MÉTODO DE ENSINO POR PROJETOS E A INSERÇÃO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
 
Luiz Carlos Pais
 
A aná1ise do método de ensino por projetos pode ser iniciada a partir de sua localização no momento histórico da escola nova. Este foi o contexto original de sua fundamentação teórica e o inicio de sua divulgação em diversos países. Para sua utilização, através do uso dos novos recursos da tecnologia, pensamos que seja recomendável destacar dois aspectos. Um refere-se à necessidade de compreensão do que significou esse método, na época em que surgiu, em relação aos métodos até então valorizados pela tendência pedagógica tradicional. O outro diz respeito ao fato de que, hoje, a justificativa de sua aplicabilidade faz-se através de uma critica conceitual de seus valores e de uma re-elaboração na dimensão do tempo em que estamos inseridos. Caso contrário, estaria sendo confundindo o tempo das tecnologias digitais com aquele da escola nova. Assim, de início, caracterizamos do método no quadro histórico da educação, em seguida, esboçamos elementos de uma análise referente a sua aplicabilidade e a necessidade de adequação, nos dias de hoje, através do uso das multimídias.
 
1.   Questões metodológicas
 
Na linguagem usual da educação o termo "método" nem sempre é utilizado com  um mesmo sentido. Reconhecendo a complexidade inerente ao seu significado, acreditamos ser conveniente distinguir duas maneiras de utilizá-lo para melhor precisar nossos objetivos educacionais. São dois sentidos que, a rigor, deveriam estar relacionados, mas, como veremos, isso nem sempre acontece. Num sentido mais amplo, o método significa a indicação de um caminho que conduz o sujeito na busca do conhecimento, incluindo uma visão de mundo, da vida e de todos os valores inerentes ao homem. Resume um conjunto de procedimentos, de uma forma ordenada e sistematizada, pelos quais se espera chegar à apreensão da verdade. È evidente que não pode fixar-se, previamente, todas os detalhes do caminho a ser percorrido. O método é portanto uma questão de escolha pessoal e não deve jamais ser instrumento de coerção ou de imposição sobre a opção do outro. No contexto didático, o método representa a forma como visualiza-se o fenômeno da educação. O método inclui concepções quanto aos saberes, valores e dos procedimentos para a condução da aprendizagem. Assim, por uma questão de coerência, o método não pode ser tão facilmente trocado ou permutado por outro ao ritmo da mudança das horas. Se a cada dia lançamos mão de um método diferente para conduzir nossas aulas, certamente, nos debateremos com o problema da coerência mínima dos valores e ações educacionais. Por outro lado, isso não significa que o método deva ser visto como algo estático, que não possa ser transformado.
 
Num sentido mais restrito, admitindo que o professor esteja empenhado na busca de uma coerência metodo1ógica na condução de sua ação pedagógica, existem diversas formas de organizar, planejar e conduzir atividades educativas em sala de aula. São as técnicas de utilização daquele método, este sendo entendido no sentido mais amplo como descrevemos acima. Entretanto, como parece existir uma certa resistência quanto ao uso da expressão "técnica de ensino", talvez em decorrência dos equívocos do movimento tecnicista, é mais usual empregar "método de ensino".
 
Na realidade este "método de ensino", entendido como técnica, se refere aos diferentes procedimentos utilizados para viabilizar aquela visão mais ampla de método. Temos que convir que pouco importa quanto aos termos utilizados. O importante é deixar claro o sentido atribuindo a essas palavras. Feitas essas observações, parece-nos evidente que a expressão método dos projetos deve ser compreendida como sendo uma técnica, a qual deve ser articulada a uma maneira mais ampla de conceber o mundo, a vida e o conhecimento. Queremos destacar com isso que, ao empregar o método dos projetos, estará implícito uma forma diferenciada de pensar a educação.
 
2. Observações quanto ao movimento da Escola Nova
 
Em diversos momentos da história da educação ocorreram movimentos isolados contestando as práticas pedagógicas predominantes no contexto da época. Neste sentido os ideais de contestação do movimento da escola nova são tão velhos quanto a própria escola tradicional. Não podemos entender esses ideais como um movimento educacional que nasceu efetivamente no século XX. O próprio fi1ósofo Sócrates criou, na Grécia antiga, um método educacional essencialmente novo e revolucionário para sua época. Assim, no transcorrer de cada tempo, o próprio envelhecimento das práticas tradicionais faz surgiu novas tendências. É  o novo daquela época. Este não será o novo de uma outra época. Dizemos isso para ressaltar que, toda a reflexão educacional contemporânea, se constrói a partir da reinvenção do novo. O computador e as demais tecnológicas nos convidam a participar desse exercício de criatividade.
 
3. Períodos históricos na evolução da escola nova
 
Também chamada de Escola Renovada, Progressivista ou Ativa, a Escola Nova[1] tem sua implantação histórica marcada por quatro períodos que se sucedem desde o aparecimento das primeiras escolas até sua difusão pelo mundo. Na última década do século XIX surgem, tanto na Europa como nos Estados Unidos, algumas escolas alternativas marcadas por um funcionamento diferenciado em relação ás escolas tradicionais. Tratava-se ainda de experiências isoladas, porém, reveladoras de uma insatisfação por parte de alguns educadores dessa época. Nesse período destaca-se, em 1896, a criação em Chicago da primeira "escola experimental" pelo fi1ósofo e educador John Dewey. Mesmo que essa escola tenha durado pouco tempo - cerca de quatro anos - sua importância consiste na forma diferenciada como foi idealizada, mesmo sem estar ainda estruturada do ponto de vista teórico e metodo1ógico.  
 
No período correspondente primeira década do século XX, ocorre uma verdadeira efervescência das idéias pedagógicas centrais que fundamentavam a proposta educacional da escola nova. Surge os primeiros delineamentos teóricos dessa pedagogia entre os quais se destacam duas correntes. Uma empreendida pelo educador americano John Dewey, ancorada fortemente no pragmatismo como visão filosófica do mundo. Estrutura-se assim uma pedagogia que visava principalmente fazer uma crítica à educação tradicional, sem, no entanto, representar qualquer tipo de rompimento ou ameaça à educação inspirada no pensamento liberal[2]. A outra corrente que se destacou nesse momento inicial da Escola Nova estava ligada mais á alguns educadores alemães, inspirados por um pensamento de cunho mais empírico. Esta corrente criou as chamadas "escolas ativas" ou "escolas para o trabalho".
 
No período que vai de 1907 á 1918 acontece um processo de aprimoramento dos métodos pedagógicos utilizados por esse movimento educacional. È a época da consolidação das diferentes abordagens metodológicas. Tendo em vista a importância do método na caracterização dos próprios valores pedagógicos defendidos, este for um período que marcou profundamente a evolução o aparecimento da escola nova. Nesse período, surgem, por exemplo, o Método Montessori (Roma); o Método Decroly (Bé1gica); o Método dos Projetos (Estados Unidos); o Plano Dalton (Inglaterra) e outros. Cada um sendo aplicado aos contextos e finalidades específicos.
 
A partir dos anos 20, inicia-se um período de divulgação e consolidação desses métodos por diversos outros países. Cada um sendo redefinido diante dos novos contextos socio-educacionais, porém preservando suas características essenciais. Em decorrência, instaura-se, em diversos países, um verdadeiro movimento de reforma dos métodos de ensino na educação escolar. Como reação, surgem em outros países, um movimento de "contra-reforma", tentando preservar a proposta da escola tradicional ou propor alternativas que pudessem melhor corresponder a emergência dos regimes socialistas ou totalitários. Assinala-se, nessa época, as seguintes reformas: Rússia (1918), Alemanha (1919), ltália (1923), Espanha  (1931), Bé1gica (1936) e na França (1937 e 1945). Na Inglaterra parece ter predominado um pensamento mais conservador voltado mais para a defesa dos valores tradicionais do que para a incorporação das propostas desse movimento inovador. Um exemplo dessa tendência conservadora pode ser dado, na educação matemática daquele país, onde, no início do século XX, ainda era adotado  "Os Elementos" de Euclides como livro texto no estudo da geometria. Nos Estados Unidos, mesmo sendo um dos berços teóricos da Escola Nova, parece não ter ocorrido o predomínio exclusivo de um único modelo educacional.
 
4. Diferenças entre os métodos adotados pela escola nova
 
Quais são as diferenças essenciais entre os principais métodos da Escola Nova? Qual a localização do método dos projetos no quadro geral desses métodos? Para esboçar alguns elementos de reposta a estas questões podemos recorrer a uma classificação feita par LUZURIAGA (1976), diferenciando os métodos quanto ao grau de envolvimento pessoal do aluno no processo de aprendizagem.
 
Os métodos individuais, tais como o Montessori e o Plano Dalton[3], valorizavam o trabalho individual do aluno envolvido, na maioria das vezes, com a manipulação de materiais didáticos numa atividade organizada didaticamente pelo professor. A principio, os objetivos desses métodos estavam voltados, principalmente, para o trabalho com crianças portadoras de deficiência mental. O desafio de trabalhar com tais crianças consistia na necessidade de, antes de pensar na socialização, desenvolver uma educação pessoal mínima que lhe possibilitasse o envolvimento com outras crianças.
 
Os métodos mistos eram aqueles que valorizavam tanto o trabalho individual do aluno como o seu envolvimento em atividades coletivas ou em grupos. Destacava-
se a necessidade de não centralizar as atividades nem no individual nem no coletivo e sim buscar uma interação entre elas. Entre esses destacou-se o método de Decroly, desenvolvido na Bé1gica, através dos seus chamados "centros de interesses".
Tais centros consistiam numa reunião temática de vários conceitos e noções interligados e organizados num determinado contexto. Por exemplo: o mundo das plantas, o mundo dos animais, ou outras subdivisões desses temas.
 
Os métodos coletivos eram aqueles que envolviam necessariamente o conjunto de todos os alunos da sala na realização de todas as atividades propostas no processo educativo. Entre eles se destacam-se o método dos Projetos e a chamada técnica de Freinet. Uma variação desse tipo de trabalho coletivo é aquela que prevê a realização das atividades através de grupos ou de equipes, tais como o método Cuisinet[4].
 
O que podemos observar na evolução desses métodos é o fato de transformar, inicialmente, um trabalho escolar individual para uma valorização da participação de grupos ou de toda a classe no processo de aprendizagem. Este é um aspecto que, possivelmente, deva ser preservado numa possível aplicação do método dos projetos através das novas tecnologias. Acreditamos que a tentativa de sempre estabelecer vínculos dialéticos entre as dimensões individual e social da educação é um princípio que deva a ser cuidadosamente construído e preservado.
 
5. Especificidade do Método dos Projetos
 
O método dos projetos é o que mais sintetiza as idéias da escola nova. Sua característica fundamental consiste em buscar favorecer condições para o desenvolvimento da liberdade e da criatividade do aluno. Através de atividades efetivamente realizadas pelos alunos espera-se uma melhor performance nesse sentido. Não é possível definir uma forma rígida de concepção e aplicação do método dos projetos. O seu conceito fundamental consiste na motivação dos  alunos em participarem na elaboração e execução de um projeto idealizado  a partir de problemas existentes na realidade cotidiana efetivamente vivenciada por eles. Todos os alunos devem ser motivados a se envolverem na realização desse projeto. Sua possibilidade de execução deve ser estudada previamente pelos professores, tais como a obtenção de informações, a viabilidade técnica, teórica, financeira e demais dificuldades de realização.
 
Mesmo admitido teoricamente que todas as atividades podem ser realizadas através dessa metodologia, é necessário refletir sobre a conveniência ou não do uso exclusivo de um único método ao longo de um processo educativo. Segundo nosso entendimento, quando se utiliza uma metodologia diversificada - entendida como o uso de várias técnicas para trabalhar uma mesma concepção educacional - todo o processo de ensino fica qualitativamente enriquecido.
 
O método de ensino por projetos pode ser caracterizado em cinco pontos:
1. O aluno deve estar envolvido diretamente na experiência;
2. O problema motivador da experiência deve ser autêntico;
3. Deve haver uma fonte de informações a ser utilizada pelos alunos;
4. A soluções deve ser uma construção efetiva do aluno;
5. O aluno deve ter oportunidade de avaliar sua solução.
 
A realização de atividades através do método dos projetos deve ser acompanhada pelo professor. Por exemplo, o professor deve orientar a utilização correta das informações disponíveis, evitando assim qualquer possibilidade bloqueio das atividades.
 
O método de Decroly é o que mais se aproxima do método dos projetos. Ovide Decroly (1871 - 1932) foi um educador Belga que desenvolveu o método dos "centros de interesses" e que foi relativamente bem difundido no movimento da escola nova. Para este educador, os centros de interesses poderiam ser, por exemplo, a família, o universo, o mundo animal, o mundo vegetal, etc. A partir de uma diversidade desses centros, os alunos são motivados a se envolverem com certos problemas específicos de alguns deles. Inicia-se então um trabalho com os problemas relativos a esse centro. A diferença básica entre o método dos projetos e o centro de interesses é que neste não se estabelece uma meta fixa a ser alcançada. O desenvolvimento dos trabalhos depende do interesse dos alunos pelos temas estudados.
 
Pensamos que o desafio maior de sua aplicação consiste em estabelecer algum tipo de controle pedagógico, por parte do professor, sobre a atividade do aluno. O equilíbrio desse controle deve, por um lado, favorecer a necessária liberdade de ação do aluno e, por outro, garantir a possibilidade de realmente ocorrer uma transformação do conhecimento do senso comum no saber escolar. Por exemplo, se as atividades empreendidas na realização dos projetos forem exclusivamente experimentais, consiste estudar didaticamente uma forma de aproximá-las de um tratamento teórico adequado ao nível da escolaridade prevista. O método dos projetos foi formalizado por William Kilpatrick inspirado diretamente pelas idéias educacionais de Dewey. De onde, para melhor fundamentar a utilização desse método, pensamos ser recomendável esboçar alguns traços do pensamento desses dois educadores. No entanto, não temos, a mínima pretensão de fazer, aqui, uma análise completa desse assunto.
 
6. O pensamento Educacional de John Dewey
 
O pensamento pedagógico de John Dewey (1859 - 1952) recebeu forte influência do fi1ósofo William James (1842 - 1910) que é considerado um dos precursores do pragmatismo. Por volta de 1897 Dewey publicou uma obra intitulada "Credo Pedagógico" relatando suas primeiras observações educacionais obtidas através de sua escola experimental. Esta publicação é considerada um marco importante no inicio da pedagogia ativa. Dewey, tendo um pensamento voltado para a defesa de uma educação democrática, iniciou sua reflexão combatendo o método de Herbat[5], voltado basicamente para a transmissão de instruções. Ele pretendia, desta maneira, apresentar uma critica educacional a esse método.
 
Um dos princípios defendidos por Dewey era que o pensamento se elabora através de cinco estágios. Devido a esse princípio, ele destacou cinco estágios na elaboração de um projeto. Em primeiro lugar, a identificação de uma necessidade coloca o efetivo sentido na busca de um conhecimento. Em seguida, como decorrência dessa necessidade vem um outra necessidade que é a realização de uma análise visando compreender todas as dificuldades existentes na busca do referido conhecimento. Em seguida, o sujeito deve visualizar e destacar as diversas alternativas existentes para a solução do problema. Entre as várias soluções idealizadas algumas devem ser efetivamente experimentadas, não se contentando, portanto, permanecer no nível idealizado. Num ú1timo estágio está a necessidade de uma ação efetiva comprovada que verifique a validade do conhecimento adquirido.
 
Percebemos, assim, que para Dewey, o conhecimento deve nascer de uma necessidade e, após passar por um processo de elaboração, deve retornar para o campo da ação vivenciada pelo homem e pela sociedade. Este ciclo de construção epistemológica comprova, portanto, a visão pragmática empreendida na proposta da escola nova.
 
Num segundo princípio, Dewey defendia a idéia de que a educação deve ser vista mais como um processo e não como um produto acabado. Este é um dos princípios condutores da pedagogia da escola nova. Com exceção das pedagogias de cunho centralizado no conteúdo, acreditamos que este princípio tenha, de uma certa forma, sido quase que incorporado no atual discurso pedagógico não necessariamente restrito à escola nova. Segundo este principio a educação deve ser pensada como um movimento envolvendo um permanente processo de construção e reconstrução de novas situações diante da realidade do aluno. Acredita-se que o pensamento do aluno pode aproximar progressivamente envolvendo, cada vez, mais procedimentos que lhe permita a elaboração de novos conhecimentos. Dai, o fato da escola nova ser também denominada pedagogia progressivista. Em suma, Dewey propunha a formação de um "novo homem" que correspondesse às exigências de sua época.
 
Um terceiro princípio que conduzia a visão educacional de Dewey era que, na prática pedagógica, não se deve estabelecer nenhuma oposição entre o conteúdo e o método. Nas palavras de LUZURIAGA (1976) este princípio é assim redigido:
 
"O método é apenas combinação ou arranjo da matéria para fazê-la mais eficaz, não é estranho a ela, é apenas seu tratamento com o mínimo de dispêndio e de energia".
 
Este princípio nos remete à essência da questão epistemológica que considera a indissociabilidade entre o conteúdo, o método e os seus valores. Esses mesmos vínculos embrionários, entre esses três elementos, devem estar presentes também na prática pedagógica escolar. Em outras palavras, numa dada situação didática não é possível fazer uma aná1ise absolutamente isolada de um desses elementos sem considerar os vínculos com outros. A legitimidade educacional de um determinado objetivo se faz em relação aos seus vínculos com o conteúdo e com o método utilizado na sua aprendizagem. Por essa razão, percebe o desequilíbrio gerado na formação do professor, quando se discute isoladamente o conteúdo de um lado e metodologia do outro. A nosso ver essa é uma das ilusões maiores dos responsáveis pela formação dos educadores.
 
Com a utilização dos novos recursos tecno1ógicos defendemos a hipótese que o conjunto de toda a epistemologia dos saberes escolares fica qualitativamente transformada. Por esta razão o método possibilitado pelo uso dos computadores deve determinar uma nova dimensão de concepção do venha a ser o conteúdo escolar. Em outras palavras, acreditamos que os novos recursos tecno1ógicos não são, na realidade, apenas "instrumentos" para melhor ensinar os conteúdos tradicionais. Por certo, eles poderão contribuir decisivamente na redefinição de novos valores, métodos e conteúdos. A esse propósito, podemos citar, a noção de conhecimento por simulação introduzida por Pierre Levy (1993) indicando uma temática ainda a ser explorada mais especificamente no contexto da aprendizagem escolar. O conhecimento por simulação possibilita novas formas de trabalhar, por exemplo, a aprendizagem matemática, onde, pelo uso da máquina, torna-se muito mais fácil proceder verificações, cálculos e simulações que antecedem, por certo, a síntese dos conceitos envolvidos.
 
Mesmo admitindo a possibilidade de divergir de suas idéias, por não ter ele afrontado diretamente os princípios da educação burguesa, como fazem os defensores das pedagogias progressistas[6], Dewey for uma das mais expressivas personalidades da área educacional do século XX. Seu mérito foi ousar transformar uma educação tradicional cristalizada por vários séculos. Mesmo não colocando em questão o papel fundamental das categorias das classes sociais no fenômeno educacional, ele criticou a educação baseada simplesmente num conjunto de instruções. Com toda certeza, mesmo nos dias de hoje, a aplicação dos seus princípios seria, um avanço em relação à certas práticas pedagógicas ainda presas à superficialidade das informações e do formalismo estéril.
 
6. O pensamento educacional de Kilpatrick
 
Para William H. Kilpatrick (1871 - 1965) a escola deveria ser uma extensão da vida cotidiana das crianças. Dai, a valorização de problemas relativamente próximos da realidade social na proposição dos temas dos projetos. Foi o discípulo mais ilustre e continuador da obra de Dewey. Os dois estão entre os mais destacados pedagogos do século XX. Pensava que a função primordial da escola era melhorar a vida do aluno, visualizando novos patamares mais elevados de compreensão do mundo e da vida.
 
Desta forma a escola não poderia ser concebida como uma instituição separada da vida. Deveria ser pensada como um crescimento contínuo frente aos novos desafios, buscando a construção de uma sociedade democrática. Portanto, tinha um pensamento político baseado no liberalismo. Pensava que a base da educação deveria estar no exercício efetivo de atividades realizadas pelos alunos, entretanto, ao professor competia a orientação pedagógica dessas atividades. Sua obra principal é a "Filosofia da Educação" publicada em 1951 que certamente exerceu uma influência considerável em educadores brasileiros.
 
A partir do pensamento de Dewey e de outros educadores que trabalharam com o método dos projetos, Kilpatrick classificou os projetos em quatro tipos.
 
Projetos de produção: consiste em projetos onde o aluno é levado à produção de algo novo, ainda não existente. Não se trata nem de uma c6pia ou de uma repetição. Os alunos deveriam ser desafiados a produzir algo diferente de tudo o que ele já vivenciou. É um incentivo à sua criatividade individual e coletiva. Por mais modesta que possa ser, a criação sempre impulsiona o espirito do aluno para novas aprendizagens e se constitui na mais legítima fonte de motivação.
 
Projetos de consumo: consiste não necessariamente na criação de algo novo, mas simplesmente a aplicação de alguma coisa já existente, adaptando a um novo problema ou a uma nova situação. Os alunos são levados a terem uma melhor compreensão dos objetos já existentes, podendo, inclusive desenvolver uma visão crítica de situações próximas de sua realidade de vida. Pensamos que nesse aspecto pode ser associado, por exemplo, a compreensão das medidas e dos valores das contas de água, energia elétrica ou telefone - envolvendo noções de ciências e matemática - e das vantagens ou não da compra de certos produtos disponíveis nas lojas e supermercados.
 
Projetos de Resolução de Problemas: consiste na resolução de problemas envolvendo preferencialmente vários conteúdos. É um projeto que permite um trabalho mais próximo dos conteúdos relacionados aos saberes escolares. Faz-se necessário diferenciar esse tipo de projeto da resolução simples e isolada de um problema. O projeto deve prever a inclusão de um problema num dado contexto mais significativo para aluno.
 
Projetos de aperfeiçoamento de uma técnica: consiste na modificação de uma técnica, de uma fórmula e de um modelo já existente relacionados com os conteúdos previstos no currículo escolar. Os alunos são motivados a apresentar uma transformação ou uma adaptação no sentido de mostrar um novo aspecto que não se encontrava previsto no caso conhecimento da fórmula ou da técnica. Por exemplo, no ensino da matemática, uma vez sendo conhecido a fórmula clássica de calcular a área de um trapézio, os alunos podem ser motivados a descobrir fórmulas semelhantes para esse cá1culo.
 
7. Alguns pontos de reflexão sobre o uso do método dos projetos
 
A aplicação de um método comporta uma dimensão essencialmente humana. Cada educador, ao utilizar um determinado método, mesmo respeitando seus princípios e fundamentos, acaba imprimindo na prática uma componente pessoal e subjetiva. Na realidade é a manifestação viva do conjunto de suas concepções mais amplas, envolvendo necessariamente uma visão mais ampla da própria vida e do conhecimento humano. BACHELARD (1977) nos lembra da permanente necessidade de cultivarmos uma vigilância intelectual sobre a própria aplicabilidade de um método. Seria metaforicamente o m6todo de aplicar o método. Inspirados nessa visão, acreditamos que a aplicabilidade prática do método dos projetos deve ser acompanha por uma vigilância intelectual, referente aos limites dos próprios valores implícitos no método. É o cultivo de uma dialética fina entre o idealizado e o vivido. No caso específico da metodologia dos projetos parece-me que o principal desafio é não propor aos alunos uma proposta de trabalho cujo caminho conhecemos previamente. Seria como induzir os alunos a percorrerem os mesmos caminhos que nós ou outros já percorreram. Não se trata do exercício de uma repetição.
 
Não é evidente a identificação do método de elaborar o conhecimento científico e com a metodologia de ensino. Assim, ao utilizar o método dos projetos para a condução de uma atividade escolar, devemos simultaneamente pensar no significado dos verdadeiros objetivos do conhecimento envolvido e de suas relações com essa nova dinâmica adotada na aprendizagem. Por uma questão de coerência, ao trabalhar com uma metodologia de projetos, devemos refletir sobre nossas próprias concepções do conhecimento como algo que ainda não está elaborado. Não se trata de "passar" conhecimentos já estruturados através dos projetos. A utilização do método dos projetos numa dinâmica tecno1ógica nos leva a rever nossas próprias concepções do que significa do conhecimento escolar. Acreditamos que essas novas tecnologias intelectuais não poderão ser vistas simplesmente como "simples recursos" para ensinar um saber já formalizado. Elas devem redimensionar a própria visão do que, de fato, se constituem os conteúdos estudados na escola. A nosso ver, este é um dos maiores desafios que envolvem tanto utilização do método dos projetos como o uso das novas tecnologias.
 
Dessa forma a utilização das multimídias nos convida a refletir sobre um novo conhecimento. Na reelaboração de uma nova forma de conceber a educação, diante da incorporação das novas tecnologias, Pierre Lévy (1993) nos lembra que existe um movimento de continuidade ao longo da história que possibilitou ao homem a construção de conhecimentos através da oralidade, sucedida para escrita e em seguida pela incorporação das multimídias. Cada uma dessas tecnologias intelectuais representa uma nova dimensão em relação aquilo que já se encontrava consolidado. O desafio maior da construção do novo é, por certo, a necessária rejeição das fórmulas, das regras e do conhecimento já elaborada por outros. A repetição inexpressiva dos velhos hábitos, por certo, não terá espaço diante do uso das novas tecnologias. Dizemos isso para relevar a importância da reflexão sobre a melhor forma de utilizar do método dos projetos em nossa época.
 
BIBLIOGRAFIA
BACHELARD, G. O Racionalismo Aplicado. Zahar. Rio de Janeiro. 1976.
GADOTTI, M. História das Idéias Pedagógicas. Àtica. São Paulo. 1995.
LEGRAND, L. Didática da Reforma. Um método Ativo para a Escola de Hoje. Zahar. Rio de Janeiro. 1973.
LEVY, P. As tecnologias da Inteligência. O Futuro do Pensamento da Era da lnformática. Editora 34. I reimpressão. São Paulo. 1998.
LUCKESI, C. Filosofia da Educação. Cortez. São Paulo. 1994
LUZURIAGA, L. História da Educação e da Pedagogia. Nacional. São Paulo. 1976.
 

[1] A expressão Escola Nova parece ser a mais apropriada entre todas as que aparecem nos livros de hist6ria da educação, pois, de uma certa forma sua proposta representou algo efetivamente novo em relação à forma tradicional de condução da educação escolar.
[2] O liberalismo é um pensamento político-filosófico desenvolvimento para fundamentar e justificar o modelo econômico capitalista. A ideologia que lhe é subjacente inspirou a chamada pedagogia liberal, conforme análise do prof. JOSE Carlos LIBÂNEO (1994).
[3] O método Dalton foi desenvolvido pela educadora Miss Parkhurst em Nova Iorque na Children's University School. Essa educadora começou trabalhando com o método Montessori o qual foi por ela desenvolvida para aplicar numa escola primaria superior (adolescentes). Caracteriza-se pela liberdade e pela responsabilidade dos alunos trabalharem em determinados laboratórios especializados por matérias. As tarefas são individuais e controladas pelos próprios alunos. O método Dalton é um exemplo de aplicação da chamadas "pedagogia ativa".
[4]  Este método se refere ao pedagogo francês Roger Cuisinet que idealizava levar para a escola a espontaneidade que as crianças tinham fora dela. Segundo LUZIRIAGA (1976) trata-se do método "mais representativo do trabalho em grupos ou equipes". Os alunos tinham liberdade para se agruparem. Eles trabalhavam com temas reunindo assuntos organizados, classificados em fichas pelos próprios alunos.
 
 
[5] O método de Herbart (pedagogo do século XVIII), chamado também de método dos cinco passos formais, está estruturado nas seguintes etapas em que a aula deve ser planejada e apresentada pelo professor: PREPARAÇÃO, APRESENTAÇÃO, COMPARACÃO, GENERALIZAÇÃO E APLICAÇÃO do conhecimento. Sua presença é viva e atuante principalmente no ensino tradicional das ciências e da matemática.
 
[6] Segundo a classificação feita por Libâneo (cf. LUCKESI, 1994) duas dessas pedagogias são: A progressista Libertadora, cujo representante principal é Paulo Freire e a Pedagogia critico-social dos conteúdos, inspirada principalmente, no Brasil, nos trabalhos de Demerval Saviani.