FRANZ BRENTANO E HEIDEGGER
 
Luiz Carlos Pais
 
Heidegger tinha um amplo e sólido conhecimento histórico da filosofia. De uma forma geral suas reflexões estão fortemente ancorada em três grandes fontes: passa pela filosofia grega; tem uma ampla visão do pensamento medieval e ao mesmo tempo do pensamento filosófico da idade moderna. Sua principal obra, Ser e Tempo, é escrita num referencial fundamentado que contempla essa ampla visão histórica da filosofia. Essa talvez seja a principal diferença do seu enfoque em relação à visão fenomenológica de Husserl. Quando descreve sua trajetória para a fenomenologia, Heidegger relata seu primeiro contato com Franz Brentano do qual Husserl foi discípulo. Começando seus estudos em 1909 na faculdade de teologia de Freiburg, alguns anos antes, ele já teria tido um primeiro contato com as idéias de Brentano, desenvolvidas a partir do pensamento de Aristóteles, sobre o "significado múltiplo do ente".
 
Uma das teses defendidas por Brentano dizia que "o ente é expresso em múltiplos significados". Nessa época não se fazia uma distinção muita clara entre o ser e o ente, tarefa esta que Heidegger empreendeu principalmente na obra Ser e Tempo. O princípio enunciado por Brentano dizia que a essência de um determinado ente não pode ser determinado por uma única dimensão. Pelo contrário, qualquer que seja o fenômeno sempre é necessário destacar uma multiplicidade de aspectos que interligados determinam a essência do ser. Esta é uma origem da idéia de totalidade na qual não se deve privilegiar um único olhar. Para apreender um espectro mais amplo do significado, faz-se necessário variar qualitativamente a forma como o fenômeno é abordado.
 
A própria existência não pode ser expressada por uma única dimensão. Ela envolve aspectos históricos, biológicos, políticos, econômicos, psicológicos, pedagógicos etc. Todas essas dimensões encontram-se imbricadas umas nas outras e toda tentativa de separação se destina mais para facilitar a verticalidade da análise. Mas, esta análise não dispensa a extensão da horizontalidade quando se faz necessário uma postura interdisciplinar diante do conhecimento. Quando Brentano declara que o entre se expressa por significados múltiplos; está plantando uma das primeiras sementes da visão fenomenológica desenvolvido posteriormente por Husserl e modificada por Heidegger. O princípio defendido por Brentano já era visto como uma declaração de consciência determinado uma visão que o fenômeno é estrutural. Nessa estrutura encontram-se relacionados uma multiplicidade de aspectos. Husserl e os demais fenomenólogos fazem desse princípio uma pedra angular para a construção de uma visão mais ampla e não excludente. Como toda pesquisa filosófica, Heidegger, ao ler a obra de Brentano, incorpora ao tema uma reflexão a mais; colocando para si mesmo a seguinte indagação: se há várias fontes de determinação na constituição do ser, qual seria a determinante fundamental?
 
Heidegger, a princípio, aceita a multiplicidade de aspectos em torno do fenômeno; mas coloca dúvida se todos teriam a mesma intensidade na determinação da essência do ser. Por exemplo, a existência seria determinada mais fortemente pela componente histórica? Ou seria a dimensão biológica sua vertente principal? Em que sentido se poderia melhor colocar esse questão o enfoque principal de um aspecto sobre o outro.
 
Pode-se considerar que essa indagação de Heidegger é o início de sua reflexão filosófica. Ela é plenamente justificável tendo em vista que seria praticamente impossível admitir um perfeito equilíbrio entre todas as fontes de determinação. Em outras palavras, dizer que duas componentes influenciam determinam um fenômeno exatamente com a mesma intensidade parecer ser impossível. Na seqüência de seus estudos sobre a fenomenologia Heidegger amplia suas leituras passando pela obra de Carl Braig - um professor de dogma do seu curso de teologia - e posteriormente As investigações lógicas de Husserl.
 
O problema da consciência é um ponto de conflito com Husserl.
 
Se há um ponto que marca o início da ruptura de Heidegger com Husserl é o problema da consciência como referencial condutor da investigação fenomenológica. Essa é a parte complexa que centraliza boa parte da crítica ao pensamento fenomenológico de Husserl. A rigor, essa crítica não nasce com Heidegger. "Não há dúvida que as críticas de Dilthey a Hegel e ao idealismo já representam uma posição crítica diante das filosofias da consciência". O ponto central dessa crítica é o fato dessa valoração dada à consciência deixa transparecer uma visão com tendência transcendental.
 
Heidegger empreende uma visão filosófica hermenêutica e histórica
 
O estudo de Heidegger é uma abordagem epistemológica; analisa o conhecimento a partir de uma visão fenomenológica implementando uma visão histórica; voltada para uma postura hermenêutica, diferente daquela defendida por Husserl. Parte do estudo de Dilthey (???) buscando relacionar diretamente o problema do conhecimento com as condicionantes do mundo da vida, da historicidade e da existência. Ser e Tempo inicia e termina com a questão do ser, com a questão do sentido do ser; correlacionando ao mesmo tempo o problema da existência, o conhecimento e a temporalidade. É o espaço onde se confronta o ser, o saber num dado tempo.
 
Ser e Tempo
 
Ser e Tempo é uma obra na qual Heidegger faz uma interpretação do ser em função da componente transcendental do tempo; colocando o problema do conhecimento de uma maneira radical no sentido de buscar o sentido mais essencial do seu significado. Essa obra é a tentativa de compreender a temporalidade da existência; o tempo da vida nos seus mais diversos momentos. A história da própria existência no transcorrer de um determinado tempo. A idéia condutora da análise de Heidegger é que o ser não está solto num espaço; livre das condicionantes temporais. A existência é preenchida por uma seqüência fortemente condicionada pelo tempo da qual não se pode afastar. Não é possível abstrair a existência desconsiderando a determinação de um tempo marcante. Heidegger inicia pela descrição de uma analítica existencial e praticamente toda a primeira parte do livro é dedicada ao estudo da inautenticidade da existência. Partindo da análise daquilo que considera uma existência inautêntica, descreve o problema da ruína entendia pela ameaça vida para a não realização existencial. A abordagem de Heidegger é radical, ele tenta eliminar todas questões de natureza transcendental; aceita somente o conhecimento finito e isso entra em conflito com toda a tradição da teoria do conhecimento.
 
Heidegger empreende uma tentativa de superação da metafísica
 
Heidegger tenta proceder uma superação radical da metafísica para compreender o problema do conhecimento. Essa superação era entendida por alguns pontos principais. Em primeiro lugar busca rejeitar a idéia de uma explicação divina. Não estava empenha em nenhuma tentativa de negação da existência divina, apenas empreendia uma visão do conhecimento sem se servir da explicação de natureza teológica. Passou a não aceitar qualquer tendência de confusão entre teologia e filosofia. Em seguida, buscou um rompimento definitivo com toda tipo de verdade que se diz eterna e absoluta. É a rejeição ao dogmatismo absoluto da explicação da origem do conhecimento. Da mesma forma buscou a rejeitar explicações do mundo natural tais como a tentativa de explicação das leis que "regem" o mundo. Em fim, Heidegger recusou limitar o problema do conhecimento à questão da consciência do sujeito cognitivo na sua relação com o mundo. Era uma visão tradicional, explicar a relação do conhecimento guiada pela consciência. Daí, um ponto forte de diferença com a visão de Husserl.
 
HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo.
STEIN, Ernildo. Seis Estudos sobre o Ser e Tempo. Vozes. Petrópolis. 1989