Como se aprende a dialogar?
Uma reflexão sobre a mobilização dos estudantes em resposta a mudez seletiva do Governo do Estado de SP
Já ouviram falar em surdez seletiva? Geralmente esse mal acomete pessoas que só ouvem o que querem. Mudez seletiva pertence à mesma categoria dessa enfermidade, porém, refere-se à oralidade, ou seja, a pessoa, só fala o que quer, como quer, quando quer e para quem quer. Inferimos que esse mal acometa o nosso governador Geraldo Alckmin. Por mais que seja difícil chamar de "nosso" um governo tão autoritário, não podemos ignorar que é a realidade. A maioria dos paulistas o elegeu e contra a democracia não há argumentos. Ele é nosso governador. Mas não é por isso que tem o direito de mudar a vida de milhares de pessoas sem ao menos perguntar à elas se essa é a melhor saída? O fato de Alckmin ser o nosso governador não quer dizer que tem o direito de decretar reorganização das escolas à revelia. O problema também são as justificativas para a reorganização: transformar escolas "ociosas" em creches e ETECs e separar crianças e adolescentes por ciclo. Outras justificativas do governo do estado se somam a estas, mas explicar ao menos as limitações dessas duas propostas, já são suficientes. Como transformar escolas ociosas em creches, se Educação Infantil não é atribuição do Estado? Ao menos dialogou com os municípios para saber se eles teriam condições para tal mudança? Como propor uma saída que envolve o outro sem dialogar com o outro? A outra questão é transformar essas escolas em ETECs. Nosso governador não cuida nem do Ensino Médio, cada vez mais essa modalidade de ensino se vê em piores condições, os jovens evadem por não encontrarem na escola significado algum para a sua vida. O problema não para por aí. Como apontado recentemente pelo Tribunal de Contas do Estado, a rede estadual superlota salas, demite professores e permite que docente lecione em disciplina diferente daquela que é especialista, comprometendo em grande escala a qualidade do ensino. Vejamos, se o Estado não cuida e não oferece nem o feijão com arroz como vai garantir maior qualidade? Como vai colocar uma salada e um bife com fritas nesse prato? Ao menos fez estudo de demanda para saber se Creche ou ETEC nesses bairros seriam o melhor caminho? Há dinheiro no município para reformar essas escolas em creches? É assim que se toma atitudes mudando radicalmente a vida das pessoas? Sem pesquisa? Sem saber qual o rumo das ações? Cremos que não. O motivo parece muito mais atrelado ao enxugamento dos recursos públicos que qualquer outra preocupação com a educação.
Em relação a separar as crianças por ciclo é outro equívoco. Parece que a justificativa é evitar que os grandes convivam com os pequenos, como se os jovens fossem sempre uma referência negativa. Um bando de sem juízo que sempre estão prestes a cometer bárbarie. Os jovens precisam ser respeitados e ouvidos. Obviamente que já ocorreu um ou outro problema, mas foi um caso em um milhão. É importante que as diferentes faixas etárias convivam no mesmo lugar, que a criança observe o mais velho e vice versa, além de permitir que a escola acompanhe a vida escolar do aluno do ensino fundamental até o ensino médio. Isso é positivo, pois essa escola já conhece esse aluno, sem contar que quando separa por ciclo, acaba por atrapalhar a vida de muitas famílias em que os irmãos passarão a estudar em escolas diferentes, dificultando ainda mais a mobilidade e os recursos para o transporte. Essas escolas de diferentes faixas etárias têm a possibilidade de promover monitoria dos jovens junto às crianças, realizar mais encontros, oportunizar melhores convivências com as diferentes idades. Quem sabe com a luta pelo cancelamento da reorganização essa convivência possa ser mais valorizada? Mesmo que alguns pensem que os jovens podem ser referências negativas às crianças, não temos dúvidas que outras referências de fato negativas não são colocadas em pauta. A televisão por exemplo. Um mal totalmente desnecessário. O que ensina? Sem contar que muitas vezes, o que leva a criança a uma vida tortuosa é a realidade difícil que convive diariamente em diversas comunidades em nosso país. A condição social e econômica dessas crianças e jovens desassistidos pelo sistema é que levam a muitos problemas. Não é a convivência com as diferentes idades. As ações do governo parecem ser sempre contrárias à integração. O objetivo em segregar cada vez mais é nítido. Mas os jovens estão resistindo. E essa é de longe, a melhor notícia do ano em se tratando de lição para a democracia. Os jovens estudantes estão pressionando o governo à uma prática importantíssima: a prática do diálogo. Por mais que o governo do Estado ainda não tenha entendido, por mais que ainda resista, os jovens estão sendo firmes e fortes. Não estão acreditando em qualquer proposta. Querem ter a certeza que suas escolas não serão fechadas. Ressaltamos aqui o grande apoio de professores, artistas, advogados, universidades nesse importantíssimo movimento dos estudantes paulistas. Os jovens em certa medida agradecem ao governador, pois se não fosse sua proposta, eles não estariam vivendo essa grande e inesquecível lição de vida. Não estariam aprendendo na prática, a cuidar da escola que é sua, não estariam aprendendo a dividir as tarefas, não estariam aprendendo a cozinhar para si e para o outro, não estariam aprendendo a entender como funciona a política, o sistema e as relações de poder. O desserviço do Alckmin está gerando um grande serviço para a democracia. E não precisam agradecer ao autoritarismo do governador por terem "acordado". A escola sempre foi dos alunos. A qualidade dela depende também, da luta dos alunos. Infelizmente é assim. Esse movimento pode acabar e muitos outros devem começar. Não aceitem salas superlotadas. Não aceitem professores e diretores autoriários. Não aceitem qualquer aula. Lutem por uma escola melhor! A vez sempre será de vocês!