Prática na Formação Docente
Luiz Carlos Pais
Luiz Carlos Pais
RESUMO: Este artigo tem o objetivo de analisar alguns aspectos da formação e da prática docente na área de Educação Matemática, articulando aspectos específicos do saber matemático com as diferentes maneiras de conduzir as organizações didáticas. A realização dessa análise é conduzida com base na Teoria Antropológica do Didático, proposta pelo educador francês Yves Chevallard. Uma análise qualitativa do tipo fenomenológico foi realizada a partir de um conjunto de sentenças significativas retiradas dos textos originais constantes nas referências bibliográficas. Foi possível identificar a existência de uma estreita relação entre a prática docente e aspectos praxeológicos do estudo da matemática. Uma das características dessa relação é o fenômeno da matematização do processo de estudo, através da identificação das organizações matemáticas e didáticas, onde as estratégias metodológicas são confundidas com a formalização textual do saber matemático.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino da Matemática, Educação Matemática, Praxeologias.
1) FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE
O objetivo desta palestra é analisar alguns desafios da prática e da formação docente na área de Educação Matemática, articulando aspectos específicos do saber matemático com as diferentes maneiras de conceber e conduzir as atividades didáticas. Nossa intenção é descrever aspectos da prática educativa da matemática a partir do trabalho docente, com a intenção de compreender não as ações individuais ou isoladas, mas as ações praticadas em sintonia com o apoio e com a cobrança das instituições envolvidas, principalmente, das fontes públicas da transposição didática. Em paralelo com esse objetivo, temos a intenção também de destacar alguns pressupostos e princípios da chamada Teoria Antropológica do Didático, proposta por Chevallard, no quadro da Didática da Matemática, umas das maneiras de teorizar o fenômeno educativo da matemática. Como sabemos, a Educação Matemática vem se constituindo, nas últimas décadas, no Brasil e em vários outros países, em um amplo movimento educacional, onde é possível identificar diferentes linhas teóricas ou programas de pesquisa. No caso do Brasil, podemos citar: Etnomatemática, Modelagem, Tecnologias, Formação de Professores, História Educação Matemática, Aprendizagem e Didática da Matemática, entre outros. Utilizamos a esta expressão Didática da Matemática para expressar mais precisamente o chamado Programa Epistemológico, iniciado pelas pesquisas do educador francês Guy Brousseau, a partir do final dos anos 1970.
1.1 - PROBLEMA DA FORMAÇÃO
Um dos desafios atuais para expandir a dimensão qualitativa da Educação Matemática, pensando em termos de melhorar a escola pública, procurando viabilizar um diálogo mais efetivo entre a pesquisa e a prática é o problema da formação docente. Por um lado, em decorrência desse grande esforço coletivo que é o movimento criado em torno da expressão Educação Matemática, onde uma instituições mais importantes é a Sociedade Brasileira de Educação Matemática, tem ocorrido um progresso na solução desse problema, mas existem ainda vários desafios que permanecem quase inalterados.
1.2 - PRÁTICA VIVENCIADA NA FORMAÇÃO INICIAL
Os formadores dos futuros professores, de maneira geral aqueles que trabalham com as disciplinas mais específica, tendem a considerar que a questão da prática educativa é assunto externo ao domínio universitário, quando muito um assunto a ser tratado na disciplina usualmente chamada de Prática de Ensino. Desse modo, a prática vivenciada pelo futuro professor passa a ser conduzida exclusivamente pelos conteúdos conceituais da disciplina em questão. Ora, em termos de carga horária essas disciplinas, cuja importância na formação é inquestionável, segundo nosso ponto de vista, geralmente ocupam um espaço considerável na composição do currículo. O resultado é que os estudantes acabam incorporando essa maneira de conceber a prática educativa, ou seja, os conceitos matemáticos passam a ser o parâmetro mais importante a ser utilizado lá na condução das atividades a serem realizadas na Educação Básica. Este é um problema que nos parecer ser fundamental na formação de professores porque o conhecimento matemático não resume a uma lista de conceitos, teoremas e proposições. Nossa experiência, ao ministrar a disciplina de Didática no curso de Licenciatura, tem revelado a necessidade de repensar essa tendência porque o poder de influência exercido pelas práticas vivenciadas na universidade é muito mais intenso do que se pode imaginar. Quando trabalhamos com as disciplinas de Didática ou de Prática de Ensino, esse tipo de influência na formação dos futuros professores ou professores revela-se com muita clareza. As práticas vivenciadas na formação inicial nem sempre são compatíveis para tratar as práticas escolares pertinentes ao futuro trabalho docente.
1.3 - PRÁTICAS ESCOLARES E NÃO-ESCOLARES
A abordagem antropológica defende a necessidade de destacar um componente central da pesquisa que são as fontes institucionais relacionadas com a atividade matemática. Existem muitas práticas sociais institucionalizadas referentes à utilização regular dos modelos matemáticos que foram criados, transformados, estudados e preservados na esteira cultural. No campo das práticas cotidianas, os objetivos da atividade matemática repousam mais nos valores utilitários e imediatos e por isso há um reduzido grau de formalidade e a linguagem é mais espontânea, mas nem por isso essas práticas são desprovidas de uma dimensão tecnológico-teórica. As técnicas empregadas para resolver problemas são mais espontâneas e não recebem necessariamente a sistematização característica da atividade escolar. Sabemos que a instituição escolar está presa a uma enraizada tradição cultural e tem fortes restrições e essa maneira de fazer matemática e muitas vezes, até mesmo, a desconsidera e não reconhece como legítimo um procedimento realizado dessa maneira. Essa maneira de fazer matemática no dia-a-dia se constitui em uma das fontes institucionais do saber matemático, porque foi nesse território inicial que as atividades foram sendo realizadas para dar origens às primeiras idéias e. posteriormente, à formulação dos modelos. Um dos desafios da prática é superar a tentativa de excluir da escola essa maneira de fazer matemática e, muitas vezes, recair no extremo oposto da sistematização precoce do saber. Em particular, o discurso argumentativo cultivado no campo universitário, na vertente clássica da formação, não têm raízes nas atividades a serem conduzidas pelo futuro professor. Por trás desse desafio antigo, há uma atitude conservadora, em termos de compromisso político, como se os efetivos problemas da educação escolar pudessem ser concebidos como uma referência distante das práticas e das teorias priorizadas na formação inicial. O rumo da solução desejável, visando mudar esse quadro, é zelar para que todas as forças convergentes possam se unirem para ampliar as condições de racionalização das práticas formadoras. Isso significa regular o foco da pesquisa para as atividades matemáticas e didáticas inerentes aos níveis da escolaridade prevista.
1.4 - INSTITUIÇÕES DA FORMAÇÃO DOCENTE
Tendo em vista essa distância, que acabamos de comentar, entre as práticas vivenciadas na formação inicial pelos futuros professores e as praxeologias da Educação Básica e persistência histórica na solução desse problema, somos levados a repensar o papel das instituições formadoras de professores: Será necessário romper com a estrutura universitária departamental para resolver esse problema? Será necessário defender a criação de institutos especializados na formação de professores, onde todos os professores responsáveis pela formação devem conjugar certos princípios em torno de uma prática reflexiva? É evidente que não temos soluções mágicas para resolver esse problema, mas é preciso estar atendo porque, quanto à pontualidade dessa questão, ainda vivemos no tempo do modelo três mais um, onde se pensa, equivocadamente, que o a dimensão conceitual do saber matemático não tem nada a ver com a sua dimensão educacional e didática. É um equívoco porque as praxeologias são compostas por duas partes indissociáveis: um bloco prático-técnico e um bloco tecnológico-teórico. (Chevallard, 2002)
1.5 - PRÁTICAS DOCENTES REFLEXIVAS
Para analisar as relações entre prática e a pesquisa, é preciso ainda, cada vez mais, valorizar as bases teóricas das chamadas práticas docentes reflexivas, uma das linhas atuais de discussão da formação de professores. Como mostra a literatura pertinente, alguns teóricos que propuseram as primeiras idéias em torno do paradigma das práticas reflexivas não estavam pensando somente no caso da formação de professores, tinham a intenção de pensar em termos do profissional reflexivo. Mas, sabemos também que estamos, hoje, diante do desafio de ampliar as condições de profissionalização da carreira docente, de maneira geral e, em particular, dos professores de matemática. Três níveis se destacam em torno da questão: formar profissionais reflexivos, que é uma das exigências do mundo atual; formar educadores reflexivos e finalmente formar professores que ensinam matemática de maneira reflexiva, onde os conteúdos possam ser utilizados como instrumentos para fazer matemática, sem perder de vista a especificidade do raciocínio pertinente ao saber matemático. Portanto, não há como deixar de considerar a especificidade pertinente ao estudo da Matemática porque, como sabemos, há um ciclo de interdependência entre os diferentes níveis educacionais.
1.6 - IMPLEMENTAR PRÁTICAS REFLEXIVAS
Para analisar as condições de expansão das práticas reflexivas na Educação Matemática, precisamos indagar sobre o que pretendemos refletir, deixando claro qual é o objeto dessa reflexão. Em seguida, somos levados a estudar de que maneira essa reflexão pode ser realizada, ou seja, como o professor pode conduzir essa prática, sem perder de vista o poder das instituições envolvidas. Temos também a tarefa de compreender os motivos e os valores que sustentam essa reflexão e ainda o momento certo de exercê-la. Em decorrência dessas questões interligadas, retornamos às diversas tendências atuais da Educação Matemática, onde podem surgir soluções nem sempre concordantes. Por exemplo, podemos dizer que não existe reflexão alguma em uma prática docente conduzida somente pelos conteúdos matemáticos? Por esse motivo defendemos a necessidade de se ter uma linha metodológica estabilizada e, partir dos valores envolvidos nessa posição, defender, com mais clareza, uma prática docente reflexiva. Mas, essa questão deve ser tratada a partir da formação inicial e não poderia estar reduzida a uma única linha paradigmática centralizada em torno da própria matemática.
1.7 - ASPECTOS DIDÁTICOS DA PRÁTICA DOCENTE
As pesquisas realizadas no contexto do Programa Epistemológico, desenvolvido a partir dos trabalhos de Guy Brousseau, iniciados na década de 1970, têm destacado a importância de se valorizar uma dimensão fundamental da prática docente que é a natureza específica da atividade matemática. Na condição de coordenador do sistema didático, o professor está diretamente envolvido com a escolha de tarefas e de técnicas compatíveis para organizar as atividades a serem propostas aos alunos. A abordagem antropológica parte do princípio que o conhecimento matemática somente pode ser elaborado por meio de atividades (Bosch e Chevallard, 2004) e para aplicar esse princípio, torna-se necessário então indagar a propósito da maneira como as atividades matemáticas são desenvolvidas no contexto da instituição em questão, procurando identificar pelos aspectos mais valorizados, pelo grau de refino do tratamento teórico, pelo tratamento dado ao processo de argumentação e assim por diante. Em uma instituição especializada na preparação para o vestibular de uma concorrida Escola de Engenharia, o peso atribuído aos conteúdos matemáticos é muito maior em relação ao estudo da literatura. O tipo de prova adotado no vestibular dessa instituição também funciona como uma importante fonte de influência na definição das práticas docentes. Entre todas as atividades matemáticas, são escolhidas algumas tarefas ou tipos de tarefas que passam a ser valorizadas no currículo escolar.
1.8 - TAREFAS DOCENTES
Toda organização praxeológica relacionada ao estudo da matemática é composta por uma dimensão didática entrelaçada a uma dimensão matemática e não é possível separar esses dois aspectos. Dessa maneira, compete-nos destacar uma dupla possibilidade de análise dessas duas dimensões. Por um lado, ao considerar uma sala de aula de matemática, existe uma tarefa de natureza docente – por exemplo, levar o aluno a estudar números racionais - na qual existem aspectos didáticos e matemáticos que estão mais afetos à responsabilidade docente. Por outro lado, existem tarefas afetas à responsabilidade discente, também compostas por aspectos matemáticos e didáticos. Mesmo que esses aspectos estejam ligados uns aos outros, é preciso perceber a posição de um dos agentes na vida escolar. A noção de tarefa proposta por Chevallard (1998) pode ser analisada em função do papel do professor enquanto coordenador do sistema didático escolar. Mais particularmente, a noção de gênero de tarefa (estamos supondo a tarefa afeta ao trabalho docente) aparece com clareza, segunda a nossa interpretação, na concepção do currículo em espiral, quando um mesmo tipo de problema volta a ser estudado, nos anos subseqüentes, com maior grau de abrangência. Na composição de um tal currículo, um gênero de estudo sempre vai sendo ampliado por novos tipos de tarefas. Por isso, a realização de uma prática reflexiva requer uma percepção dessa expansão crescente de complexidade (níveis de determinação do saber). Se nas primeiras séries do Ensino Fundamental, o aluno aprende a fazer cálculos elementares com os números naturais e com os primeiros números racionais, na continuidade, na fase entre o sexto e novo ano, torna-se necessário aprender calcular com números irracionais, reais, complexos e assim por diante.
1.9 - DOMÍNIO DE CONTEÚDOS
O que significa dizer que o professor deva ter um razoável domínio de conteúdos na área de Educação Matemática? Ponte (1999), destacando as idéias de Shulman (1986), relembra que uma dimensão central da atividade docente que é a necessidade vital do professor ter um profundo domínio conceitual na área objeto de sua prática, porém não se trata de confundir esse tipo de saber com aquele característico do trabalho matemático profissional. A partir dessa interpretação, a atividade docente realiza-se por um viés específico que não pode ser confundido com a natureza própria do saber acadêmico, no sentido de evitar que os conteúdos possam ficar circunscritos a um território fechado em si mesmo e muito distante dos desafios próprios da educação escolar. Pelo contrário, a compreensão dos conteúdos pelo docente envolve, além do plano conceitual específico, diversos fundamentos pelos quais a proposta educativa pode ser realizada, envolvendo, entre outros, aspectos epistemológicos, históricos, psicológicos e antropológicos. Uma tarefa docente consiste em compreender diferentes estratégias pelas quais o conhecimento pode ser elaborado pelo aluno e não reduzir, no plano escolar, a atividade matemática aos trâmites burocráticos de uma formalização textual do saber. O saber docente inclui uma dimensão específica caracterizada por diferentes tipos de tarefas e estratégias pelas quais o aluno pode vivenciar um contato direto com as obras matemáticas.
1.10 - PROFISSÃO DOCENTE
Os desafios atuais da formação docente devem ser analisados em sintonia com a questão maior que é a tentativa de expandir a dimensão profissional da carreira. Diferentemente do que acontece nas áreas consolidadas, discutir a formação docente não significa enquadrar o jovem professor em uma ordem profissional já existente. Não existe um código de atuação no magistério de maneira geral e mais particularmente não existem métodos avalizados para ensinar matemática. Há uma tentativa de construir modelos que possam respaldar a escolha metodológica do professor de matemática, como o caso da TAD, mas não podemos dizer que esta teoria é mais ou menos correta em relação a outras teorias existentes. A pretendida dimensão intelectual da carreira impede essa definição de práticas a serem seguidas por todos os professores. A complexidade da formação de professores, portanto, é específica e polêmica como é a própria área de educação. Dessa maneira, ao estudar os desafios da formação docente, estamos também construindo parâmetros para expandir a dimensão profissional da carreira. No sentido de analisar esse processo atual de expansão da profissionalização, Chevallard propõe uma definição do que denomina de problemas da profissão:
Uma atitude espontânea diante de uma certa dificuldade docente surge quando o professor tenta realizar seu trabalho e se defronta com uma dificuldade de caráter pessoal e que demanda também uma solução. Esse entendimento, até certo ponto ilusório, expressa a inexistência de uma profissão cuja criação não está ainda totalmente definida. Contra esse fato massificante, o trabalho a ser realizado leva-nos a propor o seguinte postulado: toda dificuldade que surge quando uma pessoa tenta exercer a atividade docente deve ser observada como sendo fonte de um ou de diversos problemas relativos à profissão. Assim, esses problemas não têm, a rigor, origem nessa pessoa particular da qual estamos falando, mais são problemas que pertencem à profissão do professor de matemática como também pode acontecer em outras áreas. Dessa maneira, a formação inicial de professores deve trabalhar para identificar os problemas da profissão e buscar soluções sempre parciais e provisórias para eles. Essas soluções vão então fluir na profissão através dos formados. (Chevallard, 2006)
1.11 - NÍVEIS DO SABER E PRÁTICAS REFLEXIVAS
Chevallard (2002) define oito diferentes níveis dos saberes que estão vivamente presentes na práticas docentes e também no entorno social onde essas práticas acontecem. Segundo nosso ponto de vista, é muito importante, para viabilizar uma prática reflexiva mais significativa, perceber as relações construídas entre esses níveis de determinação do saber.
Social É escolar É pedagógico É disciplinar É domínio É setor É tema É assunto.
Disciplina: Matemática na 4ª série. Domínio: Geometria. Setor: Sólido Geométrico. Tema: representação dos sólidos geométricos. Assunto: representação da pirâmide
Para mostrar as relações existentes entre uma tarefa pontual da matemática e as práticas sociais, berço das atividades que precedem a formalização do saber, Chevallard (1998) destaca oito níveis de determinação do saber, que são os seguintes: social, escolar, pedagógico, disciplinar, domínio, setor, tema e assunto. Cada um desses níveis esboça um espaço próprio da atuação docente e a partir do nível disciplinar a especificidade começa a ser mais destacada. A matemática das séries iniciais, por exemplo, é constituída pelos domínios: geométrico, aritmético, medidas, tratamento da informação, mas já aparece também traços do domínio algébrico. Cada domínio, por sua vez, é dividido em setores, os quais são compostos por temas e finalmente cada tema é formado por assuntos. A análise das relações decorrentes desses diferentes níveis fornece uma estratégia teórica de refletir sobre a prática docente porque permite uma ampliação crescente da abrangência do saber cuja fonte primária são as atividades sociais. A pontualidade de um tipo de questão vai pouco a pouco sendo transformada, envolvendo os níveis superiores, mais amplos e complexos do saber matemático.
O nível disciplinar tende a ficar, de modo geral, restrito ao espaço escolar, em vista de uma cultura produzida no território interno dessa instituição. Esse talvez seja um ponto de proximidade e de fronteira entre a visão antropológica e a noção cultural escolar, na linha proposta por Chervel (1990).
Um dos conceitos proposto por esse historiador das disciplinas escolares é a idéia de vulgata, sintetizando o que existe de comum, em dado momento, em torno das práticas usuais de uma disciplina, sendo formada pelos conteúdos, objetivos, métodos e problemas típicos que predominam como os elementos condutores da prática docente. Uma parte significativa da vulgata aparece transcrita nos livros didáticos, fazendo com que, em dado momento, essas publicações tenham sempre muita coisa em comum ou que, de certa forma, sejam muito semelhantes entre si. Entendemos que há uma proximidade entre o viés proposto por Chevallard (1991), ao descrever a noção de textualização do saber a ser ensinado e a valorização cultural dos livros didáticos como expressão publicada da vulgata.
A escolha de conteúdos, métodos e recursos, componentes da vulgata, resultam das fontes de influência que atuam na composição da transposição didática. Tais elementos encontram-se registrados em livros destinados aos professores, relatórios, teses, softwares, parâmetros, programas, em diferentes tipos de exame e em outras fontes, entre as quais os livros didáticos. São registros publicados para defender a validade do saber a ser ensinado e também da forma como eles devem ser conduzidos pelo docente. Entre os registros textuais do saber escolar, temos escolhido o livro didático como fonte primária de pesquisa. Um dos argumentos para a defesa dessa escolha consiste no fato da influência que esse tipo de recurso normalmente exerce na prática de ensino, como fonte de referência e de validação do saber a ser ensinado.
Todo momento de estudo caracteriza-se pela presença de uma tarefa a ser realizada pelo aluno e pelo professor, até mesmo quando se trata da estratégia da exposição oral. Nesse sentido, na análise da prática docente através da abordagem antropológica, o pesquisador deve estar atento aos níveis de argumentação decorrentes da posição de cada um desses dois agentes do processo de estudo. Quando pensamos em uma organização matemática pontual, no contexto escolar, essas duas posições (tarefa do aluno e tarefa do professor) não devem ser confundidas porque isso reduzia a dimensão profissional do trabalho docente. Entendemos que, ao diferenciar a especificidade própria de cada um, o professor está implementando uma prática efetivamente reflexiva. São tarefas interligadas que conjuntamente formam as diferentes maneiras de organizar o estudo, abrindo espaço para diferentes opções metodológicas.
Desse modo, deve haver uma visão mais integradora entre os níveis de atividade matemática pertinentes à instituição escolar, onde nem sempre a matemática social é reconhecida como ponto de partida para o saber escolar. Se existe uma cultura escolar instituída, referendando a defesa de uma vulgata, nem sempre essa produção interna da escola está disponível para incorporar as produções pertencentes aos níveis mais amplos. A ruptura com as práticas usuais de um determinado nível pode ter repercussões nos outros níveis. Na educação escolar, os níveis de intervenção direta do professor são, inicialmente, aqueles do tema ou da questão.
Na totalidade dos estudos previstos em uma faixa específica da escolaridade, o professor deve estar atento às articulações possíveis entre esses níveis mais pontuais e as referências antropológicas mais amplas. Muitas vezes, na vertente da formação tradicional, predomina dois enfoques extremos. No quadro das disciplinas específicas, predomina o estudo de questões circunscritas ao nível disciplinar, sem mencionar a dimensão didática na qual o professor irá efetivamente atuar. Do outro lado, por ocasião do estudo da didática, quase sempre, predominam questões pedagógicas, sem considerar a dimensão conceitual do saber matemático. A síntese a ser feita entre os aspectos didáticos e matemáticos é deixada unicamente por conta do futuro professor.
2) DIFERENTES ORGANIZAÇÕES DIDÁTICAS
2.1 - ORGANIZAÇÕES DIDÁTICAS POSSÍVEIS
Tendo em vista a existência de diferentes maneiras de conceber a educação escolar, uma vez que paradigmas distintos atuam simultaneamente no campo da educação, existem também diferentes maneiras de conceber e conduzir a prática educativa, no plano mais localizado da sala de aula. Em função do referencial teórico aqui adotado, falaremos em termos de organizações didáticas possíveis no contexto escolar, conforme expressão adotada por Gascón (2003). Trata-se de identificar, no conjunto mais amplo no ensino da matemática escolar e universitária, diferentes maneiras de entender o que é ensinar matemática. Como o professor deve organizar a aula? Quais são as prioridades a serem assumidas no planejamento de uma aula? Quais são os tipos ideais de exercícios a serem propostos? Como levar a prática realizada pelo aluno? Nossa intenção, ao fazer essa análise das organizações didáticas possíveis no campo da educação matemática é não separar as práticas usuais no contexto escolar daquelas vivenciadas na instituição universitária, tendo em vista a nossa hipótese do forte poder de determinação que estas têm sobre as primeiras.
2.2 –ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA CLÁSSICA
Trata-se de uma faixa considerável do espectro didático das práticas usuais do ensino da matemática que consiste em visualizar quase somente os conteúdos matemáticos e minimizar a importância de qualquer outro componente do fenômeno cognitivo. O mais importante, nessa linha de atuação, é preservar a pertinência conceitual, tentando evitar qualquer erro conceitual ou sinal de nebulosa que possa macular a referência científica da disciplina. Em menor ou maior intensidade esse movimento sempre esteve presente na educação matemática escolar. Quando defendemos a necessidade de envolver as diferentes instituições relacionadas à atividade matemática escolar, não podemos desconsiderar a presença marcante dessa visão clássica. A prática usual inspirada nessa visão caracteriza-se por atividades concebidas e implementadas em torno dos conteúdos conceituais. Falar em conteúdos procedimentais ou atitudinais é algo estranho aos defensores dessa vertente, porque as ações e valores praticados estão voltados para os conceitos matemáticos. Essa visão que ainda exerce uma influência considerável na prática e na formação docente, fundamenta-se no pensamento e euclidiano, cujo pressuposto consiste em valorizar a sistematização do saber através da lógica dedutiva.
De acordo com Gascón (2003), podemos tratar da visão clássica como uma linha de atuação onde as praxeologias são concebidas com base no pensamento euclidiano. Essa prática articula outros dois tipos de organizações didáticas que são os referenciais tecnológico-teórico e tecnicista. Trata-se de um tipo de prática onde há uma reduzida valorização da dimensão exploratória da atividade matemática, ou seja, o aluno não é estimulado a interagir mais diretamente com o problema proposto, em busca uma técnica ou, pelo menos, do esboço de uma técnica para resolvê-lo. O traço mais relevante dessa vertente clássica é a precedência da valorização dos conteúdos, métodos e objetivos desenvolvidos no território interno da matemática. Por exemplo, mesmo que a noção de contextualização esteja presente em várias das fontes atuais da didática, não podemos desconsiderar a existência da vertente clássica, onde o contexto de ensino está, quase sempre, circunscrito ao próprio saber matemático.
Se a tendência didática generalista não considera ou não inclui em seu objeto de estudo os problemas específicos da atividade matemática, há uma outra vertente igualmente radical que podemos denominar de tendência clássica cientificista cujos modelos adotados na prática são exclusivamente aqueles pertencentes ao território científico da matemática. Os componentes didáticos priorizados nessa linha estão circunscritos ao saber matemático e este é também concebido mais em sintonia com a sistematização e com a formalização do conhecimento histórico do que em relação às práticas sociais do cotidiano. Métodos, objetivos, valores, conteúdos, avaliação, planejamento são aspectos conduzidos com base somente nos conteúdos matemáticos. Nessa linha, não faz muito sentido pensar em termos de conteúdos procedimentos ou atitudinais a não ser que essas expressões fiquem restritas aos próprios conteúdos matemáticos. A metodologia usual de sistematização histórica do saber matemático é adotada como metodologia de ensino exatamente porque os conteúdos matemáticos se constituem no eixo diretor da prática.
Se a vertente generalista peca por não considerar pontualmente os desafios próprios do estudo da matemática, a vertente clássica cientificista também peca pelo excesso de pontualidade no tratamento isolado dos conteúdos quer seja em relação as outras disciplinas escolares bem como dos conhecimentos vivenciados no mundo da vida. Essa concepção autista consiste em admitir a prática de maneira fragmentada de outras referências e por esse motivo entende-se que o ensino da matemática possa ser conduzido exclusivamente com base nos próprios conteúdos específicos. Segundo nosso entendimento, grande parte dos prejuízos clássicos, no caso específico da educação matemática, decorre dessa bipolarização das práticas educativas e, sobretudo, suas manifestações na formação de professores.
2.3 ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA GENERALISTA
O recorte antropológico sinaliza para a possibilidade de superar certas concepções e práticas que predominaram ou que ainda predominam na educação matemática e para isso propõe, a noção-chave de praxeologia, interligando de maneira indissociável os aspectos matemáticos e didáticos do processo de estudo. Como a nossa intenção aqui é analisar esse referencial, compreender seus conceitos e postulados, e discutir as possibilidades de sua aplicação na pesquisa e na prática de ensino, entendemos ser muito importante destacara a diferença dessa proposta em relação as outras maneira de conduzir a prática de ensino da matemática. Em outros termos, ao defender uma nova visão, é importante mostrar a diferença incorporada em relação às práticas já instituídas. Por esse motivo, nos compete, lembrar do que podemos denominar tendência didática generalista, tendo em vista sua importância história e também sua presença nos cursos de formação inicial de professores, através da disciplina de didática, geralmente conduzida sem considerar a dimensão epistemológica do saber matemático. As raízes dessa tendência remontam aos meados do século XVII, onde a especificidade do saber envolvido na prática educativa não é considerada por entender que o mais importante seja o que todas as disciplinas têm em comum. A propósito dessa maneira de conceber a didática, é oportuno destacar aqui a posição de Brousseau (2005) ao relembrar o pensamento de Comenius, presente na sua histórica obra Didática Magna, de que “um método único é suficiente para todas as matérias”. Na formação inicial de professores, de certa forma, ainda predomina essa idéia generalista, quando se trata da chamada formação pedagógica prevista nos cursos de licenciatura e pedagogia. Durante muito tempo, predominou essa concepção de que um único método é suficiente todas as ciências, como se não houvessem diferenças mais relevantes entre matemática, arte ou língua portuguesa. Mas, esse paradigma conviveu durante muito tempo e ainda convive em certas instituições ao lado de outra tendência didática que consiste em atribuir uma centralidade, quase absoluta, aos conteúdos específicos da matemática, em detrimento das demais dimensões componentes do fenômeno cognitivo.
2.4 DIDÁTICA CONCEBIDA COMO A ARTE
Durante muito tempo, a Didática foi considerada como muito mais uma arte de ensinar do que uma técnica ou uma ciência que pudesse ampliar a dimensão racional do trabalho docente. Portanto, a condução da prática de ensino estava, de certa forma, condicionada por um dom que o professor precisa apenas desenvolver, mas sobre o qual não se tinha maior controle científico. Pairava uma visão meio mística em torno dessa maneira de compreender o trabalho realizado professor. Mesmo com a evolução da ciência, não quer dizer que estejamos livres dessa visão mística, no campo da educação. Entre os desafios enfrentados na superação dos obstáculos epistemológicos, sempre essa visão mística ressurge das cinzas onde parecia estar eternamente sepultada. A esse propósito, é oportuno lembrar a análise feita por Gascón (2003), ao descrever a necessidade do uso de modelos na atividade matemática, observando as constantes receitas mágicas com as quais nos deparamos do território cotidiano da Educação Matemática. É importante lembrar a presença dessas tentativas de se resolver os problemas educacionais, de forma aligeirada, porque na história recente não podemos esquecer dos equívocos resultantes do movimento tecnicista.
2.5 - DA VISÃO MÁGICA AO PONTO DE VISTA CLÁSSICO
Visão mágica do ensino da matemática é aquela construída somente com base no senso comum cotidiano da escola, tendo como uma referência os conteúdos a serem ensinados e uma verdadeira nebulosa quanto ao processo de aprendizagem. Até hoje, existem muitas afirmações de natureza quanto às supostas causas de dificuldades da aprendizagem da matemática e as supostas soluções. Muitas vezes essa visão mágica manifesta-se com alguns traço da influência de Comênio, mas realçando somente que ensinar é uma arte e remetendo à dimensão subjetiva do aluno ou do professor toda e qualquer responsabilidade pelos resultados.
“Essa forma um tanto mágica de considerar o ensino e a aprendizagem da matemática, foi evoluindo conforme crescia o interesse pela pesquisa dos fatos didáticos. Assim, desde os primórdios da didática da matemática como disciplina, foi consolidando um ponto de vista que denominaremos de clássico, o qual rompendo com a visão mágica, propunha a necessidade de analisar os processos envolvidos na aprendizagem da matemática para poder incidir sobre o rendimento dos alunos.” (Chevallard, Bosch e Gascón, 2001, p.73)
Nesse momento, entendia-se que o conhecimento do processo cognitivo da matemática pudesse fornecer informações importantes para ampliar as condições de ensino. Tendo como referência essa visão clássica, a aprendizagem era concebida como um fenômeno essencialmente psicológico e determinado pelo conjunto de competências do aluno ou do professor. Nos dizeres desses pesquisadores: o ponto de vista clássico toma como problemática didática uma ampliação da problemática espontânea do professor. Entretanto, nessa época, a didática da matemática ainda não tinha sido visualizada como ciência. Era concebida como um conjunto de técnicas que podiam ser supostamente aplicadas ao ensino da matemática, de maneira associada com outros conhecimentos: história, psicologia, filosofia, matemática, entre outros. Para ser possível usar no ensino as informações oriundas dessas diversas disciplinas a didática era considerada muito mais uma disciplina normativa do que explicativa do fenômeno de estudo.
2.6 - ENFOQUE CENTRADO NO PROFESSOR
Por volta de 1980, houve um período em que uma parte significativa das pesquisas de educação matemática estava volta para metodologia de ensino, procurando estudar como o professor poderia ou deveria organizar e conduzir a prática de ensino. Este foi um momento em que a didática estava de olhos mais voltados para o professor. Entendemos que esse agenciamento não despreza a dimensão psicológica do fenômeno didático, mas procurava ampliá-la pela busca de estratégias que pudessem implantar as práticas educativas supostamente compatíveis com as observações levantadas até aquele momento pelas pesquisas de fundo cognitivo. A intenção desse recorte de pesquisa era transformar o pensamento espontâneo do professor e procurar direcionar as práticas pelos fatos psicológicos observados. Esta era uma visão voltada mais para a dimensão pessoal do docente, como se o seu estilo didático fosse algo exclusivo. Essa maneira de entender a didática foi redimensionada pela abordagem antropológica porque o estilo de ensino não pertence exclusivamente ao docente, mas ao invés de remeter a questão para esse plano somente pessoal, devemos incorporar tratar das práticas por meio de uma noção bem mais plausível de ser objetivada que são as praxeologias. (Chevallard, Bosch e Gascón, 2001)
2.7 - ORGANIZAÇÃO CLÁSSICA PSICOLÓGICA
Chevallard, Bosch e Gascón (2001) empregam a expressão ponto de vista clássico para caracterizar o movimento didático que precedeu a evolução recente da Didática da Matemática rumo ao recorte antropológico, considerando a aporte da linha psicológica. Entretanto, estamos propondo denominar esse recorte do ponto de vista ou tendência clássica psicológica porque acreditamos ser importante diferenciá-lo de uma outra vertente também clássica que consiste na valorização quase exclusiva dos conteúdos matemáticos, a qual denominamos de tendência clássica dos conteúdos matemático, uma vez que visualiza quase somente a dimensão científica da educação matemática em detrimento dos demais aspectos.
Atribuir uma importância diferenciada à dimensão psicológica do fenômeno cognitivo é uma das características da tendência clássica psicológica da educação matemática, mas este não é o aspecto mais relevante a ser destacado, quando pretendemos analisar a diferença incorporada pela abordagem antropológica. A teoria da aprendizagem significativa proposta por David Ausubel (1968) exemplifica um enfoque centrado no pensamento do aluno, ao considerar que: “o objeto básico de estudo é o conhecimento matemático do aluno e sua evolução” (p. 74) Esse objeto revela a centralidade exercida pela psicologia.
2.8 PASSAGEM DA VISÃO CLÁSSICA PARA RECORTE EPISTEMOLÓGICO
Entre o momento auge do enfoque psicológico e a formulação do enfoque antropológico há um importante momento de ampliação de noções oriundas da psicologia genética, como é o caso dos esquemas de ação envolvidos na atividade matemática. Portanto, as rupturas envolvidas nesse movimento evolutivo não negam a importância dos aportes psicológicos, mas pretendem atribuir uma centralidade diferenciada à especificidade do saber matemático no fenômeno cognitivo, o que não foi o objetivo principal da vertente psicológica clássica.
2.9 CRÍTICA À DUPLA TENDÊNCIA CLÁSSICA
A característica das tendências clássicas quer seja no reduto isolado da matemática ou na linha psicológica é assumir de maneira não crítica os saberes envolvidos na prática educativa. O saber matemático é visto como um produto translúcido e desprovido de uma especificidade cognitiva que merecesse maior atenção por parte dos especialistas em didática. Por esse motivo, a evolução da Didática da Matemática, através do viés antropológico, teve que pagar o preço de uma ruptura epistemológica que consistiu em colocar o saber matemático no centro do fenômeno cognitivo, ou seja, problematizar o processo de aprendizagem por meio da especificidade do saber envolvido.
3) FONTES DE REFERÊNCIA DA PRÁTICA EDUCATIVA
3.1 - FONTES INSTITUCIONAIS
Cada instituição relacionada ao estudo da matemática defende uma maneira de conceber e praticar as ações educativas, quer seja no campo da pesquisa ou das atividades escolares. Na realidade, existe uma ampla rede de instituições, interligando o saber escolar ao saber acadêmico, passando pelo cotidiano, mas nenhuma delas tem, segundo nosso ponto de vista, o poder absoluto de decidir pela configuração geral da transposição didática. Dessa maneira, o professor não pode menosprezar a realidade viva dos conhecimentos construídos na vida cotidiana e que chegam à sala de aula através da consciência do aluno. Este conhecimento pode não ter a forma desejada pela cultura escolar, mas como todos os outros, resulta de um longo processo social de elaboração. Portanto, como existem diferentes caminhos para conceber e praticar a pesquisa e o ensino, a desejada possibilidade de diálogo depende também dessas escolhas. Não há nenhuma espontaneidade na transposição do saber matemático a ser ensinado, a partir das indicações das fontes de referência do trabalho docente, para as práticas realizadas na vivência escolar. As fontes institucionais envolvidas no currículo devem ser percebidas pelo professor, sem perder de vista a realidade da escola onde o processo de estudo ocorre em tempo real.
3.2 – INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
Nos últimos anos, tem ocorrido um aumento expressivo do número de orientações e de fontes curriculares, pedagógicas e didáticas. A grande maioria dessas fontes resultou do trabalho integrado de educadores, pesquisadores e também do poder público, através da criação de programas e legislação específica para atender as especificidades da área. Um destaque deve ser dado às fontes públicas da Educação Matemática: PCN, PNLD, Diretrizes da Formação de Professores e os Exames Nacionais. Diante desse quadro, somos levados a indagar pelas implicações potenciais desse vasto material na prática docente, na realidade viva da sala de aula, nas distantes escolas do interior das regiões mais pobres, nas periferias das grandes cidades e nas condições de melhoria da educação pública. Há uma grande distância entre a potencialidade contida nessas fontes e a realidade mais ampla da educacional nacional. O educador engajado com a realidade política e social do país não pode reduzir a dimensão dessa distância e os desafios existentes para a sua superação. Assim, somos levados a falar também, logo de início, de alguns desafios e obstáculos existentes nesse movimento.
3.3 - FUNÇÃO DAS ORIENTAÇÕES
Como conseqüência do problema da formação surge o desafio relacionado à função didática das atuais fontes públicas de influências da prática docente, como os PCN, as regras instituídas pelo PNLD, as Diretrizes Nacionais para a Formação Docente, os Exames Nacionais, entre outras. As orientações contidas nesses documentos resultam de um longo processo de pesquisa e também de avanço político da área. Mas é preciso lembrar que a função principal das fontes públicas de referência da prática é contribuir com o processo de formação docente e com a melhoria da qualidade da Educação Escolar, pois fornece informações com as quais o professor pode se engajar na expansão coletiva do seu próprio processo de formação. Não se trata de uma prática formativa isolada, mas de participar de maneira crítica de um amplo movimento de proposta de melhoria da educação matemática. O espaço da formação inicial é o local ideal para iniciar a compreensão do significado desses fontes e maneira de articular as suas orientações com a prática. Parece evidente que essa discussão somente tomará corpo na medida em que todos os responsáveis pela formação incorporarem de corpo e alma essa missão, rompendo a persistente separação entre conteúdos específicos e disciplinas pedagógicas. Em outros termos, trata-se de considerar, em termos mais amplos e institucionais, os resultados já produzidos nessas últimas décadas e as experiências bem sucedidas, mesmo que estas sejam, por vezes, parcialmente valorizadas no contexto da formação tradicional. É preciso superar qualquer mal entendido que possa existir quanto à finalidade ou função das fontes de influência da prática docente que não é jamais, segundo nosso entendimento, padronizar ações docentes, mas sim mostrar as estratégias mais representativas do atual estágio de maturidade científica da área como um todo. A direção a ser implementada no prática de ensino não deve ser aquela avalizada por uma ou por outra linha teórica, mas sim ser representativa dos principais convergências da área. Em vista da influência das fontes públicas, existem noções didáticas relativas ao ensino da matemática que revelam traços de uma prática docente idealizada (contextualização, articulação, diversificação, valorização da dimensão experimental, cálculo mental, uso da história no ensino, entre outras) O desafio a ser vencido na passagem dessa idealização para a prática é tratar a questão a partir das realidades institucionais envolvidas, sem esquecer o espaço da formação inicial onde o futuro já deve estar refletindo e agindo sobre tais noções.
3.4 DIVERSIFICAÇÃO DOS RECURSOS DIDÁTICOS
Diferentes recursos tecnológicos da informática estão cada vez mais próximos da sala de aula e provocam a nossa imaginação para identificar o estatuto a ser construído pelos educadores para o uso didático desses equipamentos. Se na parte administrativa os computadores estão, em várias escolas, auxiliando o controle dos dados educacionais, no plano pedagógico e didático, a discussão está apenas começando. Nosso interesse é procurar compreender as possíveis alterações na parte mais específica do estudo da matemática e também na prática docente, sobretudo, nas estratégias de organização da prática de ensino. Para abordar esse tema, descrevemos, nos próximos parágrafos, um exemplo relativo ao estudo da geometria, com a intenção de interligar possíveis alterações nas estratégias de ensino em decorrência do uso das tecnologias digitais.
3.5 –RECURSOS VISUAIS DE COMUNICAÇÃO (OSTENSIVOS)
Um dos aspectos associados ao uso dos computadores no ensino da matemática e que provoca uma reflexão quanto às práticas docentes diz respeito à diversificação dos recursos visuais de comunicação. A princípio, essa ampliação envolve todas as disciplinas, mas podemos indagar a respeito das possíveis diferenças no caso do ensino da matemática. Em uma pesquisa recente analisamos o caso de livros didáticos que mostram uma expansão do uso de recursos visuais de comunicação por meio de desenhos, fotos coloridos e esquemas gráficos, entre vários outros, associados aos conceitos geométricos. Trata-se de dispositivos usados pela implementar o componente visual da tarefa a ser realizada pelo aluno e pelo professor.
3.6 DIFERENTES RECURSOS DE PERSPECTIVA
Se por um lado, a diversificação do uso de recursos visuais acontece também nas outras disciplinas escolares, por outro, tais recursos redimensionam variáveis próprias do estudo da geometria, tal como a inserção de recursos diferencias para representar um sólido geométrico por meio de uma figura plana. Mais especificamente, o uso das cores para incrementar as técnicas do desenho em perspectiva, pela qual fica ressaltada a terceira dimensão do conceito representado. Dessa maneira, essa diversificação de recursos visuais não é apenas da inovação de mais um dispositivo, como se fosse algo sem muita novidades. Pelo contrário, se não altera os conceitos geométricos, provoca alterações nas técnicas e nos instrumentos de estudo. Destacar a terceira dimensão de um sólido geométrico através de uma perspectiva é uma técnica tradicional e importante de ser tratada pelo professor. Mas, com a incorporada do uso das tecnologias digitais, essa técnica está sendo ampliada por outras mais inovadoras que é a utilização de diferente tonalidades ou reflexos para ressaltar a terceira dimensão do sólido. A diversificação das tecnologias, no que diz respeito aos aspectos visuais são recursos de linguagem que, normalmente, não é totalmente contemplada pela representação semiótica, valorizando fotos, cores e outros recursos gráficos. Os pontos mostram certa convergência na caracterização do que existe em comum entre os livros didáticos atuais, revelando uma tendência de padronização no uso dos recursos sugeridos para o ensino da geometria. Entretanto, no plano formação docente, somos levados a pensar nos aspectos positivos e também nos limites dessa tendência. Essa questão motiva-nos a estruturar novos objetos de pesquisa para melhor compreender o atual processo de textualização do saber escolar e das práticas docentes.
4) CONTEXTO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
4.1 - TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
PALAVRAS-CHAVE: Ensino da Matemática, Educação Matemática, Praxeologias.
1) FORMAÇÃO E PRÁTICA DOCENTE
O objetivo desta palestra é analisar alguns desafios da prática e da formação docente na área de Educação Matemática, articulando aspectos específicos do saber matemático com as diferentes maneiras de conceber e conduzir as atividades didáticas. Nossa intenção é descrever aspectos da prática educativa da matemática a partir do trabalho docente, com a intenção de compreender não as ações individuais ou isoladas, mas as ações praticadas em sintonia com o apoio e com a cobrança das instituições envolvidas, principalmente, das fontes públicas da transposição didática. Em paralelo com esse objetivo, temos a intenção também de destacar alguns pressupostos e princípios da chamada Teoria Antropológica do Didático, proposta por Chevallard, no quadro da Didática da Matemática, umas das maneiras de teorizar o fenômeno educativo da matemática. Como sabemos, a Educação Matemática vem se constituindo, nas últimas décadas, no Brasil e em vários outros países, em um amplo movimento educacional, onde é possível identificar diferentes linhas teóricas ou programas de pesquisa. No caso do Brasil, podemos citar: Etnomatemática, Modelagem, Tecnologias, Formação de Professores, História Educação Matemática, Aprendizagem e Didática da Matemática, entre outros. Utilizamos a esta expressão Didática da Matemática para expressar mais precisamente o chamado Programa Epistemológico, iniciado pelas pesquisas do educador francês Guy Brousseau, a partir do final dos anos 1970.
1.1 - PROBLEMA DA FORMAÇÃO
Um dos desafios atuais para expandir a dimensão qualitativa da Educação Matemática, pensando em termos de melhorar a escola pública, procurando viabilizar um diálogo mais efetivo entre a pesquisa e a prática é o problema da formação docente. Por um lado, em decorrência desse grande esforço coletivo que é o movimento criado em torno da expressão Educação Matemática, onde uma instituições mais importantes é a Sociedade Brasileira de Educação Matemática, tem ocorrido um progresso na solução desse problema, mas existem ainda vários desafios que permanecem quase inalterados.
1.2 - PRÁTICA VIVENCIADA NA FORMAÇÃO INICIAL
Os formadores dos futuros professores, de maneira geral aqueles que trabalham com as disciplinas mais específica, tendem a considerar que a questão da prática educativa é assunto externo ao domínio universitário, quando muito um assunto a ser tratado na disciplina usualmente chamada de Prática de Ensino. Desse modo, a prática vivenciada pelo futuro professor passa a ser conduzida exclusivamente pelos conteúdos conceituais da disciplina em questão. Ora, em termos de carga horária essas disciplinas, cuja importância na formação é inquestionável, segundo nosso ponto de vista, geralmente ocupam um espaço considerável na composição do currículo. O resultado é que os estudantes acabam incorporando essa maneira de conceber a prática educativa, ou seja, os conceitos matemáticos passam a ser o parâmetro mais importante a ser utilizado lá na condução das atividades a serem realizadas na Educação Básica. Este é um problema que nos parecer ser fundamental na formação de professores porque o conhecimento matemático não resume a uma lista de conceitos, teoremas e proposições. Nossa experiência, ao ministrar a disciplina de Didática no curso de Licenciatura, tem revelado a necessidade de repensar essa tendência porque o poder de influência exercido pelas práticas vivenciadas na universidade é muito mais intenso do que se pode imaginar. Quando trabalhamos com as disciplinas de Didática ou de Prática de Ensino, esse tipo de influência na formação dos futuros professores ou professores revela-se com muita clareza. As práticas vivenciadas na formação inicial nem sempre são compatíveis para tratar as práticas escolares pertinentes ao futuro trabalho docente.
1.3 - PRÁTICAS ESCOLARES E NÃO-ESCOLARES
A abordagem antropológica defende a necessidade de destacar um componente central da pesquisa que são as fontes institucionais relacionadas com a atividade matemática. Existem muitas práticas sociais institucionalizadas referentes à utilização regular dos modelos matemáticos que foram criados, transformados, estudados e preservados na esteira cultural. No campo das práticas cotidianas, os objetivos da atividade matemática repousam mais nos valores utilitários e imediatos e por isso há um reduzido grau de formalidade e a linguagem é mais espontânea, mas nem por isso essas práticas são desprovidas de uma dimensão tecnológico-teórica. As técnicas empregadas para resolver problemas são mais espontâneas e não recebem necessariamente a sistematização característica da atividade escolar. Sabemos que a instituição escolar está presa a uma enraizada tradição cultural e tem fortes restrições e essa maneira de fazer matemática e muitas vezes, até mesmo, a desconsidera e não reconhece como legítimo um procedimento realizado dessa maneira. Essa maneira de fazer matemática no dia-a-dia se constitui em uma das fontes institucionais do saber matemático, porque foi nesse território inicial que as atividades foram sendo realizadas para dar origens às primeiras idéias e. posteriormente, à formulação dos modelos. Um dos desafios da prática é superar a tentativa de excluir da escola essa maneira de fazer matemática e, muitas vezes, recair no extremo oposto da sistematização precoce do saber. Em particular, o discurso argumentativo cultivado no campo universitário, na vertente clássica da formação, não têm raízes nas atividades a serem conduzidas pelo futuro professor. Por trás desse desafio antigo, há uma atitude conservadora, em termos de compromisso político, como se os efetivos problemas da educação escolar pudessem ser concebidos como uma referência distante das práticas e das teorias priorizadas na formação inicial. O rumo da solução desejável, visando mudar esse quadro, é zelar para que todas as forças convergentes possam se unirem para ampliar as condições de racionalização das práticas formadoras. Isso significa regular o foco da pesquisa para as atividades matemáticas e didáticas inerentes aos níveis da escolaridade prevista.
1.4 - INSTITUIÇÕES DA FORMAÇÃO DOCENTE
Tendo em vista essa distância, que acabamos de comentar, entre as práticas vivenciadas na formação inicial pelos futuros professores e as praxeologias da Educação Básica e persistência histórica na solução desse problema, somos levados a repensar o papel das instituições formadoras de professores: Será necessário romper com a estrutura universitária departamental para resolver esse problema? Será necessário defender a criação de institutos especializados na formação de professores, onde todos os professores responsáveis pela formação devem conjugar certos princípios em torno de uma prática reflexiva? É evidente que não temos soluções mágicas para resolver esse problema, mas é preciso estar atendo porque, quanto à pontualidade dessa questão, ainda vivemos no tempo do modelo três mais um, onde se pensa, equivocadamente, que o a dimensão conceitual do saber matemático não tem nada a ver com a sua dimensão educacional e didática. É um equívoco porque as praxeologias são compostas por duas partes indissociáveis: um bloco prático-técnico e um bloco tecnológico-teórico. (Chevallard, 2002)
1.5 - PRÁTICAS DOCENTES REFLEXIVAS
Para analisar as relações entre prática e a pesquisa, é preciso ainda, cada vez mais, valorizar as bases teóricas das chamadas práticas docentes reflexivas, uma das linhas atuais de discussão da formação de professores. Como mostra a literatura pertinente, alguns teóricos que propuseram as primeiras idéias em torno do paradigma das práticas reflexivas não estavam pensando somente no caso da formação de professores, tinham a intenção de pensar em termos do profissional reflexivo. Mas, sabemos também que estamos, hoje, diante do desafio de ampliar as condições de profissionalização da carreira docente, de maneira geral e, em particular, dos professores de matemática. Três níveis se destacam em torno da questão: formar profissionais reflexivos, que é uma das exigências do mundo atual; formar educadores reflexivos e finalmente formar professores que ensinam matemática de maneira reflexiva, onde os conteúdos possam ser utilizados como instrumentos para fazer matemática, sem perder de vista a especificidade do raciocínio pertinente ao saber matemático. Portanto, não há como deixar de considerar a especificidade pertinente ao estudo da Matemática porque, como sabemos, há um ciclo de interdependência entre os diferentes níveis educacionais.
1.6 - IMPLEMENTAR PRÁTICAS REFLEXIVAS
Para analisar as condições de expansão das práticas reflexivas na Educação Matemática, precisamos indagar sobre o que pretendemos refletir, deixando claro qual é o objeto dessa reflexão. Em seguida, somos levados a estudar de que maneira essa reflexão pode ser realizada, ou seja, como o professor pode conduzir essa prática, sem perder de vista o poder das instituições envolvidas. Temos também a tarefa de compreender os motivos e os valores que sustentam essa reflexão e ainda o momento certo de exercê-la. Em decorrência dessas questões interligadas, retornamos às diversas tendências atuais da Educação Matemática, onde podem surgir soluções nem sempre concordantes. Por exemplo, podemos dizer que não existe reflexão alguma em uma prática docente conduzida somente pelos conteúdos matemáticos? Por esse motivo defendemos a necessidade de se ter uma linha metodológica estabilizada e, partir dos valores envolvidos nessa posição, defender, com mais clareza, uma prática docente reflexiva. Mas, essa questão deve ser tratada a partir da formação inicial e não poderia estar reduzida a uma única linha paradigmática centralizada em torno da própria matemática.
1.7 - ASPECTOS DIDÁTICOS DA PRÁTICA DOCENTE
As pesquisas realizadas no contexto do Programa Epistemológico, desenvolvido a partir dos trabalhos de Guy Brousseau, iniciados na década de 1970, têm destacado a importância de se valorizar uma dimensão fundamental da prática docente que é a natureza específica da atividade matemática. Na condição de coordenador do sistema didático, o professor está diretamente envolvido com a escolha de tarefas e de técnicas compatíveis para organizar as atividades a serem propostas aos alunos. A abordagem antropológica parte do princípio que o conhecimento matemática somente pode ser elaborado por meio de atividades (Bosch e Chevallard, 2004) e para aplicar esse princípio, torna-se necessário então indagar a propósito da maneira como as atividades matemáticas são desenvolvidas no contexto da instituição em questão, procurando identificar pelos aspectos mais valorizados, pelo grau de refino do tratamento teórico, pelo tratamento dado ao processo de argumentação e assim por diante. Em uma instituição especializada na preparação para o vestibular de uma concorrida Escola de Engenharia, o peso atribuído aos conteúdos matemáticos é muito maior em relação ao estudo da literatura. O tipo de prova adotado no vestibular dessa instituição também funciona como uma importante fonte de influência na definição das práticas docentes. Entre todas as atividades matemáticas, são escolhidas algumas tarefas ou tipos de tarefas que passam a ser valorizadas no currículo escolar.
1.8 - TAREFAS DOCENTES
Toda organização praxeológica relacionada ao estudo da matemática é composta por uma dimensão didática entrelaçada a uma dimensão matemática e não é possível separar esses dois aspectos. Dessa maneira, compete-nos destacar uma dupla possibilidade de análise dessas duas dimensões. Por um lado, ao considerar uma sala de aula de matemática, existe uma tarefa de natureza docente – por exemplo, levar o aluno a estudar números racionais - na qual existem aspectos didáticos e matemáticos que estão mais afetos à responsabilidade docente. Por outro lado, existem tarefas afetas à responsabilidade discente, também compostas por aspectos matemáticos e didáticos. Mesmo que esses aspectos estejam ligados uns aos outros, é preciso perceber a posição de um dos agentes na vida escolar. A noção de tarefa proposta por Chevallard (1998) pode ser analisada em função do papel do professor enquanto coordenador do sistema didático escolar. Mais particularmente, a noção de gênero de tarefa (estamos supondo a tarefa afeta ao trabalho docente) aparece com clareza, segunda a nossa interpretação, na concepção do currículo em espiral, quando um mesmo tipo de problema volta a ser estudado, nos anos subseqüentes, com maior grau de abrangência. Na composição de um tal currículo, um gênero de estudo sempre vai sendo ampliado por novos tipos de tarefas. Por isso, a realização de uma prática reflexiva requer uma percepção dessa expansão crescente de complexidade (níveis de determinação do saber). Se nas primeiras séries do Ensino Fundamental, o aluno aprende a fazer cálculos elementares com os números naturais e com os primeiros números racionais, na continuidade, na fase entre o sexto e novo ano, torna-se necessário aprender calcular com números irracionais, reais, complexos e assim por diante.
1.9 - DOMÍNIO DE CONTEÚDOS
O que significa dizer que o professor deva ter um razoável domínio de conteúdos na área de Educação Matemática? Ponte (1999), destacando as idéias de Shulman (1986), relembra que uma dimensão central da atividade docente que é a necessidade vital do professor ter um profundo domínio conceitual na área objeto de sua prática, porém não se trata de confundir esse tipo de saber com aquele característico do trabalho matemático profissional. A partir dessa interpretação, a atividade docente realiza-se por um viés específico que não pode ser confundido com a natureza própria do saber acadêmico, no sentido de evitar que os conteúdos possam ficar circunscritos a um território fechado em si mesmo e muito distante dos desafios próprios da educação escolar. Pelo contrário, a compreensão dos conteúdos pelo docente envolve, além do plano conceitual específico, diversos fundamentos pelos quais a proposta educativa pode ser realizada, envolvendo, entre outros, aspectos epistemológicos, históricos, psicológicos e antropológicos. Uma tarefa docente consiste em compreender diferentes estratégias pelas quais o conhecimento pode ser elaborado pelo aluno e não reduzir, no plano escolar, a atividade matemática aos trâmites burocráticos de uma formalização textual do saber. O saber docente inclui uma dimensão específica caracterizada por diferentes tipos de tarefas e estratégias pelas quais o aluno pode vivenciar um contato direto com as obras matemáticas.
1.10 - PROFISSÃO DOCENTE
Os desafios atuais da formação docente devem ser analisados em sintonia com a questão maior que é a tentativa de expandir a dimensão profissional da carreira. Diferentemente do que acontece nas áreas consolidadas, discutir a formação docente não significa enquadrar o jovem professor em uma ordem profissional já existente. Não existe um código de atuação no magistério de maneira geral e mais particularmente não existem métodos avalizados para ensinar matemática. Há uma tentativa de construir modelos que possam respaldar a escolha metodológica do professor de matemática, como o caso da TAD, mas não podemos dizer que esta teoria é mais ou menos correta em relação a outras teorias existentes. A pretendida dimensão intelectual da carreira impede essa definição de práticas a serem seguidas por todos os professores. A complexidade da formação de professores, portanto, é específica e polêmica como é a própria área de educação. Dessa maneira, ao estudar os desafios da formação docente, estamos também construindo parâmetros para expandir a dimensão profissional da carreira. No sentido de analisar esse processo atual de expansão da profissionalização, Chevallard propõe uma definição do que denomina de problemas da profissão:
Uma atitude espontânea diante de uma certa dificuldade docente surge quando o professor tenta realizar seu trabalho e se defronta com uma dificuldade de caráter pessoal e que demanda também uma solução. Esse entendimento, até certo ponto ilusório, expressa a inexistência de uma profissão cuja criação não está ainda totalmente definida. Contra esse fato massificante, o trabalho a ser realizado leva-nos a propor o seguinte postulado: toda dificuldade que surge quando uma pessoa tenta exercer a atividade docente deve ser observada como sendo fonte de um ou de diversos problemas relativos à profissão. Assim, esses problemas não têm, a rigor, origem nessa pessoa particular da qual estamos falando, mais são problemas que pertencem à profissão do professor de matemática como também pode acontecer em outras áreas. Dessa maneira, a formação inicial de professores deve trabalhar para identificar os problemas da profissão e buscar soluções sempre parciais e provisórias para eles. Essas soluções vão então fluir na profissão através dos formados. (Chevallard, 2006)
1.11 - NÍVEIS DO SABER E PRÁTICAS REFLEXIVAS
Chevallard (2002) define oito diferentes níveis dos saberes que estão vivamente presentes na práticas docentes e também no entorno social onde essas práticas acontecem. Segundo nosso ponto de vista, é muito importante, para viabilizar uma prática reflexiva mais significativa, perceber as relações construídas entre esses níveis de determinação do saber.
Social É escolar É pedagógico É disciplinar É domínio É setor É tema É assunto.
Disciplina: Matemática na 4ª série. Domínio: Geometria. Setor: Sólido Geométrico. Tema: representação dos sólidos geométricos. Assunto: representação da pirâmide
Para mostrar as relações existentes entre uma tarefa pontual da matemática e as práticas sociais, berço das atividades que precedem a formalização do saber, Chevallard (1998) destaca oito níveis de determinação do saber, que são os seguintes: social, escolar, pedagógico, disciplinar, domínio, setor, tema e assunto. Cada um desses níveis esboça um espaço próprio da atuação docente e a partir do nível disciplinar a especificidade começa a ser mais destacada. A matemática das séries iniciais, por exemplo, é constituída pelos domínios: geométrico, aritmético, medidas, tratamento da informação, mas já aparece também traços do domínio algébrico. Cada domínio, por sua vez, é dividido em setores, os quais são compostos por temas e finalmente cada tema é formado por assuntos. A análise das relações decorrentes desses diferentes níveis fornece uma estratégia teórica de refletir sobre a prática docente porque permite uma ampliação crescente da abrangência do saber cuja fonte primária são as atividades sociais. A pontualidade de um tipo de questão vai pouco a pouco sendo transformada, envolvendo os níveis superiores, mais amplos e complexos do saber matemático.
O nível disciplinar tende a ficar, de modo geral, restrito ao espaço escolar, em vista de uma cultura produzida no território interno dessa instituição. Esse talvez seja um ponto de proximidade e de fronteira entre a visão antropológica e a noção cultural escolar, na linha proposta por Chervel (1990).
Um dos conceitos proposto por esse historiador das disciplinas escolares é a idéia de vulgata, sintetizando o que existe de comum, em dado momento, em torno das práticas usuais de uma disciplina, sendo formada pelos conteúdos, objetivos, métodos e problemas típicos que predominam como os elementos condutores da prática docente. Uma parte significativa da vulgata aparece transcrita nos livros didáticos, fazendo com que, em dado momento, essas publicações tenham sempre muita coisa em comum ou que, de certa forma, sejam muito semelhantes entre si. Entendemos que há uma proximidade entre o viés proposto por Chevallard (1991), ao descrever a noção de textualização do saber a ser ensinado e a valorização cultural dos livros didáticos como expressão publicada da vulgata.
A escolha de conteúdos, métodos e recursos, componentes da vulgata, resultam das fontes de influência que atuam na composição da transposição didática. Tais elementos encontram-se registrados em livros destinados aos professores, relatórios, teses, softwares, parâmetros, programas, em diferentes tipos de exame e em outras fontes, entre as quais os livros didáticos. São registros publicados para defender a validade do saber a ser ensinado e também da forma como eles devem ser conduzidos pelo docente. Entre os registros textuais do saber escolar, temos escolhido o livro didático como fonte primária de pesquisa. Um dos argumentos para a defesa dessa escolha consiste no fato da influência que esse tipo de recurso normalmente exerce na prática de ensino, como fonte de referência e de validação do saber a ser ensinado.
Todo momento de estudo caracteriza-se pela presença de uma tarefa a ser realizada pelo aluno e pelo professor, até mesmo quando se trata da estratégia da exposição oral. Nesse sentido, na análise da prática docente através da abordagem antropológica, o pesquisador deve estar atento aos níveis de argumentação decorrentes da posição de cada um desses dois agentes do processo de estudo. Quando pensamos em uma organização matemática pontual, no contexto escolar, essas duas posições (tarefa do aluno e tarefa do professor) não devem ser confundidas porque isso reduzia a dimensão profissional do trabalho docente. Entendemos que, ao diferenciar a especificidade própria de cada um, o professor está implementando uma prática efetivamente reflexiva. São tarefas interligadas que conjuntamente formam as diferentes maneiras de organizar o estudo, abrindo espaço para diferentes opções metodológicas.
Desse modo, deve haver uma visão mais integradora entre os níveis de atividade matemática pertinentes à instituição escolar, onde nem sempre a matemática social é reconhecida como ponto de partida para o saber escolar. Se existe uma cultura escolar instituída, referendando a defesa de uma vulgata, nem sempre essa produção interna da escola está disponível para incorporar as produções pertencentes aos níveis mais amplos. A ruptura com as práticas usuais de um determinado nível pode ter repercussões nos outros níveis. Na educação escolar, os níveis de intervenção direta do professor são, inicialmente, aqueles do tema ou da questão.
Na totalidade dos estudos previstos em uma faixa específica da escolaridade, o professor deve estar atento às articulações possíveis entre esses níveis mais pontuais e as referências antropológicas mais amplas. Muitas vezes, na vertente da formação tradicional, predomina dois enfoques extremos. No quadro das disciplinas específicas, predomina o estudo de questões circunscritas ao nível disciplinar, sem mencionar a dimensão didática na qual o professor irá efetivamente atuar. Do outro lado, por ocasião do estudo da didática, quase sempre, predominam questões pedagógicas, sem considerar a dimensão conceitual do saber matemático. A síntese a ser feita entre os aspectos didáticos e matemáticos é deixada unicamente por conta do futuro professor.
2) DIFERENTES ORGANIZAÇÕES DIDÁTICAS
2.1 - ORGANIZAÇÕES DIDÁTICAS POSSÍVEIS
Tendo em vista a existência de diferentes maneiras de conceber a educação escolar, uma vez que paradigmas distintos atuam simultaneamente no campo da educação, existem também diferentes maneiras de conceber e conduzir a prática educativa, no plano mais localizado da sala de aula. Em função do referencial teórico aqui adotado, falaremos em termos de organizações didáticas possíveis no contexto escolar, conforme expressão adotada por Gascón (2003). Trata-se de identificar, no conjunto mais amplo no ensino da matemática escolar e universitária, diferentes maneiras de entender o que é ensinar matemática. Como o professor deve organizar a aula? Quais são as prioridades a serem assumidas no planejamento de uma aula? Quais são os tipos ideais de exercícios a serem propostos? Como levar a prática realizada pelo aluno? Nossa intenção, ao fazer essa análise das organizações didáticas possíveis no campo da educação matemática é não separar as práticas usuais no contexto escolar daquelas vivenciadas na instituição universitária, tendo em vista a nossa hipótese do forte poder de determinação que estas têm sobre as primeiras.
2.2 –ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA CLÁSSICA
Trata-se de uma faixa considerável do espectro didático das práticas usuais do ensino da matemática que consiste em visualizar quase somente os conteúdos matemáticos e minimizar a importância de qualquer outro componente do fenômeno cognitivo. O mais importante, nessa linha de atuação, é preservar a pertinência conceitual, tentando evitar qualquer erro conceitual ou sinal de nebulosa que possa macular a referência científica da disciplina. Em menor ou maior intensidade esse movimento sempre esteve presente na educação matemática escolar. Quando defendemos a necessidade de envolver as diferentes instituições relacionadas à atividade matemática escolar, não podemos desconsiderar a presença marcante dessa visão clássica. A prática usual inspirada nessa visão caracteriza-se por atividades concebidas e implementadas em torno dos conteúdos conceituais. Falar em conteúdos procedimentais ou atitudinais é algo estranho aos defensores dessa vertente, porque as ações e valores praticados estão voltados para os conceitos matemáticos. Essa visão que ainda exerce uma influência considerável na prática e na formação docente, fundamenta-se no pensamento e euclidiano, cujo pressuposto consiste em valorizar a sistematização do saber através da lógica dedutiva.
De acordo com Gascón (2003), podemos tratar da visão clássica como uma linha de atuação onde as praxeologias são concebidas com base no pensamento euclidiano. Essa prática articula outros dois tipos de organizações didáticas que são os referenciais tecnológico-teórico e tecnicista. Trata-se de um tipo de prática onde há uma reduzida valorização da dimensão exploratória da atividade matemática, ou seja, o aluno não é estimulado a interagir mais diretamente com o problema proposto, em busca uma técnica ou, pelo menos, do esboço de uma técnica para resolvê-lo. O traço mais relevante dessa vertente clássica é a precedência da valorização dos conteúdos, métodos e objetivos desenvolvidos no território interno da matemática. Por exemplo, mesmo que a noção de contextualização esteja presente em várias das fontes atuais da didática, não podemos desconsiderar a existência da vertente clássica, onde o contexto de ensino está, quase sempre, circunscrito ao próprio saber matemático.
Se a tendência didática generalista não considera ou não inclui em seu objeto de estudo os problemas específicos da atividade matemática, há uma outra vertente igualmente radical que podemos denominar de tendência clássica cientificista cujos modelos adotados na prática são exclusivamente aqueles pertencentes ao território científico da matemática. Os componentes didáticos priorizados nessa linha estão circunscritos ao saber matemático e este é também concebido mais em sintonia com a sistematização e com a formalização do conhecimento histórico do que em relação às práticas sociais do cotidiano. Métodos, objetivos, valores, conteúdos, avaliação, planejamento são aspectos conduzidos com base somente nos conteúdos matemáticos. Nessa linha, não faz muito sentido pensar em termos de conteúdos procedimentos ou atitudinais a não ser que essas expressões fiquem restritas aos próprios conteúdos matemáticos. A metodologia usual de sistematização histórica do saber matemático é adotada como metodologia de ensino exatamente porque os conteúdos matemáticos se constituem no eixo diretor da prática.
Se a vertente generalista peca por não considerar pontualmente os desafios próprios do estudo da matemática, a vertente clássica cientificista também peca pelo excesso de pontualidade no tratamento isolado dos conteúdos quer seja em relação as outras disciplinas escolares bem como dos conhecimentos vivenciados no mundo da vida. Essa concepção autista consiste em admitir a prática de maneira fragmentada de outras referências e por esse motivo entende-se que o ensino da matemática possa ser conduzido exclusivamente com base nos próprios conteúdos específicos. Segundo nosso entendimento, grande parte dos prejuízos clássicos, no caso específico da educação matemática, decorre dessa bipolarização das práticas educativas e, sobretudo, suas manifestações na formação de professores.
2.3 ORGANIZAÇÃO DIDÁTICA GENERALISTA
O recorte antropológico sinaliza para a possibilidade de superar certas concepções e práticas que predominaram ou que ainda predominam na educação matemática e para isso propõe, a noção-chave de praxeologia, interligando de maneira indissociável os aspectos matemáticos e didáticos do processo de estudo. Como a nossa intenção aqui é analisar esse referencial, compreender seus conceitos e postulados, e discutir as possibilidades de sua aplicação na pesquisa e na prática de ensino, entendemos ser muito importante destacara a diferença dessa proposta em relação as outras maneira de conduzir a prática de ensino da matemática. Em outros termos, ao defender uma nova visão, é importante mostrar a diferença incorporada em relação às práticas já instituídas. Por esse motivo, nos compete, lembrar do que podemos denominar tendência didática generalista, tendo em vista sua importância história e também sua presença nos cursos de formação inicial de professores, através da disciplina de didática, geralmente conduzida sem considerar a dimensão epistemológica do saber matemático. As raízes dessa tendência remontam aos meados do século XVII, onde a especificidade do saber envolvido na prática educativa não é considerada por entender que o mais importante seja o que todas as disciplinas têm em comum. A propósito dessa maneira de conceber a didática, é oportuno destacar aqui a posição de Brousseau (2005) ao relembrar o pensamento de Comenius, presente na sua histórica obra Didática Magna, de que “um método único é suficiente para todas as matérias”. Na formação inicial de professores, de certa forma, ainda predomina essa idéia generalista, quando se trata da chamada formação pedagógica prevista nos cursos de licenciatura e pedagogia. Durante muito tempo, predominou essa concepção de que um único método é suficiente todas as ciências, como se não houvessem diferenças mais relevantes entre matemática, arte ou língua portuguesa. Mas, esse paradigma conviveu durante muito tempo e ainda convive em certas instituições ao lado de outra tendência didática que consiste em atribuir uma centralidade, quase absoluta, aos conteúdos específicos da matemática, em detrimento das demais dimensões componentes do fenômeno cognitivo.
2.4 DIDÁTICA CONCEBIDA COMO A ARTE
Durante muito tempo, a Didática foi considerada como muito mais uma arte de ensinar do que uma técnica ou uma ciência que pudesse ampliar a dimensão racional do trabalho docente. Portanto, a condução da prática de ensino estava, de certa forma, condicionada por um dom que o professor precisa apenas desenvolver, mas sobre o qual não se tinha maior controle científico. Pairava uma visão meio mística em torno dessa maneira de compreender o trabalho realizado professor. Mesmo com a evolução da ciência, não quer dizer que estejamos livres dessa visão mística, no campo da educação. Entre os desafios enfrentados na superação dos obstáculos epistemológicos, sempre essa visão mística ressurge das cinzas onde parecia estar eternamente sepultada. A esse propósito, é oportuno lembrar a análise feita por Gascón (2003), ao descrever a necessidade do uso de modelos na atividade matemática, observando as constantes receitas mágicas com as quais nos deparamos do território cotidiano da Educação Matemática. É importante lembrar a presença dessas tentativas de se resolver os problemas educacionais, de forma aligeirada, porque na história recente não podemos esquecer dos equívocos resultantes do movimento tecnicista.
2.5 - DA VISÃO MÁGICA AO PONTO DE VISTA CLÁSSICO
Visão mágica do ensino da matemática é aquela construída somente com base no senso comum cotidiano da escola, tendo como uma referência os conteúdos a serem ensinados e uma verdadeira nebulosa quanto ao processo de aprendizagem. Até hoje, existem muitas afirmações de natureza quanto às supostas causas de dificuldades da aprendizagem da matemática e as supostas soluções. Muitas vezes essa visão mágica manifesta-se com alguns traço da influência de Comênio, mas realçando somente que ensinar é uma arte e remetendo à dimensão subjetiva do aluno ou do professor toda e qualquer responsabilidade pelos resultados.
“Essa forma um tanto mágica de considerar o ensino e a aprendizagem da matemática, foi evoluindo conforme crescia o interesse pela pesquisa dos fatos didáticos. Assim, desde os primórdios da didática da matemática como disciplina, foi consolidando um ponto de vista que denominaremos de clássico, o qual rompendo com a visão mágica, propunha a necessidade de analisar os processos envolvidos na aprendizagem da matemática para poder incidir sobre o rendimento dos alunos.” (Chevallard, Bosch e Gascón, 2001, p.73)
Nesse momento, entendia-se que o conhecimento do processo cognitivo da matemática pudesse fornecer informações importantes para ampliar as condições de ensino. Tendo como referência essa visão clássica, a aprendizagem era concebida como um fenômeno essencialmente psicológico e determinado pelo conjunto de competências do aluno ou do professor. Nos dizeres desses pesquisadores: o ponto de vista clássico toma como problemática didática uma ampliação da problemática espontânea do professor. Entretanto, nessa época, a didática da matemática ainda não tinha sido visualizada como ciência. Era concebida como um conjunto de técnicas que podiam ser supostamente aplicadas ao ensino da matemática, de maneira associada com outros conhecimentos: história, psicologia, filosofia, matemática, entre outros. Para ser possível usar no ensino as informações oriundas dessas diversas disciplinas a didática era considerada muito mais uma disciplina normativa do que explicativa do fenômeno de estudo.
2.6 - ENFOQUE CENTRADO NO PROFESSOR
Por volta de 1980, houve um período em que uma parte significativa das pesquisas de educação matemática estava volta para metodologia de ensino, procurando estudar como o professor poderia ou deveria organizar e conduzir a prática de ensino. Este foi um momento em que a didática estava de olhos mais voltados para o professor. Entendemos que esse agenciamento não despreza a dimensão psicológica do fenômeno didático, mas procurava ampliá-la pela busca de estratégias que pudessem implantar as práticas educativas supostamente compatíveis com as observações levantadas até aquele momento pelas pesquisas de fundo cognitivo. A intenção desse recorte de pesquisa era transformar o pensamento espontâneo do professor e procurar direcionar as práticas pelos fatos psicológicos observados. Esta era uma visão voltada mais para a dimensão pessoal do docente, como se o seu estilo didático fosse algo exclusivo. Essa maneira de entender a didática foi redimensionada pela abordagem antropológica porque o estilo de ensino não pertence exclusivamente ao docente, mas ao invés de remeter a questão para esse plano somente pessoal, devemos incorporar tratar das práticas por meio de uma noção bem mais plausível de ser objetivada que são as praxeologias. (Chevallard, Bosch e Gascón, 2001)
2.7 - ORGANIZAÇÃO CLÁSSICA PSICOLÓGICA
Chevallard, Bosch e Gascón (2001) empregam a expressão ponto de vista clássico para caracterizar o movimento didático que precedeu a evolução recente da Didática da Matemática rumo ao recorte antropológico, considerando a aporte da linha psicológica. Entretanto, estamos propondo denominar esse recorte do ponto de vista ou tendência clássica psicológica porque acreditamos ser importante diferenciá-lo de uma outra vertente também clássica que consiste na valorização quase exclusiva dos conteúdos matemáticos, a qual denominamos de tendência clássica dos conteúdos matemático, uma vez que visualiza quase somente a dimensão científica da educação matemática em detrimento dos demais aspectos.
Atribuir uma importância diferenciada à dimensão psicológica do fenômeno cognitivo é uma das características da tendência clássica psicológica da educação matemática, mas este não é o aspecto mais relevante a ser destacado, quando pretendemos analisar a diferença incorporada pela abordagem antropológica. A teoria da aprendizagem significativa proposta por David Ausubel (1968) exemplifica um enfoque centrado no pensamento do aluno, ao considerar que: “o objeto básico de estudo é o conhecimento matemático do aluno e sua evolução” (p. 74) Esse objeto revela a centralidade exercida pela psicologia.
2.8 PASSAGEM DA VISÃO CLÁSSICA PARA RECORTE EPISTEMOLÓGICO
Entre o momento auge do enfoque psicológico e a formulação do enfoque antropológico há um importante momento de ampliação de noções oriundas da psicologia genética, como é o caso dos esquemas de ação envolvidos na atividade matemática. Portanto, as rupturas envolvidas nesse movimento evolutivo não negam a importância dos aportes psicológicos, mas pretendem atribuir uma centralidade diferenciada à especificidade do saber matemático no fenômeno cognitivo, o que não foi o objetivo principal da vertente psicológica clássica.
2.9 CRÍTICA À DUPLA TENDÊNCIA CLÁSSICA
A característica das tendências clássicas quer seja no reduto isolado da matemática ou na linha psicológica é assumir de maneira não crítica os saberes envolvidos na prática educativa. O saber matemático é visto como um produto translúcido e desprovido de uma especificidade cognitiva que merecesse maior atenção por parte dos especialistas em didática. Por esse motivo, a evolução da Didática da Matemática, através do viés antropológico, teve que pagar o preço de uma ruptura epistemológica que consistiu em colocar o saber matemático no centro do fenômeno cognitivo, ou seja, problematizar o processo de aprendizagem por meio da especificidade do saber envolvido.
3) FONTES DE REFERÊNCIA DA PRÁTICA EDUCATIVA
3.1 - FONTES INSTITUCIONAIS
Cada instituição relacionada ao estudo da matemática defende uma maneira de conceber e praticar as ações educativas, quer seja no campo da pesquisa ou das atividades escolares. Na realidade, existe uma ampla rede de instituições, interligando o saber escolar ao saber acadêmico, passando pelo cotidiano, mas nenhuma delas tem, segundo nosso ponto de vista, o poder absoluto de decidir pela configuração geral da transposição didática. Dessa maneira, o professor não pode menosprezar a realidade viva dos conhecimentos construídos na vida cotidiana e que chegam à sala de aula através da consciência do aluno. Este conhecimento pode não ter a forma desejada pela cultura escolar, mas como todos os outros, resulta de um longo processo social de elaboração. Portanto, como existem diferentes caminhos para conceber e praticar a pesquisa e o ensino, a desejada possibilidade de diálogo depende também dessas escolhas. Não há nenhuma espontaneidade na transposição do saber matemático a ser ensinado, a partir das indicações das fontes de referência do trabalho docente, para as práticas realizadas na vivência escolar. As fontes institucionais envolvidas no currículo devem ser percebidas pelo professor, sem perder de vista a realidade da escola onde o processo de estudo ocorre em tempo real.
3.2 – INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
Nos últimos anos, tem ocorrido um aumento expressivo do número de orientações e de fontes curriculares, pedagógicas e didáticas. A grande maioria dessas fontes resultou do trabalho integrado de educadores, pesquisadores e também do poder público, através da criação de programas e legislação específica para atender as especificidades da área. Um destaque deve ser dado às fontes públicas da Educação Matemática: PCN, PNLD, Diretrizes da Formação de Professores e os Exames Nacionais. Diante desse quadro, somos levados a indagar pelas implicações potenciais desse vasto material na prática docente, na realidade viva da sala de aula, nas distantes escolas do interior das regiões mais pobres, nas periferias das grandes cidades e nas condições de melhoria da educação pública. Há uma grande distância entre a potencialidade contida nessas fontes e a realidade mais ampla da educacional nacional. O educador engajado com a realidade política e social do país não pode reduzir a dimensão dessa distância e os desafios existentes para a sua superação. Assim, somos levados a falar também, logo de início, de alguns desafios e obstáculos existentes nesse movimento.
3.3 - FUNÇÃO DAS ORIENTAÇÕES
Como conseqüência do problema da formação surge o desafio relacionado à função didática das atuais fontes públicas de influências da prática docente, como os PCN, as regras instituídas pelo PNLD, as Diretrizes Nacionais para a Formação Docente, os Exames Nacionais, entre outras. As orientações contidas nesses documentos resultam de um longo processo de pesquisa e também de avanço político da área. Mas é preciso lembrar que a função principal das fontes públicas de referência da prática é contribuir com o processo de formação docente e com a melhoria da qualidade da Educação Escolar, pois fornece informações com as quais o professor pode se engajar na expansão coletiva do seu próprio processo de formação. Não se trata de uma prática formativa isolada, mas de participar de maneira crítica de um amplo movimento de proposta de melhoria da educação matemática. O espaço da formação inicial é o local ideal para iniciar a compreensão do significado desses fontes e maneira de articular as suas orientações com a prática. Parece evidente que essa discussão somente tomará corpo na medida em que todos os responsáveis pela formação incorporarem de corpo e alma essa missão, rompendo a persistente separação entre conteúdos específicos e disciplinas pedagógicas. Em outros termos, trata-se de considerar, em termos mais amplos e institucionais, os resultados já produzidos nessas últimas décadas e as experiências bem sucedidas, mesmo que estas sejam, por vezes, parcialmente valorizadas no contexto da formação tradicional. É preciso superar qualquer mal entendido que possa existir quanto à finalidade ou função das fontes de influência da prática docente que não é jamais, segundo nosso entendimento, padronizar ações docentes, mas sim mostrar as estratégias mais representativas do atual estágio de maturidade científica da área como um todo. A direção a ser implementada no prática de ensino não deve ser aquela avalizada por uma ou por outra linha teórica, mas sim ser representativa dos principais convergências da área. Em vista da influência das fontes públicas, existem noções didáticas relativas ao ensino da matemática que revelam traços de uma prática docente idealizada (contextualização, articulação, diversificação, valorização da dimensão experimental, cálculo mental, uso da história no ensino, entre outras) O desafio a ser vencido na passagem dessa idealização para a prática é tratar a questão a partir das realidades institucionais envolvidas, sem esquecer o espaço da formação inicial onde o futuro já deve estar refletindo e agindo sobre tais noções.
3.4 DIVERSIFICAÇÃO DOS RECURSOS DIDÁTICOS
Diferentes recursos tecnológicos da informática estão cada vez mais próximos da sala de aula e provocam a nossa imaginação para identificar o estatuto a ser construído pelos educadores para o uso didático desses equipamentos. Se na parte administrativa os computadores estão, em várias escolas, auxiliando o controle dos dados educacionais, no plano pedagógico e didático, a discussão está apenas começando. Nosso interesse é procurar compreender as possíveis alterações na parte mais específica do estudo da matemática e também na prática docente, sobretudo, nas estratégias de organização da prática de ensino. Para abordar esse tema, descrevemos, nos próximos parágrafos, um exemplo relativo ao estudo da geometria, com a intenção de interligar possíveis alterações nas estratégias de ensino em decorrência do uso das tecnologias digitais.
3.5 –RECURSOS VISUAIS DE COMUNICAÇÃO (OSTENSIVOS)
Um dos aspectos associados ao uso dos computadores no ensino da matemática e que provoca uma reflexão quanto às práticas docentes diz respeito à diversificação dos recursos visuais de comunicação. A princípio, essa ampliação envolve todas as disciplinas, mas podemos indagar a respeito das possíveis diferenças no caso do ensino da matemática. Em uma pesquisa recente analisamos o caso de livros didáticos que mostram uma expansão do uso de recursos visuais de comunicação por meio de desenhos, fotos coloridos e esquemas gráficos, entre vários outros, associados aos conceitos geométricos. Trata-se de dispositivos usados pela implementar o componente visual da tarefa a ser realizada pelo aluno e pelo professor.
3.6 DIFERENTES RECURSOS DE PERSPECTIVA
Se por um lado, a diversificação do uso de recursos visuais acontece também nas outras disciplinas escolares, por outro, tais recursos redimensionam variáveis próprias do estudo da geometria, tal como a inserção de recursos diferencias para representar um sólido geométrico por meio de uma figura plana. Mais especificamente, o uso das cores para incrementar as técnicas do desenho em perspectiva, pela qual fica ressaltada a terceira dimensão do conceito representado. Dessa maneira, essa diversificação de recursos visuais não é apenas da inovação de mais um dispositivo, como se fosse algo sem muita novidades. Pelo contrário, se não altera os conceitos geométricos, provoca alterações nas técnicas e nos instrumentos de estudo. Destacar a terceira dimensão de um sólido geométrico através de uma perspectiva é uma técnica tradicional e importante de ser tratada pelo professor. Mas, com a incorporada do uso das tecnologias digitais, essa técnica está sendo ampliada por outras mais inovadoras que é a utilização de diferente tonalidades ou reflexos para ressaltar a terceira dimensão do sólido. A diversificação das tecnologias, no que diz respeito aos aspectos visuais são recursos de linguagem que, normalmente, não é totalmente contemplada pela representação semiótica, valorizando fotos, cores e outros recursos gráficos. Os pontos mostram certa convergência na caracterização do que existe em comum entre os livros didáticos atuais, revelando uma tendência de padronização no uso dos recursos sugeridos para o ensino da geometria. Entretanto, no plano formação docente, somos levados a pensar nos aspectos positivos e também nos limites dessa tendência. Essa questão motiva-nos a estruturar novos objetos de pesquisa para melhor compreender o atual processo de textualização do saber escolar e das práticas docentes.
4) CONTEXTO DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
4.1 - TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
Educação Matemática, Matemática Educativa, Didática da Matemática
Diversidade de linhas teóricas e programas de pesquisa
Não existe solução única para os problemas educacionais
Diversidade de linhas teóricas e programas de pesquisa
Não existe solução única para os problemas educacionais
A análise da prática educativa e da formação de professores deve ser realizada em sintonia com as diferentes tendências atuais da Educação Matemática. Como sabemos, a Educação Matemática vem se constituindo, nas últimas décadas, no Brasil e em vários outros países, em um amplo movimento educacional, onde é possível identificar diferentes linhas teóricas ou programas de pesquisa. No caso do Brasil, podemos citar: Etnomatemática, Modelagem, Tecnologias, Formação de Professores, História Educação Matemática, Aprendizagem e Didática da Matemática, entre outros. Utilizamos a esta expressão Didática da Matemática para expressar mais precisamente o chamado Programa Epistemológico, iniciado pelas pesquisas do educador francês Guy Brousseau, a partir do final dos anos 1970.
Para abordar as condições de diálogo entre a pesquisa e a prática docente no ensino da matemática, partimos do pressuposto que é preciso considerar o local onde essa troca de experiências pode ocorrer. Esse campo de reflexão é formado pelas tendências atuais da Educação Matemática, onde convivem diferentes linhas de pensamento e de ação, cada qual abordando algumas dimensões singulares da atividade matemática.
Dessa maneira, tendo em vista a diversidade do fenômeno educativo, no plano pedagógico mais amplo, não podemos esperar que haja uma convergência absoluta no tratamento das questões do ensino da matemática. Como acontece na área da Educação, na Educação Matemática, em particular, também somos levados a conviver com as diferentes escolhas teóricas e metodológicas. Cada problema, ao ser analisado no quadro de uma referência teórica, nem sempre tem a mesma solução dada por uma outra referência. As categorias e métodos escolhidos pelo pesquisador esboçam um tipo de solução específica cuja validade depende essencialmente do quadro de referências.
Em vista das raízes positivistas do saber matemático, por vezes, podemos ser levados a pensar que os problemas da educação têm uma solução única, como é usual ocorrer na ciência matemática, ao tratar de números e de equações. Mas, tudo indica que o fluxo da evolução possível não ocorre dessa maneira em vista da diversidade social e da natureza do fenômeno cognitivo.
4.2 - EXPANSÃO DA ÁREA
Para abordar as condições de diálogo entre a pesquisa e a prática docente no ensino da matemática, partimos do pressuposto que é preciso considerar o local onde essa troca de experiências pode ocorrer. Esse campo de reflexão é formado pelas tendências atuais da Educação Matemática, onde convivem diferentes linhas de pensamento e de ação, cada qual abordando algumas dimensões singulares da atividade matemática.
Dessa maneira, tendo em vista a diversidade do fenômeno educativo, no plano pedagógico mais amplo, não podemos esperar que haja uma convergência absoluta no tratamento das questões do ensino da matemática. Como acontece na área da Educação, na Educação Matemática, em particular, também somos levados a conviver com as diferentes escolhas teóricas e metodológicas. Cada problema, ao ser analisado no quadro de uma referência teórica, nem sempre tem a mesma solução dada por uma outra referência. As categorias e métodos escolhidos pelo pesquisador esboçam um tipo de solução específica cuja validade depende essencialmente do quadro de referências.
Em vista das raízes positivistas do saber matemático, por vezes, podemos ser levados a pensar que os problemas da educação têm uma solução única, como é usual ocorrer na ciência matemática, ao tratar de números e de equações. Mas, tudo indica que o fluxo da evolução possível não ocorre dessa maneira em vista da diversidade social e da natureza do fenômeno cognitivo.
4.2 - EXPANSÃO DA ÁREA
PÓS-GRADUAÇÃO, PUBLICAÇÕES E EVENTOS
PRÁTICAS INDUZIDAS NAS FONTES DE REFERÊNCIA
ALGUNS SINAIS DE MUDANÇA
EVOLUÇÃO DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA
PRÁTICAS INDUZIDAS NAS FONTES DE REFERÊNCIA
ALGUNS SINAIS DE MUDANÇA
EVOLUÇÃO DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA
4.2.1 - PÓS-GRADUAÇÃO, PUBLICAÇÕES E EVENTOS
A expansão científica da Educação Matemática, como área de pesquisa, nas últimas três décadas, revelam avanços que não podem ser esquecidos porque essa própria evolução revela algumas direções possíveis para a dinamização da prática e da formação docente.
O aumento do número de pesquisas e de cursos de pós-graduação em nível de Mestrado e Doutorado redimensionou o panorama existente em torno da década de 1980. Se nos dias de hoje, elaborar uma tese de doutorado é um projeto desafiador, há cerca de 30 anos as dificuldades eram bem maiores. Os pesquisadores pioneiros, no caso do Brasil, fizeram o doutoramento em Faculdades de Educação ou no exterior, mas hoje, além dessas mesmas possibilidades existe um número expressivo de instituições onde essa formação específica na área de Educação Matemática torna-se possível.
Por outro lado, aumentou de maneira significativa o número de publicações e, por conseguinte, ficou mais fácil o acesso aos textos especializados da área. Hoje, essa facilidade expande as condições do educador para levantar dados de pesquisa e também motivar a concepção de novas práticas.
O número de congressos e eventos especializados aumentou de forma expressiva, nos últimos anos. As publicações representativas dos diferentes Programas de Pesquisas da área são também cada vez mais acessíveis. Assim, ficam ampliadas as possibilidades de repensar concepções e práticas educativas.
4.2.2 - PRÁTICAS INDUZIDAS NAS FONTES DE REFERÊNCIAS
Um parte expressiva dos atuais livros didáticos, publicados na última década, trazem aspectos inovadores quanto às organizações didáticas e matemáticas, aos recursos pedagógicos e sugerem estratégias diferenciadas de ensino. Esse tipo de material expressa apenas praxeologias induzidas, que são indicadas ou sugeridas para professor, porque as atividades realizadas no contexto da aula estão sob a coordenação profissional do professor ou da professora. Mas, esses materiais se constituem em fontes importantes de referência para a prática docente uma vez que muitas dessas sugestões traduzem resultados de muitos anos de pesquisa e de reflexão.
4.2.3 - SINAIS DE MUDANÇAS
Há sinais de mudanças no cenário mais amplo da realidade da educação matemática, como mostram livros didáticos atuais, onde os conteúdos são usados como instrumento para resolver problemas, ao invés de serem tratados apenas como objeto de estudo. Propostas construtivistas originadas a partir do movimento da Escola Nova, no que diz respeito à valorização da dimensão experimental, estão presentes em muitas das estratégias atuais de ensino da matemática. Mas, por outro lado, sabemos também que as propostas construtivistas foram implementadas mais facilmente em nível das séries iniciais, tendo em vista as condições específicas da faixa etária envolvida. A liderança exercida por Euclides Roxo, em torno da década de 1930, aconteceu em um momento de particular crescimento da influência das idéias do movimento da Escola Nova no ensino da matemática. Mas, quando analisamos algumas práticas predominantes no Ensino Médio, por exemplo, percebemos que a visão construtivista não tem a mesma presença que tem nas séries iniciais. Por outro lado, a partir da influência do movimento tecnicista, predominante na década de 1970, ainda existem traços atuais dessa vertente pedagógica calcada na valorização do uso irrefletido do automatismo, da cópia e da repetição como estratégias de ensino, em detrimento das ações e dos argumentos que justificam a validade dos modelos e das regras presentes no estudo da matemática.
4.3 - EVOLUÇÃO DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA
A expansão científica da Educação Matemática, como área de pesquisa, nas últimas três décadas, revelam avanços que não podem ser esquecidos porque essa própria evolução revela algumas direções possíveis para a dinamização da prática e da formação docente.
O aumento do número de pesquisas e de cursos de pós-graduação em nível de Mestrado e Doutorado redimensionou o panorama existente em torno da década de 1980. Se nos dias de hoje, elaborar uma tese de doutorado é um projeto desafiador, há cerca de 30 anos as dificuldades eram bem maiores. Os pesquisadores pioneiros, no caso do Brasil, fizeram o doutoramento em Faculdades de Educação ou no exterior, mas hoje, além dessas mesmas possibilidades existe um número expressivo de instituições onde essa formação específica na área de Educação Matemática torna-se possível.
Por outro lado, aumentou de maneira significativa o número de publicações e, por conseguinte, ficou mais fácil o acesso aos textos especializados da área. Hoje, essa facilidade expande as condições do educador para levantar dados de pesquisa e também motivar a concepção de novas práticas.
O número de congressos e eventos especializados aumentou de forma expressiva, nos últimos anos. As publicações representativas dos diferentes Programas de Pesquisas da área são também cada vez mais acessíveis. Assim, ficam ampliadas as possibilidades de repensar concepções e práticas educativas.
4.2.2 - PRÁTICAS INDUZIDAS NAS FONTES DE REFERÊNCIAS
Um parte expressiva dos atuais livros didáticos, publicados na última década, trazem aspectos inovadores quanto às organizações didáticas e matemáticas, aos recursos pedagógicos e sugerem estratégias diferenciadas de ensino. Esse tipo de material expressa apenas praxeologias induzidas, que são indicadas ou sugeridas para professor, porque as atividades realizadas no contexto da aula estão sob a coordenação profissional do professor ou da professora. Mas, esses materiais se constituem em fontes importantes de referência para a prática docente uma vez que muitas dessas sugestões traduzem resultados de muitos anos de pesquisa e de reflexão.
4.2.3 - SINAIS DE MUDANÇAS
Há sinais de mudanças no cenário mais amplo da realidade da educação matemática, como mostram livros didáticos atuais, onde os conteúdos são usados como instrumento para resolver problemas, ao invés de serem tratados apenas como objeto de estudo. Propostas construtivistas originadas a partir do movimento da Escola Nova, no que diz respeito à valorização da dimensão experimental, estão presentes em muitas das estratégias atuais de ensino da matemática. Mas, por outro lado, sabemos também que as propostas construtivistas foram implementadas mais facilmente em nível das séries iniciais, tendo em vista as condições específicas da faixa etária envolvida. A liderança exercida por Euclides Roxo, em torno da década de 1930, aconteceu em um momento de particular crescimento da influência das idéias do movimento da Escola Nova no ensino da matemática. Mas, quando analisamos algumas práticas predominantes no Ensino Médio, por exemplo, percebemos que a visão construtivista não tem a mesma presença que tem nas séries iniciais. Por outro lado, a partir da influência do movimento tecnicista, predominante na década de 1970, ainda existem traços atuais dessa vertente pedagógica calcada na valorização do uso irrefletido do automatismo, da cópia e da repetição como estratégias de ensino, em detrimento das ações e dos argumentos que justificam a validade dos modelos e das regras presentes no estudo da matemática.
4.3 - EVOLUÇÃO DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA
A arte de ensinar tudo a todos (Comênios)
Transmitir conhecimentos matemáticos (visão clássica)
Estudar atividades que tem por objeto o ensino (Brousseau, 1986)
Estudar as condições de produção e difusão do saberes matemáticos úteis às sociedades e às relações humanas (Brousseau, 1995)
Didática da Matemática é a ciência que por objeto o estudo e o suporte ao estudo das questões matemáticas (Chevallard, 2001)
Transmitir conhecimentos matemáticos (visão clássica)
Estudar atividades que tem por objeto o ensino (Brousseau, 1986)
Estudar as condições de produção e difusão do saberes matemáticos úteis às sociedades e às relações humanas (Brousseau, 1995)
Didática da Matemática é a ciência que por objeto o estudo e o suporte ao estudo das questões matemáticas (Chevallard, 2001)
Quanto ao processo evolutivo da Didática da Matemática, Bosch e Chevallard, em um trabalho cujo objetivo é analisar o papel dos objetos ostensivos na atividade matemática, destacam o seguinte:
A teoria das situações situa a Didática da Matemática no quadro de uma ciência das condições de produção e de difusão dos saberes úteis às sociedades e às relações humanas. (Brousseau, 1995, p. 4). Um texto anterior apresenta uma definição um pouco mais precisa: chamamos de Didática da Matemática a ciência das condições específicas de difusão impostas dos saberes matemáticos úteis aos membros e às instituições da humanidade. (Brousseau, 1994). Se relembrarmos que, nos momentos iniciais de sua constituição, a Didática da Matemática era concebida com o objetivo de estudar as atividades que têm por objeto o ensino, evidentemente no que existe de específico nesse ensino em relação à Matemática. (Brousseau, 1986, p.35). Assim, vemos o quanto a definição do objeto da Didática da Matemática expandiu progressivamente, muito além das práticas escolares. (Bosch e Chevallard, 2004) [1.1]
A evolução da Educação Matemática, como área de pesquisa e como uma disciplina com projeções na sala de aula, pode ser hoje analisada a partir de diferentes ângulos. Pesquisas realizadas nas últimas décadas, permitiram, de maneira geral, repensar as práticas escolares tradicionais, alteraram, pelo menos em parte, a estrutura dos cursos de formação de professores, avançaram os parâmetros específicos para área e indicaram estratégias metodológicas mais significativas, muito diferentes das práticas concebidas e praticadas pela vertente clássica do ensino da Matemática. Entretanto, para falar dessa evolução, nossas considerações ficarão restritas ao domínio da Didática da Matemática, do chamado Programa Epistemológico, proposto pelo educador francês Guy Brousseau, no final da década de 1970 e mais particularmente ainda do recorte antropológico esboçado pelo Chevallard (2002).
Não há como deixar de reconhecer que houve um avanço qualitativo na definição do objeto de estudo da Didática da Matemática, no sentido de minimizar a distância existente entre os conteúdos curriculares e as atividades matemáticas realizadas no contexto cultural mais amplo da sociedade. Desse modo, somos levados a perceber a existência de duas culturas, que devem ser analisadas com cuidado porque nem sempre correspondem à realidade com a qual gostaríamos de tratar as atividades escolares. Uma dessas culturas diz respeito à produção genuína das pessoas que fazem matemática efetivamente no cotidiano, nas mais diversas instituições, com uma formalização nem sempre compatível com a aquele defendida por uma facção expressiva da escola. A outra cultura é aquela originada no contexto interno da território escolar, procurando, muitas vezes, até mesmo, excluir o conhecimento matemático construído no mundo da vida. São duas maneiras diferentes de conceber a educação escolar. Portanto, reconhecer o avanço construído pela área não significa dizer as mudanças estejam ocorrendo no campo vivo da sala de aula, porque existe uma disputa constante entre essas duas maneira de pensar a cultura escolar.
4.4 – REAÇÃO CONTRA O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
Como sabemos, há um problema crucial no movimento da Educação Matemática que consiste em ampliar as condições de diálogo entre a pesquisa e as práticas educativas. Aliás, esse é o tema motivador do IX Encontro Nacional de Educação Matemática. Esse diálogo é um desafio a ser ampliado com a participação de todos os Programas de Pesquisas que constituem o movimento mais amplo da Educação Matemática, entre os quais incluímos o Programa Epistemológico, originado com os trabalhos de Brousseau, no final da década de 1970. A evolução da Didática da Matemática deve ser analisada no contexto da reação, originada na década de 1960, contra as idéias estruturalistas do Movimento da Matemática Moderna. De certa forma, as propostas iniciais da Didática da Matemática tentam implementar pressupostos da Escola Nova, mas considerando a especificidade própria do saber matemático. A evolução da Didática da Matemática, nas últimas décadas, permitiu a elaboração de uma abordagem antropológica do fenômeno cognitivo, onde o saber matemático passou a ser concebido em sintonia com as atividades onde esse conhecimento é utilizado. Essa nova abordagem permitiu que a Educação Matemática pudesse ser analisada a partir de um conjunto de postulados e princípios não delimitados ao espaço escolar.
4.5 ANTROPOLOGIA COGNITIVA
O desenvolvimento da DM resultante das últimas décadas consiste na aproximação de uma abordagem antropológica de cunho cognitivo e cultural.
A teoria das situações situa a Didática da Matemática no quadro de uma ciência das condições de produção e de difusão dos saberes úteis às sociedades e às relações humanas. (Brousseau, 1995, p. 4). Um texto anterior apresenta uma definição um pouco mais precisa: chamamos de Didática da Matemática a ciência das condições específicas de difusão impostas dos saberes matemáticos úteis aos membros e às instituições da humanidade. (Brousseau, 1994). Se relembrarmos que, nos momentos iniciais de sua constituição, a Didática da Matemática era concebida com o objetivo de estudar as atividades que têm por objeto o ensino, evidentemente no que existe de específico nesse ensino em relação à Matemática. (Brousseau, 1986, p.35). Assim, vemos o quanto a definição do objeto da Didática da Matemática expandiu progressivamente, muito além das práticas escolares. (Bosch e Chevallard, 2004) [1.1]
A evolução da Educação Matemática, como área de pesquisa e como uma disciplina com projeções na sala de aula, pode ser hoje analisada a partir de diferentes ângulos. Pesquisas realizadas nas últimas décadas, permitiram, de maneira geral, repensar as práticas escolares tradicionais, alteraram, pelo menos em parte, a estrutura dos cursos de formação de professores, avançaram os parâmetros específicos para área e indicaram estratégias metodológicas mais significativas, muito diferentes das práticas concebidas e praticadas pela vertente clássica do ensino da Matemática. Entretanto, para falar dessa evolução, nossas considerações ficarão restritas ao domínio da Didática da Matemática, do chamado Programa Epistemológico, proposto pelo educador francês Guy Brousseau, no final da década de 1970 e mais particularmente ainda do recorte antropológico esboçado pelo Chevallard (2002).
Não há como deixar de reconhecer que houve um avanço qualitativo na definição do objeto de estudo da Didática da Matemática, no sentido de minimizar a distância existente entre os conteúdos curriculares e as atividades matemáticas realizadas no contexto cultural mais amplo da sociedade. Desse modo, somos levados a perceber a existência de duas culturas, que devem ser analisadas com cuidado porque nem sempre correspondem à realidade com a qual gostaríamos de tratar as atividades escolares. Uma dessas culturas diz respeito à produção genuína das pessoas que fazem matemática efetivamente no cotidiano, nas mais diversas instituições, com uma formalização nem sempre compatível com a aquele defendida por uma facção expressiva da escola. A outra cultura é aquela originada no contexto interno da território escolar, procurando, muitas vezes, até mesmo, excluir o conhecimento matemático construído no mundo da vida. São duas maneiras diferentes de conceber a educação escolar. Portanto, reconhecer o avanço construído pela área não significa dizer as mudanças estejam ocorrendo no campo vivo da sala de aula, porque existe uma disputa constante entre essas duas maneira de pensar a cultura escolar.
4.4 – REAÇÃO CONTRA O MOVIMENTO DA MATEMÁTICA MODERNA
Como sabemos, há um problema crucial no movimento da Educação Matemática que consiste em ampliar as condições de diálogo entre a pesquisa e as práticas educativas. Aliás, esse é o tema motivador do IX Encontro Nacional de Educação Matemática. Esse diálogo é um desafio a ser ampliado com a participação de todos os Programas de Pesquisas que constituem o movimento mais amplo da Educação Matemática, entre os quais incluímos o Programa Epistemológico, originado com os trabalhos de Brousseau, no final da década de 1970. A evolução da Didática da Matemática deve ser analisada no contexto da reação, originada na década de 1960, contra as idéias estruturalistas do Movimento da Matemática Moderna. De certa forma, as propostas iniciais da Didática da Matemática tentam implementar pressupostos da Escola Nova, mas considerando a especificidade própria do saber matemático. A evolução da Didática da Matemática, nas últimas décadas, permitiu a elaboração de uma abordagem antropológica do fenômeno cognitivo, onde o saber matemático passou a ser concebido em sintonia com as atividades onde esse conhecimento é utilizado. Essa nova abordagem permitiu que a Educação Matemática pudesse ser analisada a partir de um conjunto de postulados e princípios não delimitados ao espaço escolar.
4.5 ANTROPOLOGIA COGNITIVA
O desenvolvimento da DM resultante das últimas décadas consiste na aproximação de uma abordagem antropológica de cunho cognitivo e cultural.
Expansão do quadro de estudos escolares
Os aspectos didáticos e matemático estão essencialmente integrados.
O aspecto técnico-prático é indissociável do aspecto tecnológico-teórico.
DM é a ciência do estudo e da ajuda ao estudo das questões matemáticas.
Os aspectos didáticos e matemático estão essencialmente integrados.
O aspecto técnico-prático é indissociável do aspecto tecnológico-teórico.
DM é a ciência do estudo e da ajuda ao estudo das questões matemáticas.
4.6 - DIMENSÃO CIENTÍFICA DA DIDÁTICA DA MATEMÁTICA
O aspecto científico essencial da DM consiste em construir modelos que possam expressar a complexidade do saber matemático através das atividades inerentes a esse tipo particular conhecimento humano.
O aspecto científico essencial da DM consiste em construir modelos que possam expressar a complexidade do saber matemático através das atividades inerentes a esse tipo particular conhecimento humano.
O que caracteriza a dimensão científica da didática?
O “mistério” está na matemática e não nos sujeitos
O saber matemático é o objeto primário de estudo
Objeto da didática ultrapassa o contexto escolar
O “mistério” está na matemática e não nos sujeitos
O saber matemático é o objeto primário de estudo
Objeto da didática ultrapassa o contexto escolar
O aspecto científico essencial da DM consiste na definição do saber matemático como objeto primário de estudo. A intenção de construir uma abordagem científica da didática leva a escolher o saber matemático como foco principal da pesquisa. Trata-se de analisar o saber matemático e as atividades matemáticas que professores e alunos são levados a estudar em conjunto. O objeto da DM não é constituído pelas dificuldades encontradas pelo professor ou pelo aluno e nem o saber matemático concebido de forma isolada de uma atividade estruturada. Dessa maneira, o saber matemático passa a ser concebido de forma inserida em uma prática efetivamente compartilhada pelo aluno e pelo professor. Daí, a centralidade concedida à atividade matemática. A dimensão científica da didática consiste em problematizar o estudo da matemática. Enquanto a tendência clássica não tem como objetivo mergulhar na complexidade do fenômeno cognitivo decorrente do saber matemático e somente visualiza aqueles problemas decorrentes das pessoas que estudam esse saber. A visão antropológica propõe uma direção diferente, ao supor que o mistério está na natureza da atividade matemática e não exatamente nas pessoas que realizam essa atividade. Em outras palavras, a visão clássica não concebe a existência de maiores problemas na aprendizagem na matemática e a responsabilidade por qualquer dificuldade é atribuída exclusivamente aos atores envolvidos no estudo. Se os problemas essenciais relacionados ao estudo da matemática estivessem, de fato, nas pessoas até faria sentido admitir que o objeto da didática ficasse delimitado no espaço escolar, mas a abordagem antropológica propõe romper com esse paradigma clássico.
4.7 - PRINCÍPIO METODOLÓGICO
A evolução da DM ocorre em sintonia com a defesa de um princípio metodológico: o aspecto matemático se localiza na essência dos fenômenos didáticos.
4.7 - PRINCÍPIO METODOLÓGICO
A evolução da DM ocorre em sintonia com a defesa de um princípio metodológico: o aspecto matemático se localiza na essência dos fenômenos didáticos.
Este princípio conduz ao problema da modelagem da ATM
O objetivo da ciência é a construção de modelos
Condição necessária para redefinir a prática docente
O objetivo da ciência é a construção de modelos
Condição necessária para redefinir a prática docente
Deslocar o saber matemático da uma confortável posição clássica, endossada pela visão positivista, para considerá-lo como parte integrante e essencial do fenômeno educativo, implica no desafio de definir princípios metodológicos que possam redimensionar as práticas tradicionais. Em decorrência desse princípio, não se trata, como acontece na linha clássica, de idealizar a existência de supostas condições ideais de transmissão do conhecimento, como se a atividade matemática fosse um objeto material que pudesse ser passado das mãos de uma pessoa para outra. Mas, pelo contrário, trata-se de problematizar o que era supostamente desprovido de qualquer problema. As dificuldades de aprendizagem da matemática foram analisadas, durante muito tempo e ainda continuam sendo, quase que exclusivamente com referenciais voltados mais para a compreensão do plano pessoal de aluno, como se não houvesse maiores problemas a dimensão específica do saber matemático.
4.8 - RUPTURAS EPISTEMOLÓGICAS
Para compreender melhor as diferenças entre a abordagem antropológica e a visão clássica da educação matemática é necessário destacar as rupturas propostas pelo Programa Epistemológico.
4.8 - RUPTURAS EPISTEMOLÓGICAS
Para compreender melhor as diferenças entre a abordagem antropológica e a visão clássica da educação matemática é necessário destacar as rupturas propostas pelo Programa Epistemológico.
Primeira ruptura: o aspecto matemático é a essência do fenômeno didático
Segunda ruptura: elaborar uma ciência dos fenômenos didáticos
Terceira ruptura: a aprendizagem ocorre através de atividades
São rupturas iniciadas pela teoria das situações didáticas
Segunda ruptura: elaborar uma ciência dos fenômenos didáticos
Terceira ruptura: a aprendizagem ocorre através de atividades
São rupturas iniciadas pela teoria das situações didáticas
O conhecimento matemático pode ser apreendido somente através das atividades que esse conhecimento permitem realizar. A teoria das situações didáticas e em particular a noção de situação fundamental é um convite e um caminho para que o professor e aluno coloquem os pés no chão e a cabeça na atividade matemática. Para superar os limites da visão tradicional do ensino da matemática, a teoria das situações propõe que um conhecimento matemático seja concebido como uma atividade. Em termos mais diretos, passa-se a conceber que um conhecimento é uma situação. Na realidade, essa concepção significa uma mudança considerável nas práticas tradicionais onde o foco principal está muito mais voltado para os conceitos do que para as ações realizadas no estudo desses conceitos. Em síntese, quando se propõe uma reflexão em torno do significado das rupturas provocadas pela Didática da Matemática, esta sendo chamada a atenção para a importância da atividade efetiva, presente em uma situação didática. Não se trata mais de centralizar o olhar para um suposto mundo platônico de idéias distantes do mundo da vida do aluno.
4.9 - SIGNIFICADO DAS RUPTURAS
4.9 - SIGNIFICADO DAS RUPTURAS
Qual é o significado dessas rupturas para a prática de ensino?
A importância da noção de Situação Fundamental
Repensar os conteúdos matemáticos escolares
O conhecimento é elaborado através da atividade
A importância da noção de Situação Fundamental
Repensar os conteúdos matemáticos escolares
O conhecimento é elaborado através da atividade
Para Bosch e Chevallard (2004), as rupturas provocadas pelas propostas idealizadas pela Didática da Matemática nem sempre foram bem interpretadas como deveriam ser e para esclarecer melhor o significado desse rompimento com a visão clássica, esses autores retomam a noção de situação fundamental, proposta por Brousseau (1986).
4.10 - SITUAÇÃO FUNDAMENTAL
A noção de situação fundamental é um instrumento-chave para romper com a visão tradicional de ensino e expandir as condições para implementar uma prática concebida a partir de um recorte antropológico na educação matemática. Para os autores acima mencionados (Bosch e Chevallard, 2004), a noção de situação fundamental se constitui em um instrumento-chave para caracterizar o conhecimento matemático de uma maneira muito mais ampla do que aquela proposta pela vertente idealista ou clássica. Sem minimizar a importância dos conceitos matemáticos, a localização da atividade matemática no contexto social e cultural visa resgatar as situações onde o estudo da matemática e verdadeiramente vivenciado pelas pessoas.
4.11 - CONTEÚDOS MATEMÁTICOS ESCOLARES
A teoria das situações didáticas permite repensar, de maneira crítica, os conteúdos matemáticos ensinados na escola e a visão clássica de priorizar a compreensão de conceitos em detrimentos da atividade matemática. Dessa maneira, conforme defendem Bosch e Chevallard, quando Brousseau (1986) propõe a noção de situação fundamental, está propondo uma reflexão mais profunda a propósito da natureza dos conteúdos matemáticos escolares. Já existe na síntese dessa noção a intenção de não conceber o estudo da matemática da mesma forma como é concebido nas práticas tradicionais, ou seja, de maneira isolada das práticas culturais mais amplas da sociedade. Por esse caminho, a teoria das situações didáticas abre espaço para uma nova maneira de conceber o conhecimento matemático, contemplando desde os aspectos instituídos pelas fontes acadêmicas da transposição didática, passando pelo universo das práticas sociais, até chegar em aspectos que permanecem implícitos no plano interno da consciência do aluno, mas cuja existência se revela de maneira viva através das ações por ele realizadas.
4.12 - PRINCÍPIO TEÓRICO
Todo conhecimento matemático pode ser descrito em termos de situações fundamentais. Este princípio garante a possibilidade de construção de modelos locais para estudar os diferentes conteúdos
5) ELEMENTOS DE SÍNTESE
5.1 - RELAÇÃO ENTRE MATEMÁTICA E DIDÁTICA
A teoria antropológica defende o princípio da articulação integrada entre organizações matemáticas e didáticas. Cada elemento constituinte de uma praxeologia (tarefa, técnica, tecnologia e teoria) tem, ao mesmo tempo, natureza matemática e didática. O conhecimento matemático resulta da atividade de estudo e o objeto da didática é esse processo de estudo. A elaboração do conhecimento depende do envolvimento das pessoas e das instituições em um efetivo processo de estudo e assim o ensino passa a ser apenas um recurso para o estudo e a aprendizagem uma conseqüência das ações vivenciadas pelo estudante. A noção de praxeologia, proposta por Chevallard (1998) sintetiza esses dois aspectos da atividade matemática. Portanto, ao estudar as práticas docentes, somos levados pensar em uma outra maneira de conceber as relações entre os conteúdos matemáticos e as disciplinas pedagógicas. Como não existe uma separação absoluta entre os aspectos didáticos e matemáticos, não faz sentido conceber as disciplinas específicas de forma isolada dos aspectos didáticos, da mesma maneira como também não faz sentido idealizar as disciplinas pedagógicas desprovidas de vínculos com a atividade matemática. Esse é um ponto nevrálgico de grande parte dos atuais modelos de formação de professores que insistem na vertente da separação e do isolamento ao invés de lançar articulações em busca da expansão do significado.
5.2 - FRAGMENTAÇÃO DO SABER
Existe um nível bem mais sutil de fragmentação do saber além daquele concernente às especializações decorrentes das várias disciplinas. Trata-se da fragmentação entre o aspecto didático e matemático, uma negação do fluxo de construção histórica e cultural do conhecimento. As práticas tradicionais adotadas na formação docente, nos cursos de Licenciatura e de Pedagogia, em sua maioria, são concebidos como se houvesse uma separação absoluta entre matemática e didática. Um dos exemplos dessa separação está no modelo onde pressupõe, primeiramente, uma formação de matemática e depois uma complementação nas chamadas disciplinas pedagógicas, comumente chamado de modelo três mais um. Com a implantação das novas diretrizes da formação de professores de matemática, no plano das resoluções e das portarias esse modelo parece não existir mais. Entretanto, é preciso ainda indagar, com toda serenidade, se na prática efetiva dos formadores ainda não prevalece esse “modelo” que concebe a didática apenas como um complemento. A teoria antropológica do didático propõe uma direção completamente diferente desta. Os elementos matemáticos de uma praxeologia estão fortemente interligados a um outro conjunto de elementos de natureza didática, constituído por objetivos, valores, métodos, estratégias de avaliação, dispositivos didáticos, envoltos ainda pelas condições da instituição na qual as práticas ocorrem. Não é suficiente conhecer apenas a mecânica de funcionamento do algoritmo, de forma circunscrita ao território interno de uma disciplina. Além do domínio dos conteúdos conceituais e das praxeologias associadas, o trabalho docente leva-nos a refletir sobre como irá funcionar o entrelaçamento entre as organizações matemáticas e didáticas, lembrando que não há neutralidade no saber científico. De onde, os conceitos estão forçosamente interligados a conteúdos procedimentos e atitudinais. (conteúdos atitudinais são aqueles que não podem ser traduzidos por meio de procedimentos algorítmicos, tais como valores, intuições, senso crítico, oralidade, entre outros) Segundo nosso ponto de vista, essa é a essência educacional da questão metodológica. O ensino tradicional faz opção por uma visão na qual predomina, quase somente, a parte estática das praxeologias matemáticas, sem considerar os valores que podem ser associados à utilização do saber científico.
5.3 - SUPERAÇÃO DAS POSIÇÕES RADICAIS
A possibilidade de ampliar as condições de diálogo entre a prática e a pesquisa passa também pela superação das posições radicais, sobretudo, aquelas que estão presentes na formação básica dos futuros professores. Certamente, não há solução mágica para fazer avançar esse problema, mas uma das linhas de atuação é a construção articulada da elaboração das organizações didáticas e matemáticas, considerando os vínculos com as atividades humanas e sociais. Os professores podem ser incentivados a intervirem com mais intensidade nas questões pedagógicas, para modificar as condições de profissionalização da carreira docente. Mas, há uma dificuldade a ser vencida que é a superação da crença de que a intervenção isolada no nível do pedagógico possa determinar a parte essencial do trabalho didático. O nível de determinação do saber pedagógico, em vista de sua generalidade, nem sempre contribui para ampliar as condições da prática de ensino da matemática porque não é seu objetivo atingir a especificidade das questões didáticas. Isso não quer dizer que haja uma enorme distância entre as questões pedagógicas e didáticas, mas a identificação entre esses dois níveis, por certo, foi responsável por muitas confusões no contexto da formação e da prática docente. Por esse motivo, entre as competências docentes está a disponibilidade para compreender de maneira articulada e consciente as características comuns a todas as disciplinas e o que pertence ao território de uma área específica de conhecimento. Essa ligação entre o pedagógico e didático pode interpretada, segundo nosso entendimento, a partir da observação feita por Shulman (1992) quando destaca a noção de compreensão como uma noção essencial para o exercício da docência.
5.4 - FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE MATEMÁTICA
Nesse sentido, a superação do modelo tradicional de formação, no qual os aspectos didáticos são, quase sempre, tratados de maneira separada dos aspectos matemáticos, passa pelo viés da prática reflexiva no sentido amplo do termo, ou seja, incluindo aí as práticas dos formadores de professores. A realização da prática reflexiva é possível a partir do estudo integrado dos diferentes fundamentos da atividade matemática: epistemológicos, antropológicos, didáticos, históricos, entre outros, além da própria dimensão científica. D’Amore (2004) destaca a necessidade de ampliar a reflexão em torno da formação de professores de matemática quanto à valorização desses fundamentos. De modo geral, esse tipo de conhecimento não é estudado na formação inicial, talvez, com exceção da história da matemática, muitas vezes, estudada somente de forma centralizada em torno do território conceitual. Em suma, a especificidade do trabalho docente relativo ao saber matemático, ainda não é suficientemente analisada na formação de professores. Além de expandir a compreensão do saber matemático na direção conceitual, o estudo das bases epistemológicas proporciona uma linha de reflexão educacional, resgatando a localização da atividade matemática no quadro das institucionais que é a origem do conhecimento. Além do mais, o estudo dos aspectos epistemológicos do saber matemático para subsidiar a prática docente, decorre da importância de se ter uma percepção e uma consciência reflexiva quanto à possibilidade de ocorrer obstáculos didáticos associados às raízes conceituais da disciplina.
5.5 - MATEMATIZAÇÃO DO ESTUDO
A partir de uma análise epistemológica e didática do saber matemático, sem perder de vista as referências antropológicas que deram origem ao saber, o professor pode minimizar os efeitos não desejáveis da matematização do estudo, conforme observa Chevallard (1998). Para realizar uma prática reflexiva crítica é preciso identificar um problema persistente na vertente clássica do Ensino da Matemática que é identificação metodológica entre a maneira de organizar o texto matemático e conduzir as estratégias de estudo. Em um estudo recente, percebemos que entre os autores do início do século XX, interessados pela questão metodológica da matemática estava Júlio Rey Pastor (1888 – 1962, que foi professor da Universidade de Madri e, por muitos anos, trabalhou na Universidade de Buenos Aires, onde contribuiu na formação da primeira geração de matemáticos desse país, sempre atento às questões educacionais. Na década de 1920, sua produção científica contribuiu para o desenvolvimento teórico da geometria. Rey Pastor realizou estudos sobre Epistemologia da Matemática com a preocupação de discutir as suas implicações didáticas. Entre suas obras está a Metodologia de la Matemática, publicada em 1926, com reedições na década de 1940. Esta obra apresenta um ponto de vista fundamental da questão metodológica do ensino da matemática, ao destacar os riscos da metodologia de ensino ser confundida com a metodologia de produção da ciência. A primeira está mais ligada à Didática e a sua finalidade é estruturar as atividades escolares, enquanto a segunda pertence ao plano acadêmico, com a finalidade de regular a produção de novos conhecimentos. O destaque feito por esse autor chama a atenção para o que tem sido o principal equívoco da vertente tradicional: confundir as estratégias de ensino com as condições exigidas na sistematização final do texto matemático. Existe neste ponto uma verdadeira nebulosa epistemológica, uma nuvem na qual se perdem as estratégias tradicionais e os resultados dessa identificação são desastrosos. Mais especificamente, trata-se de adotar o método lógico-dedutivo, tal como é valorizado para sistematizar o saber matemático. A degeneração dessa vertente recai no formalismo, quando a sistematização é tratada como sendo a principal condição do ensino escolar. Considerando os conceitos da abordagem antropológica, sugerimos incluir entre os elementos do processo de matematização do estudo essa identificação entre a forma de redigir o texto matemático e as estratégias de condução do ensino escolar.
6) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bosch, Marianna e Chevallard, Yves. La sensibilité de l’activité mathématique aux ostensifs object d’étude et problematique. Recherches en Didactique des Mathématiques. Paris: 1999, vol 19, n. 1, p.77-124.
BRASIL. Ministério da Educação. Programa Nacional do Livro Didático. Guia de Livros Didáticos: 1ª a 4ª séries – PNLD 2000/2001. Brasília: MEC, 2001
Bruno D’Amore (2005, p. 19) destaca o processo evolutivo da sistematização dos fundamentos teóricos da Didática da Matemática. Trata-se de um processo lento ainda em curso de desenvolvimento. Um grande número de resultados de pesquisa foi sendo acumulado no transcorrer das últimas décadas.
CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Porto Alegre: Teoria e Educação, n. 2, p. 177-229, 1990.
CHERVEL, A. La Culture Scolaire. Paris, Editora Belin, 1990.
CHEVALLARD, Y. Analyse des pratiques enseignantes et didactique des mathematiques: a abordagem atnropologique. In Atas da Universidade de Verão ralizada na cidade Rochelle. Clermont-Ferrand: Editora do IREM, 1998.
CHEVALLARD, Y. La Transposition Didactique. Paris: Pensée Souvage, 1991.
CHEVALLARD, Y. Organiser l’étude Ecologia et Regulation, Atas da 11ª Escola de Verão de Didática da Matemática, pela Editora La Pensée Sauvage: 2002.
CHEVALLARD, Y. Former des professeurs, construire la profession de professeur. Seminário de Formação de Professores realizado no dia 17/05/2006 e disponível na Internet, na página: www.aix-mrs.iufm.fr/formations/filieres/mat/index.html, no dia 09 de junho de 2007: IUFM, Marselha, 2006.
D’AMORE, Bruno. El papel de la epistemología em la formación de professores de matemática de la escuela secundaria. Revista de la Sociedad Andaluza de Educación Matemátia Thales. Sevilha (Espanha) 2004 (pp 413-434)
FRANCHI, A. et alii. Matemática. In: “Definição de critérios para avaliação dos livros didáticos de 1a a 4a Série”. Brasília: FAE, 1994.
Gascón, Josep. La Necesidad de utilizar modelos en didáctica de las matemáticas. Educação Matemática Pesquisa. V. 5 n. 2 pp 11-37. São Paulo: Ed PUC, 2003.
LOPES, J. A. O livro didático, o autor e as tendências em Educação Matemática. In Escritas e Leituras na Educação Matemática, Nacarato e Lopes (org.). Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
SHULMAN. L. S. Renewing the pedagogy of teacher education: The impact of subject-specific conceptions af teaching. Comunicação apresentada no Encontro Las Didacticas Específicas en Ia Formación Del Professarado. Santiago do Compostela. 1992.
VALENTE, W. A disciplina Matemática: etapas históricas de um saber escolar no Brasil. In OLIVEIRA, M. e RANZI, S. (org.) História das Disciplinas Escolares no Brasil: contribuições para o debate. Bragança Paulista: EDUSF, 2003.
VALENTE, W. A elaboração de uma nova vulgata para a modernização do ensino da matemática: aprendendo com a história da Educação Matemática no Brasil. Bolema 17. UNESP. Rio Claro: 2002.
4.10 - SITUAÇÃO FUNDAMENTAL
A noção de situação fundamental é um instrumento-chave para romper com a visão tradicional de ensino e expandir as condições para implementar uma prática concebida a partir de um recorte antropológico na educação matemática. Para os autores acima mencionados (Bosch e Chevallard, 2004), a noção de situação fundamental se constitui em um instrumento-chave para caracterizar o conhecimento matemático de uma maneira muito mais ampla do que aquela proposta pela vertente idealista ou clássica. Sem minimizar a importância dos conceitos matemáticos, a localização da atividade matemática no contexto social e cultural visa resgatar as situações onde o estudo da matemática e verdadeiramente vivenciado pelas pessoas.
4.11 - CONTEÚDOS MATEMÁTICOS ESCOLARES
A teoria das situações didáticas permite repensar, de maneira crítica, os conteúdos matemáticos ensinados na escola e a visão clássica de priorizar a compreensão de conceitos em detrimentos da atividade matemática. Dessa maneira, conforme defendem Bosch e Chevallard, quando Brousseau (1986) propõe a noção de situação fundamental, está propondo uma reflexão mais profunda a propósito da natureza dos conteúdos matemáticos escolares. Já existe na síntese dessa noção a intenção de não conceber o estudo da matemática da mesma forma como é concebido nas práticas tradicionais, ou seja, de maneira isolada das práticas culturais mais amplas da sociedade. Por esse caminho, a teoria das situações didáticas abre espaço para uma nova maneira de conceber o conhecimento matemático, contemplando desde os aspectos instituídos pelas fontes acadêmicas da transposição didática, passando pelo universo das práticas sociais, até chegar em aspectos que permanecem implícitos no plano interno da consciência do aluno, mas cuja existência se revela de maneira viva através das ações por ele realizadas.
4.12 - PRINCÍPIO TEÓRICO
Todo conhecimento matemático pode ser descrito em termos de situações fundamentais. Este princípio garante a possibilidade de construção de modelos locais para estudar os diferentes conteúdos
5) ELEMENTOS DE SÍNTESE
5.1 - RELAÇÃO ENTRE MATEMÁTICA E DIDÁTICA
A teoria antropológica defende o princípio da articulação integrada entre organizações matemáticas e didáticas. Cada elemento constituinte de uma praxeologia (tarefa, técnica, tecnologia e teoria) tem, ao mesmo tempo, natureza matemática e didática. O conhecimento matemático resulta da atividade de estudo e o objeto da didática é esse processo de estudo. A elaboração do conhecimento depende do envolvimento das pessoas e das instituições em um efetivo processo de estudo e assim o ensino passa a ser apenas um recurso para o estudo e a aprendizagem uma conseqüência das ações vivenciadas pelo estudante. A noção de praxeologia, proposta por Chevallard (1998) sintetiza esses dois aspectos da atividade matemática. Portanto, ao estudar as práticas docentes, somos levados pensar em uma outra maneira de conceber as relações entre os conteúdos matemáticos e as disciplinas pedagógicas. Como não existe uma separação absoluta entre os aspectos didáticos e matemáticos, não faz sentido conceber as disciplinas específicas de forma isolada dos aspectos didáticos, da mesma maneira como também não faz sentido idealizar as disciplinas pedagógicas desprovidas de vínculos com a atividade matemática. Esse é um ponto nevrálgico de grande parte dos atuais modelos de formação de professores que insistem na vertente da separação e do isolamento ao invés de lançar articulações em busca da expansão do significado.
5.2 - FRAGMENTAÇÃO DO SABER
Existe um nível bem mais sutil de fragmentação do saber além daquele concernente às especializações decorrentes das várias disciplinas. Trata-se da fragmentação entre o aspecto didático e matemático, uma negação do fluxo de construção histórica e cultural do conhecimento. As práticas tradicionais adotadas na formação docente, nos cursos de Licenciatura e de Pedagogia, em sua maioria, são concebidos como se houvesse uma separação absoluta entre matemática e didática. Um dos exemplos dessa separação está no modelo onde pressupõe, primeiramente, uma formação de matemática e depois uma complementação nas chamadas disciplinas pedagógicas, comumente chamado de modelo três mais um. Com a implantação das novas diretrizes da formação de professores de matemática, no plano das resoluções e das portarias esse modelo parece não existir mais. Entretanto, é preciso ainda indagar, com toda serenidade, se na prática efetiva dos formadores ainda não prevalece esse “modelo” que concebe a didática apenas como um complemento. A teoria antropológica do didático propõe uma direção completamente diferente desta. Os elementos matemáticos de uma praxeologia estão fortemente interligados a um outro conjunto de elementos de natureza didática, constituído por objetivos, valores, métodos, estratégias de avaliação, dispositivos didáticos, envoltos ainda pelas condições da instituição na qual as práticas ocorrem. Não é suficiente conhecer apenas a mecânica de funcionamento do algoritmo, de forma circunscrita ao território interno de uma disciplina. Além do domínio dos conteúdos conceituais e das praxeologias associadas, o trabalho docente leva-nos a refletir sobre como irá funcionar o entrelaçamento entre as organizações matemáticas e didáticas, lembrando que não há neutralidade no saber científico. De onde, os conceitos estão forçosamente interligados a conteúdos procedimentos e atitudinais. (conteúdos atitudinais são aqueles que não podem ser traduzidos por meio de procedimentos algorítmicos, tais como valores, intuições, senso crítico, oralidade, entre outros) Segundo nosso ponto de vista, essa é a essência educacional da questão metodológica. O ensino tradicional faz opção por uma visão na qual predomina, quase somente, a parte estática das praxeologias matemáticas, sem considerar os valores que podem ser associados à utilização do saber científico.
5.3 - SUPERAÇÃO DAS POSIÇÕES RADICAIS
A possibilidade de ampliar as condições de diálogo entre a prática e a pesquisa passa também pela superação das posições radicais, sobretudo, aquelas que estão presentes na formação básica dos futuros professores. Certamente, não há solução mágica para fazer avançar esse problema, mas uma das linhas de atuação é a construção articulada da elaboração das organizações didáticas e matemáticas, considerando os vínculos com as atividades humanas e sociais. Os professores podem ser incentivados a intervirem com mais intensidade nas questões pedagógicas, para modificar as condições de profissionalização da carreira docente. Mas, há uma dificuldade a ser vencida que é a superação da crença de que a intervenção isolada no nível do pedagógico possa determinar a parte essencial do trabalho didático. O nível de determinação do saber pedagógico, em vista de sua generalidade, nem sempre contribui para ampliar as condições da prática de ensino da matemática porque não é seu objetivo atingir a especificidade das questões didáticas. Isso não quer dizer que haja uma enorme distância entre as questões pedagógicas e didáticas, mas a identificação entre esses dois níveis, por certo, foi responsável por muitas confusões no contexto da formação e da prática docente. Por esse motivo, entre as competências docentes está a disponibilidade para compreender de maneira articulada e consciente as características comuns a todas as disciplinas e o que pertence ao território de uma área específica de conhecimento. Essa ligação entre o pedagógico e didático pode interpretada, segundo nosso entendimento, a partir da observação feita por Shulman (1992) quando destaca a noção de compreensão como uma noção essencial para o exercício da docência.
5.4 - FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE MATEMÁTICA
Nesse sentido, a superação do modelo tradicional de formação, no qual os aspectos didáticos são, quase sempre, tratados de maneira separada dos aspectos matemáticos, passa pelo viés da prática reflexiva no sentido amplo do termo, ou seja, incluindo aí as práticas dos formadores de professores. A realização da prática reflexiva é possível a partir do estudo integrado dos diferentes fundamentos da atividade matemática: epistemológicos, antropológicos, didáticos, históricos, entre outros, além da própria dimensão científica. D’Amore (2004) destaca a necessidade de ampliar a reflexão em torno da formação de professores de matemática quanto à valorização desses fundamentos. De modo geral, esse tipo de conhecimento não é estudado na formação inicial, talvez, com exceção da história da matemática, muitas vezes, estudada somente de forma centralizada em torno do território conceitual. Em suma, a especificidade do trabalho docente relativo ao saber matemático, ainda não é suficientemente analisada na formação de professores. Além de expandir a compreensão do saber matemático na direção conceitual, o estudo das bases epistemológicas proporciona uma linha de reflexão educacional, resgatando a localização da atividade matemática no quadro das institucionais que é a origem do conhecimento. Além do mais, o estudo dos aspectos epistemológicos do saber matemático para subsidiar a prática docente, decorre da importância de se ter uma percepção e uma consciência reflexiva quanto à possibilidade de ocorrer obstáculos didáticos associados às raízes conceituais da disciplina.
5.5 - MATEMATIZAÇÃO DO ESTUDO
A partir de uma análise epistemológica e didática do saber matemático, sem perder de vista as referências antropológicas que deram origem ao saber, o professor pode minimizar os efeitos não desejáveis da matematização do estudo, conforme observa Chevallard (1998). Para realizar uma prática reflexiva crítica é preciso identificar um problema persistente na vertente clássica do Ensino da Matemática que é identificação metodológica entre a maneira de organizar o texto matemático e conduzir as estratégias de estudo. Em um estudo recente, percebemos que entre os autores do início do século XX, interessados pela questão metodológica da matemática estava Júlio Rey Pastor (1888 – 1962, que foi professor da Universidade de Madri e, por muitos anos, trabalhou na Universidade de Buenos Aires, onde contribuiu na formação da primeira geração de matemáticos desse país, sempre atento às questões educacionais. Na década de 1920, sua produção científica contribuiu para o desenvolvimento teórico da geometria. Rey Pastor realizou estudos sobre Epistemologia da Matemática com a preocupação de discutir as suas implicações didáticas. Entre suas obras está a Metodologia de la Matemática, publicada em 1926, com reedições na década de 1940. Esta obra apresenta um ponto de vista fundamental da questão metodológica do ensino da matemática, ao destacar os riscos da metodologia de ensino ser confundida com a metodologia de produção da ciência. A primeira está mais ligada à Didática e a sua finalidade é estruturar as atividades escolares, enquanto a segunda pertence ao plano acadêmico, com a finalidade de regular a produção de novos conhecimentos. O destaque feito por esse autor chama a atenção para o que tem sido o principal equívoco da vertente tradicional: confundir as estratégias de ensino com as condições exigidas na sistematização final do texto matemático. Existe neste ponto uma verdadeira nebulosa epistemológica, uma nuvem na qual se perdem as estratégias tradicionais e os resultados dessa identificação são desastrosos. Mais especificamente, trata-se de adotar o método lógico-dedutivo, tal como é valorizado para sistematizar o saber matemático. A degeneração dessa vertente recai no formalismo, quando a sistematização é tratada como sendo a principal condição do ensino escolar. Considerando os conceitos da abordagem antropológica, sugerimos incluir entre os elementos do processo de matematização do estudo essa identificação entre a forma de redigir o texto matemático e as estratégias de condução do ensino escolar.
6) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Bruno D’Amore (2005, p. 19) destaca o processo evolutivo da sistematização dos fundamentos teóricos da Didática da Matemática. Trata-se de um processo lento ainda em curso de desenvolvimento. Um grande número de resultados de pesquisa foi sendo acumulado no transcorrer das últimas décadas.
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