser confundido com uma possível escola inovadora cuja lógica parecer retroceder aos mesmos equívocos do início do século XX, quando educadores sonharam com uma instituição nova, como se pudesse ser redentora dos males sociais.
A projeção dessa hipótese na prática escolar pode influenciar a criação de referências teóricas compatíveis, além de ampliar a função das fontes de informação na aprendizagem e favorecer uma redefinição de valores, métodos e conteúdos, abrindo espaço para uma ampliação das formas tradicionais de aprender e de ensinar. Por esse motivo, a inserção da informática na educação situa-se no território destacado pela confluência de constantes transformações tecnológicas e de novas condições de apropriação de conhecimentos.
O grande risco desse novo tempo educacional continua sendo a prevalência quase absoluta das perversas regras de mercado e de políticas públicas que atuam nessa mesma direção. Alguns elementos dessa confluência desafiante são resumidos pelo postulado fundamental apresentado no início deste texto e que deve ser exaustivamente lembrado. Saberes, tecnologias e técnicas, por mais reluzentes que possam parecer não resolvem problema algum, antes de funcionar em favor da comunidade efetivamente vivenciada pelas pessoas. Enganam profundamente quem pensa em ditar modelos a serem seguidas por professores que atuam no espaço precedente que é a sala de aula.
Produção de conhecimentos
Uma questão relevante sobre o uso de recursos tecnológicos na educação consiste em considerar do ponto de vista escolar as dificuldades próprias à produção de conhecimento a partir de dados e informações cada vez mais disponíveis nas redes mundiais de comunicação. Na realidade, esta é uma questão fundamental e merecedora de sucessivos retornos. A produção de conhecimento ocorre a partir de informações. Mas o produto elaborado não deve ser confundido com se fosse uma colagem de dados.
Como ocorre na autopoiesis, a elaboração do conhecimento não resulta de nenhuma geração espontânea. Todo conhecimento singular ou coletivo tem história e precedência. Nesse aspecto, a inserção das tecnologias digitais nas práticas escolares não altera muito, no sentido de não dispensar o necessário envolvimento do sujeito na aquisição do conhecimento. A alteração mais significativa é a quantidade de informações disponíveis explorar saberes que se encontram digitalizados e a superação de barreiras geográficas ou físicas para obtê-las. Mas, o avanço requer cautela porque seria temerário pensar que o mundo coubesse num chip de computador.
O estudo de questões específicas pertinentes à educação matemática, por exemplo, leva a analisar implicações potenciais do uso qualitativo de recursos tecnológicos digitais no fenômeno cognitivo. Trata-se de considerar o nível nem sempre aparente das especificidades disciplinares. Qualquer generalização nesse sentido é uma atitude arriscada. Dois polos extremos sobressaem. Alguns se enveredam por discursos apaixonados como se as sedutoras máquinas digitais resolvessem quase todos os problemas da educação. No outro extremo está a visão radical que os referidos recursos nada podem alterar na produção de novos saberes e conhecimentos escolares.
A posição mais sensata parece ser a virtude mediana, evitando discursos generalistas ou um olhar muito pontual. Em torno dessa questão, está em processo de pesquisa o desafio de entender em que sentido a aprendizagem específica da matemática pode acompanhar o ciclo evolutivo das criações tecnológicas. Com esse caso é possível lembrar que um dos desafios atuais consiste em entremear aspectos gerais de todas as disciplinas com questões mais específicas de cada área de conhecimento. Isso somente poderá ser feito com envolvimento dos professores, sem negar a importância dialógica da transdisciplinaridade, do coletivo e do social.
Referências expressivas no campo da educação defendem o pressuposto de que é conveniente diferenciar dois níveis de abrangência das questões escolares. O nível pedagógico diz respeito ao que existe de comum em todas as disciplinas, enquanto o aspecto didático qualifica aspectos específicos de uma matéria. Essa diferenciação permite melhor considerar as constantes relações entre as bases específicas de um saber científico com certo grau de generalidade envolvendo os trabalhos escolares. Permite ainda minimizar o risco de fazer generalizações precipitadas, quando se trata de discutir a inserção crescente no uso das tecnologias digitais na escola.
Ao estudar os desafios da inserção qualitativa das mídias interativas nas práticas educativas escolares o professor é levado a identificar possíveis pontos de alterações na forma de conduzir os métodos de ensino. Um dos aspectos mais interessantes, por exemplo, consiste em destacar como pode o professor explorar os recursos tecnológicos no sentido de levar o aluno a se engajar efetivamente no estudo das matérias escolares. Entretanto, essa consideração faz sentido somente quando for preservado o atual modelo disciplinar que tem predominado no sistema educacional.
Mesmo que surjam outros formatos curriculares de natureza não disciplinar, talvez seja prudente, do ponto de vista educacional, pensar no que diferencia ou pode diferenciar a produção de uma obra de arte, teorema ou outro modelo científico. Em todo caso, é conveniente pensar na saudável prática docente de levar o aluno a tomar para si o compromisso de participar da elaboração de conhecimentos, de se engajar numa dinâmica muito mais qualitativa diferente daquelas do cotidiano não escolar.
Tempo de síntese
A possível inserção do uso de recursos digitais nas práticas educativas escolares oportuniza um retorno a uma antiga questão que permanece atual, as relações entre espaço e tempo. Por mais abstrato que esse tema possa parecer, é conveniente tratar dele, quando se pretende atuar numa escola em sintonia com os desafios atuais, balizada pelas exigências de um futuro melhor e sem perder de vista as lições da história. Em particular, quando se trata da escola empenhada na preparação para o trabalho, o desafio está em balizar como serão as condições e exigências de um jovem que entrará na disputa de mercado dentro dos próximos anos.
O senso educacional leva a reconhecer que há um bom nível de dúvidas contemporâneas que podem motivar novos estudos e pesquisas. Isso é bom e pode motivar a continuidade de autoformação docente, resultando inclusive na realização de algum curso de pós-graduação. O primeiro passo consiste em ter disponibilidade de espírito para expandir a própria consciência e ter liberdade para criar e resolver questões significativas no campo próprio das práticas e dos saberes docentes. Se por um lado não é possível se libertar do dualismo, ao menos, este texto propôs um triedro para começo de conversa: técnicas, tecnologias e saberes podem ter o significado expandido caso for considerada a realidade educacional na qual o educador está inserido. Mas, caso a proposta tenha causado incômodo ou tenha pecado pela contradição poderá servir de linha de conexão para outras reflexões e ações.
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