ALGORITMOS E REGULARIDADE

Luiz Carlos Pais

Fazer matemática é uma prioridade no estudo escolar em relação à memorização de regras, fórmulas e algoritmos. A potencialidade educacional desses modelos exige um trabalho criterioso para desenvolver a argumentação, explorando a virtualidade contida na criação dessas máquinas abstratas e não avalizando práticas baseadas na repetição. O destaque da dimensão experimental e de suas articulações com a teoria, como acabamos de abordar, motiva-nos a estudar a presença da regularidade no ensino da matemática. Os algoritmos e os modelos são máquinas abstratas, especializadas em fornecer respostas rápidas e seguras por meio da realização de uma seqüência linear de ações padronizadas. O usuário realiza uma parte da tarefa, fornecendo os dados e realizando os comandos e a lógica, contida virtualmente no algoritmo, completa as ações para obter a solução. É uma dinâmica encadeada pela qual convergem ações do usuário e a eficiência do algoritmo. Como ampliar o uso qualitativo dos algoritmos no ensino da matemática a partir da disponibilidade crescente dos recursos da informática na educação escolar?

Os algoritmos no ensino da matemática

Um algoritmo é um dispositivo lógico, geralmente organizado através de um esquema gráfico, formado por uma seqüência ordenada de ações que devem ser rigorosamente seguidas para a solução de um problema, para a realização de uma tarefa ou de uma operação matemática. Trata-se de um dispositivo abstrato que sintetiza, por essa seqüência de ações, um conhecimento muito mais amplo do que revela sua aparente simplicidade. Por esse motivo, é um instrumento útil para simplificar as operações matemáticas, economizando o esforço empreendido pelo seu usuário. Tendo em vista essa utilidade, tais dispositivos estão amplamente presentes no ensino da matemática. Um dos problemas do ensino dos algoritmos decorre da concepção equivocada de que as ações neles previstas possam ser apenas memorizadas, em detrimento de sua compreensão, como se esse nível de aprendizagem estivesse fora dos objetivos escolares.

Há duas posições extremas que devem ser evitadas no uso dos algoritmos. Uma consiste em levar os alunos a memorizarem, de forma inexpressiva, a seqüência das operações, sem nenhuma reflexão quanto sua lógica e validade. A outra consiste na tentativa de analisar o funcionamento lógico-matemático de todo algoritmo previsto no ensino fundamental, o que pode trazer dificuldades do ponto de vista matemático. Entre esses dois extremos, localiza-se o trabalho didático de levar o aluno a fazer verificações sucessivas, procurando entrelaçar a realização de cálculos com níveis cada vez mais amplos de compreensão.

A aprendizagem de um algoritmo não se reduz a uma simples memorização ou a um treinamento concebido sob a ótica da reprodução. A utilização educacional desses dispositivos está associada a uma efetiva compreensão do sentido das operações contidas na sua aplicação. Desde as primeiras aulas, o aluno já está em contato com algoritmos, tais como os usados para realizar as operações da aritmética. No caso da soma de dois números naturais, a simples recomendação de registrar unidade sob unidade, dezena sob dezena e assim por diante, exemplifica uma forma prática de organizar o raciocínio lógico, facilitando a realização da operação. Essas criações têm a potencialidade de resolver um grande número de problemas, mas todos delimitados às condições lógicas previstas na sua criação inicial. Além disso, um algoritmo nunca quebra nem enferruja e tem a vantagem de ser ativado quantas vezes o usuário necessite.

O uso articulado entre os modelos e as máquinas digitais pode resultar na expansão qualitativa da educação matemática, abrindo novos objetos de pesquisas. Entretanto, essa possibilidade vem acompanhada de muitas dúvidas quanto à pertinência de continuar avalizando práticas concebidas exclusivamente com base na repetição. Em outros termos, a vantagem de uso de um algoritmo não deve inspirar uma prática concebida na repetição e a mecanização de operações. Pensar dessa maneira seria confundir a eficiência de um modelo matemático com as competências desejáveis para a formação intelectual do aluno.
Nem todo algoritmo tem uma explicação matemática evidente em nível das matemática estudada no ensino fundamental. Pensemos no antigo algoritmo da extração da raiz quadrada: qual é a explicação lógica para sua validade matemática? Como demonstrar que a seqüência prevista resulta, de fasto, na raiz quadrada? Por vezes, essa compreensão requer uma análise bem mais atenciosa, além de recursos aprendidos na escolaridade fundamental.

Neste sentido, um bom trabalho acadêmico consiste em pesquisar uma explicação para o raciocínio contido no chamado Algoritmo de Euclides, usado para o cálculo do máximo divisor comum entre dois números. Na realidade, esse algoritmo já não é encontrado com facilidade nos livros atuais de matemática elementar, mas a facilidade de sua aplicação é diferenciada em relação aos outros métodos de calcular o máximo divisor comum. Sua aplicação pode ser exemplificada através do seguinte exemplo: calcular o máximo divisor comum entre os números 48 e 32. Isso pode ser feito por meio de usual tabela prática, inserida na cultura escolar.

A compreensão é prioridade em relação à memorização de regras, fórmulas ou algoritmos. A educação matemática participa do desafio de compreender a natureza das novas competências e habilidades. Esta questão leva-nos a refletir sobre as exigências do mercado de trabalho que à cada dia exige competências variadas, na direção oposta a da repetição. A adequação de estratégias escolares a esse desafio é urgente para evitar a esclerose da proposta curricular. O que poderia contribuir na elaboração de um novo saber escolar é a capacidade de trabalhar com a compreensão, a qual não nasce de ações baseadas somente na memória e na repetição. Mais do que práticas reprodutivistas, o mundo atual exige profissionais capazes de trabalhar com a criatividade entrelaçada à potencialidade dos modelos.

O uso de um algoritmo simplifica as operações, uma vez que se trata de um esquema prático, através do qual se pode chegar rapidamente ao resultado. Em termos teóricos, o algoritmo é interpretado como uma pequena máquina abstrata especializada em resolver determinados tipos de problema com base no princípio da repetição, ou seja, todas as vezes que se deseja resolver tal problema, basta repetir as operações previstas. Esta analogia entre um algoritmo e uma máquina abstrata é feita por Gilles Deleuze (1998), quando analisa a distância e proximidade entre as diferentes maneiras de produção das filosofias, das artes e das ciências. No caso dos algoritmos, os dados fornecidos pelo usuário correspondem à matéria prima necessária para alimentar a linha de produção e o resultado dessa produção é a solução do problema.
A vantagem do processo algorítmico é que ele pode ser repetido inúmeras vezes, pois na condição de máquina abstrata, nunca deixa de funcionar e revela, portanto, a parte essencial do próprio conceito de tecnologia. Implícito na aparente simplicidade de sua utilização, está o desafio de compreender o significado das operações envolvidas no seu funcionamento. Diante da ampliação das condições trazidas pelas tecnologias digitais, é oportuno refletir sobre a maneira de articular o uso dos algoritmos com a potencialidade contida na matemática escolar.

Os algoritmos são idealizados como modelos perfeitos cuja concepção obedece a uma soberana lógica linear. Somente a convivência mais íntima com essas estruturas, tal como conhecem os especialistas, mostra a complexidade contida em sua gênese e evolução. Como acontece com o conceito, a criação de um tal modelo somente atualiza-se como resultado de uma extensa rede de conexões, envolvendo outros conhecimentos. Essas conexões são semeadas em um tempo onde não há ordem nem linearidade. Ter uma visão superficial e externa de sua perfeição funciona como obstáculo para compreender a lógica neles contida. O indesejável é querer comparar ou estabelecer um paralelismo entre o automatismo dessas estruturas com o fenômeno cognitivo.
Para compreender sua virtualidade educativa, é preciso contemplar, pelo menos, parte da diversidade contida na criação desses recursos. Trata-se de evitar um entendimento apressado da função educativa dessas criações, quando elas são usadas somente  na perspectiva da repetição. A intenção de nossa proposta é realçar o risco de uma utilização ingênua dessas pequenas máquinas abstratas, tendo em vista sua especialidade na arte da repetição diante dos desafios de uma época onde se exige maior criatividade e produção qualitativa.
Regularidade na Matemática
Toda descoberta científica envolve a percepção de uma regularidade, através da qual o cientista interpreta, intui, experimenta, modeliza, conceitua e teoriza em torno de determinados problemas.

Em cada ciência, o sentido da regularidade pode até variar, tal como exemplificam as diferenças entre a regularidade encontrada na biologia ou na matemática. Mas esta idéia sempre aparece na composição dos conceitos, das fórmulas e dos algoritmos. Há uma regularidade biológica, por exemplo, no conceito de flor, revelada pela presença das estruturas florais que formam a idéia: pétalas e sépalas, entre outros elementos. Na formação dos números naturais há várias regularidades matemáticas, reveladas nas famílias dos números pares, múltiplos de três, quatro e assim por diante. Os conceitos geométricos têm sua forma própria de expressar a regularidade, cujo termo aparece, inclusive, na denominação da classe dos polígonos regulares.


Um polígono é regular quando tem os lados iguais e seus ângulos internos também iguais. O triângulo eqüilátero e o quadrado exemplificam os dois primeiros polígonos regulares. Tanto a matemática como as outras ciências trabalham com modelos criados para explicar problemas, simular experiências ou prever eventos e em cada uma dessas situações está implícita a noção de regularidade. Toda fórmula matemática traz implícita a regularidade de um raciocínio, ou seja, todas as vezes que certas condições forem preenchidas, é possível aplicá-la para resolver um problema. Quanto ao ensino das fórmulas, o interesse é destacar o que cada uma tem de potencialidade para resolver uma classe de problemas.
A fórmula d(n) = n(n - 3)/2 permite calcular o número de diagonais de um polígono de n lados e sua validade fundamenta-se em uma regularidade que consiste na aplicação de um mesmo raciocínio a uma infinidade de casos particulares. Ela funciona com base no princípio da economia de raciocínio, isto é, todas as vezes que se deseja calcular o número de diagonais, repete-se o raciocínio nela contido. Assim, a vantagem é a economia de raciocínio. Mas esta economia não é de graça, tem um preço, que é sua compreensão. Nesta fórmula, devemos perguntar: por que aparece o número 2, dividindo a expressão n(n - 3); por que motivo aparece o fator n sendo subtraído de 3? Seria possível aplicar esta fórmula para saber se existe um polígono que têm 190 diagonais?
No que se refere à economia de pensamento, lembramos o trabalho de Caraça (1984), dedicado a uma leitura de conceitos fundamentais da matemática. Segundo este autor, na condução do raciocínio matemático, há uma valorização de um princípio geral de economia do pensamento, o qual é conhecido também como princípio da permanência das leis formais, ou ainda como princípio de Hankel. A aplicação deste princípio, na construção do conhecimento matemático, funciona também na proposição de novas definições, as quais devem ser estabelecidas em função de uma lógica encadeada com as definições anteriormente apresentadas. O exemplo dado por Caraça para ilustrar esta condição refere-se à definição de ax0 = 0. A justificativa lógica para explicar esta definição é a intenção de conservar a lei da comutatividade, já estabelecida anteriormente na seqüência lógica de construção das primeiras operações, bem como a definição de que 0 x a = 0. De onde, o melhor caminho é, de fato, definir ax0 = 0. Este mesmo tipo de explicação aplica-se na justificativa lógica da definição de a0=1.
A regularidade está relacionada a esse princípio da economia do pensamento porque torna possível o envolvimento de um grande número de situações possíveis de serem resolvidas pela aplicação do modelo. Percebe-se que o modelo envolve, potencialmente um entrelaçamento entre generalidade e particularidade. No caso da matemática, a regularidade aparece na construção de modelos, fórmulas e algoritmos, entre outras estruturas, a partir da idéia de poder repetir um conjunto de ações. O equívoco está na confusão que se estabelece entre a virtualidade contida nessas criações e a realização de uma prática concebida na ótica da cópia e da repetição.

É possível trabalhar com a regularidade, em nível das séries iniciais, através de um material relativamente simples de ser construído pelos próprios alunos, em cartolina ou outros materiais acessíveis, que são os ladrilhos geométricos. É possível explorar diferentes maneiras de recobrir uma superfície plana, utilizando uma ou mais figuras geométricas. Vários tipos de ladrilhos podem ser inventados pelos alunos, oferecendo uma oportunidade para articular o ensino da matemática com educação artística. A construção desses ladrilhos coloca um problema mais complexo, envolvendo os ângulos internos de um polígono, que seria identificar as possibilidades de recobrir uma superfície, utilizando somente polígonos regulares. Quais são os polígonos regulares que recobrem uma superfície plana sem deixar espaço? Em diversas produções culturais é possível destacar o uso da regularidade na construção de mosaicos, revelando uma idéia de harmonia no recobrimento de calçadas, painéis ou fachadas de prédios. São criações que revelam a estética encontrada em figuras geométricas. Talvez o exemplo mais ilustrativo desses mosaicos seja o caso dos jardins de Alambra, na Espanha, onde a cultura árabe, na Idade Média, revela o domínio de conhecimentos matemáticos para criar tais mosaicos.