A Escrita da História II: Crônicas e Histórias
Autores: Godofredo de Monmouth, Guilherme de Malmesbury, Mateus Paris, Jocelin de Brakelonde, Godofredo de Villehardouin e Jean de Froissart.
Como vimos no primeiro texto, na Crônica anglo-saxônica, os anais foram evoluindo, tornando-se mais elaborados e detalhados, até chegar ao ponto de serem considerados crônicas. Mais uma vez, precisamos recorrer à etimologia para saber a função desse gênero historiográfico: Crônica vem do latim chronica, derivado do grego chrónos, que significa tempo. Os eventos apresentados em uma crônica estão ordenados através de uma cronologia, isto é, com uma data fixa para o início e o fim.
As crônicas se proliferam em vários reinos da Europa, que passam a patrocinar escritores e utilizá-las para a construção de uma identidade nacional. Além de exaltar reinos, elas também falavam sobre reis, heróis nacionais e fatos importantes. Como já existia uma ideia de “patriotismo”, as crônicas passaram a ser escritas nas línguas de cada país. Os autores dessa época, séculos 12 e 13, tinham conhecimento das obras de autores clássicos como Tito Lívio, Eusébio, Salústio, Cícero e, claro, utilizavam também passagens das Sagradas Escrituras.
Podemos ter como exemplos de cronistas e suas obras os ingleses Godofredo de Monmouth, Guilherme de Malmesbury, Mateus Paris e Jocelin de Brakelonde. As crônicas, como relatos, podem ser fantasiosas, principalmente quando estas tratam de fatos anteriores ao autor. Os trabalhos de Godofredo mesclam fatos históricos como feitos de reis e genealogias com mitos e lendas do povo bretão, como a figura de gigantes ou de outros seres fantásticos. O objetivo dessa crônica é exaltar a Britânia e seu povo. Não existe uma preocupação com a veracidade do que é relatado, mas sim com os efeitos que os relatos produzirão.
Guilherme de Malmesbury é mais cuidadoso no tratamento do que escreve. Ele afirma que, ou foi testemunha ocular ou teve informações de fontes confiáveis. Indo mais além que seu antecessor, Guilherme transita entre a crônica e a história propriamente dita, pois este, em parte, abandona a cronologia episódica e tenta organizar diferentes fatos em um único conjunto. A descrição física de personagens nos lembra o estilo de Suetônio. Críticas, mesmo que leves, são feitas a homens poderosos.
Mateus Paris é provocativo, informal, tecendo críticas ácidas tanto a reis, comerciantes, membros do clero e até ao Papa. Sua crônica é menos extensa que a de outros autores, cobrindo duas décadas de história contemporânea inglesa. Possui trabalhos sobre história secular e eclesiástica. No campo religioso, se destaca a crônica da abadia de St. Albans. Como se trata de sua abadia, logicamente a escrita é restrita a fatos locais e assuntos da instituição religiosa. O autor critica tanto abades mortos como os que assumiriam seus postos; descreve aquisições da abadia; doações etc.
A crônica da abadia de St. Edmund, escrita por Jocelin de Brakelonde, engloba o final do século 12 até o início do século 13, com o reinado de João. Apesar de ser uma crônica, a obra de Jocelin tem os elementos de uma produção historiográfica: ela tem um início, meio e fim bem desenvolvidos, no caso o governo do rei, as confusões políticas e religiosas; a renovação da abadia e a coroação de um novo monarca. Como todas as obras locais e episcopais, ela trata das relações administrativas da abadia, da vida de abades e, claro, sua evolução.
Finalmente chegamos à história propriamente dita. Seus representantes são os franceses Godofredo de Villehardouin e Jean Froissart. Agora, como gênero, a história é produzida com uma narrativa extensa, temas coerentes e ordenados e escrita estilizada. Villehardouin, em sua obra A conquista de Constantinopla, aborda, de forma privilegiada (este foi um nobre e militar) a 4° Cruzada. Como militar, perde em qualidade para outros autores, pois não descreve táticas de combate, entregando ao providencialismo as vitórias e as derrotas. Registra baixas de cavaleiros nobres, elevações de patente, honrarias e pilhagens à cidade de Constantinopla. Escreveu em prosa, utilizando o francês como língua. Seu interesse religioso é pequeno, tanto que sua obra inicia com os preparativos para a Cruzada, e não com a origem do mundo segundo a Bíblia, como era recorrente em outros autores.
No século 14, Jean de Froissart reviveu um gênero existente na Europa desde os tempos de Carlos Magno: a escrita de cavalaria. Froissart é o ponto máximo da história da guerra do século 14. Como fonte recorre aos arautos do passado, que registravam cenas de batalhas; e ao livro de seu predecessor, Jean le Bel. Incorpora em sua narrativa, considerada organizada, outras histórias, geralmente romances arturianos. A Crônica engloba ética e normas de combate, cenas de guerra e cercos a cidades, os conflitos entre Inglaterra e França e revoltas populares em cidades como Paris, Londres e Ghent. Escreveu o livro em francês. Sua obra, uma encomenda, mostra elementos de exaltação ao heroísmo burguês, retratada pela cena dos “burgueses de Calais”; mas ao mesmo tempo também mostra uma certa preocupação com elementos populares de algumas cidades. O que Froissart preserva é a ordem “natural” das coisas, a defesa da Cristandade e da nobreza.