Filosofia

TEMA: Definir o objetivo específico dos três seguintes aspectos e até certo ponto como estão interelacionados na educação:
1) Formação do caráter.
2) Formação moral.
3) Formação da personalidade. 
Como podem ser e devem ser alcançados pela educação.


l — INTRODUÇÃO:

Armand Cuvillier, no prefácio da edição francesa de seu "Pequeno Vocabulário de Língua Filosófica" (1), chama nossa atenção para a grande confusão que existe hoje em dia no emprego dos termos filosóficos. É impossível qualquer estudo sério de temas que envolvam conceitos de ordem lógica, psicológicos, sociológicos, pedagógicos, ou científicos, em geral, sem que se definam com clareza e precisão os respectivos sentidos em que os vocábulos são empregados. Em nosso tema, de modo particular, encontramos, logo de ínício, quatro termos em torno de cada um dos quais gravita uma verdadeira constelação de significados diferentes, quando não uma interpenetração mútua de conceitos atribuídos pelos diversos autores. Os quatro temas sâo:
— Personalidade, Caráter, Moral e Formação. 

II – DEFINIÇÕES:

A) PERSONALIDADE: Allport (2), já em 1937, nos dava nada menos de cincoenta definições diferentes do termo "Personalidade", obtidas no Direito, na Filosofia, na Teologia e na Psicologia. Hoje em dia, com o vertiginoso progresso dessas ciências, o número aumentou extraordináriamente. Cada autor, ou cada escola, dá sua definição, elaborando-a de acordo com a própria doutrina filosófica ou científica. Como dizem Krech e Crutshfield (3), a definição moderna de personalidade "tende a ser mais ampla, abrangendo a totalidade da constituição psicológica do indivíduo. Essa definição, de acordo com os autores citados, incluiria os traços, as habilidades, as crenças, as atitudes, os valores, os motivos e as formas habituais de ajustamento do indivíduo.
   Nesta linha de pensamento, podemos definir a personalidade como "a síntese integral da atividade biopsíquica do homem" (4). Representa o conjunto integrado das tendências e caracteres, fisiológicos e psicológicos, sociais e culturais, formando uma unidade em torno do EU.
   Na personalidade assim definida, distinguimos quatro camadas: 
– A Constituição (camada físico-morfológica da personalidade).
– O Temperamento (camada fisiológico-endócrina).
– O Caráter (camada psíquica da personalidade) e,
– O EU (camada espiritual da personalidade). 

B) CARÁTER: Muitos autores empregam "caráter" no sentido de "personalidade", outros confundem "caráter" com "temperamento".
   Neste estudo, tomamos o termo "caráter" em seu sentido de camada constitutiva da personalidade, como vimos no intem anterior. O caráter é a reatividade psicológica particular de cada indívuo, isto é, a maneira original de reação, ação e expressão de cada personalidade. O temperamento é a característica dinâmica do indivíduo, e resultante interna que impõe as funções vitais uma direção determinada. Assim, no campo do temperamento, o homem vive sujeito às frustrações de seus impulsos e afetos, enquanto que no campo do caráter o homem atua pela sua própria vontade, na prossecução de uma valiosa linha de conduta. 
   Souza Rodrigues (5) define o caráter como "um integrante da personalidade total que imprime ao indivíduo uma forma definida de conduta, e que resulta de uma progressiva adaptação do temperamento constitucional às condições do ambiente natural, familiar, pedagógico e social". Mas o caráter, mais do que um simples resultantante de adaptação, é, sobretudo, além de estilo individual de ação, reação e expressão, a capacidade de se decidir por si mesmo, de se determinar po si próprio, em função dos valores que guiam a personalidade.

  C) MORAL: Moral, como sinônimo de Ética, é definida por Cuvillier (6) como "Teoria concebida sob forma normativa, da ação humana enquanto sujeita ao dever e com vistas ao bem. Ainda sendo Cuvillier, no sentido sociológico e psicológico, como sinônimo de "moralidade" e de "costumes", a Moral pode ser definida como conjunto dos costumes e juiízos morais de um indivíduo ou de uma uma sociedade. E, além desses, a Moral pode ser concebida no sentido de um sistema particular de moral, como "moral utilitária", "a moral de Kant", etc.
   Como se pode  ver, em qualquer destes sentidos a Moral, a moralidade, o ato moral, etc., poderá ter as mais diferentes interpretações, de acordo com as inúmeras concepções filosóficas e religiosas.
   Dentro de nossa posição em fase da definição de personalidade como "sintese integral da atividade biopsíquica do homem", teremos que considerar a Moral em seu aspecto também religioso, já que o espírito humano é um dos elementos do composto que forma a pessoa. E assim como em todos os demais sistemas e ideologias filosóficas e científicas, a Moral que concebemos terá suas raízes profundas em nosso próprio sistema religioso. Quando falamos em Moral, portanto, não nos referimos apenas à vazia e inócua Moral social cultural, etc., mas, sim, na Moral Cristã, com todaa as suas implicações de ordem prática e teórica. — Se, porém, esta Moral é inseparável da Religião, na qual se fundamenta e à qual serve e por ela é servida, isto não quer dizer que não possamos distinguir perfeitamente o aspecto puramente religioso e o aspecto puramente moral dos atos e processos humanos. É o que faremos mais adiante, quando tratarmos da "formação moral". Ressalte-se ainda que a moralidade dos atos humanos depende da vontade, isto é, do poder de opão entre os termos de alternativas, o que equivale também à afirmação de que a liberdade moral é um dos atributos básicos da personalidade humana.

D) FORMAÇÃO: Formação, etmilógicamente, quer dizer dar forma a uma matéria de acordo com modelo ideal preexistente (7). De acordo com Paulsen (8), "formação é desdobramento do interior para o exterior de uma potência de expansão até a sua maturidade integral". Assim,formar é atualizar o que existe em potência, explicitar o que se acha implícito.
   Sob o ponto de vista da Filosofia da Educação, podemos dizer, com Alceu Amoroso Lima (9) que; "educar é formar o homem segundo a sua forma perfeita, a sua humanidade, a sua diferença específica entre os demais seres vivos da criação".
   Não nos esquecemos, porém, de que a formação é uma tarefa de elaboração entre o educando e o educador, ambos ativamente cooperando na mesma obra de criação, de formação de alguma coisa que passa do estado latente para o estado patente.
   Definindo a educação autêntica, assim se pronuncia o Concílio Vaticano II: "A educação autêntica visa o aprimoramento da personalidade humana em relação ao seu fim último e o bem das sociedades de que o homem é membro, e em cujas tarefas, uma vez adulto, terá que participar" (10)
   Veremos dentre em pouco o objetivo específico da formação da personalidade, da formação do caráter e da formação moral. Por ora, como síntese antecipada de quanto vamos ver, fiquemos com esta definição insubistituível da FORMAÇÃO, em seu sentido mais autêntico: "De acôrdo com os progressos da psicologia, pedagogia e didática, dar assistência âs crianças e aos jovens para desenvolverem harmoniosamente seus dotes físicos, morais e intelectuais, para adquirirem gradativamente um senso mais perfeito de responsabilidade, que há de ser retamente desenvolvido na própria existência por contínuo esforço e verdadeira liberdade, superados os obstáculos com generosidade e constância".

 
III - OBJETIVOS ESPECÍFICOS

A - DA FORMAÇÃO DO CARÁTER:
   Em face do que vimos acima, quando estabelecemos o conceito de "caráter", sabemos que este não  é imutável, mas sujeito a influências internas e externas. Pode ser modificado, embora dificilmente, pela sociedade, particularmente pela educação institucional, e principalmente por determinação pessoal, em face dos valores. Donde se conclui que o principal papel desempenhado na modificação formativa do caráter cabe à vontade pessoal. Assim, educar ou formar o caráter é, em última análise, educar ou formar a vontade. (11). Não nos esqueçamos, porém, que, de acordo com o velho axioma escolástico, "nada pode ser querido, que não tenha primeiramente sido conhecido". Se a pedagogia do caráter deve ser sobretudo uma pedagogia de vivência, é preciso ter-se sempre em conta a profunda importância da "motivação" na conduta humana. Os valores, conhecidos através da educação, funcionarão como motivos tanto mais válidos quanto mais claros, definidos e desejáveis.
   Formar o caráter supõe a formação de hábitos sadios, através de uma orientação inteligentemente e de uma disciplina conveniente e o mais possível livremente aceita (12).

   Os antigos manuais falavam de "ideia-força", de "ideais", etc. Sob o nome de valôres, estas expressões são tão válidas ontem como hoje. (13).
 
B - DA FORMAÇÃO MORAL
 
   Luzuriaga (14) faz uma distinção entre "formação moral" e "formação do caráter", embora muitos sejam os autores que as confundam. Para Luziriaga, a formação moral, tem o objetivos específico de formar a personalidade moral, isto é, a personalidade que alcança a autonomia moral, a autodeterminação, a qual supõe a solidariedade com os outros. 
 Por sua vez, Miranda Santos (15) identifica a "formação moral" com "formação religiosa".
   Como já dissemos, quando tratamos do conceito de "Moral", não se deve confundir o aspecto religioso propriamente dito com o aspecto puramente moral da conduta humana. Nem, portanto, formação moral com formação religiosa, embora elas se interpenetrem e embora consideremos pessoalmente inócua e sem significão real uma Moral que não se baseie na Religião.
   Assim, o objetivo específico da "formação moral" é, como muito bem diz o Concílio (16), "dar assistência às crianças e aos jovens" para adquirirem gradativamente um senso mais perfeito de responsabilidade". O senso de responsabilidade é o atributo essencial da consciência moral bem formada. Donde a ilação lógica de que "aquisição gradativa do senso de responsabilidade" depende da formação da consciência moral. 

 
C - FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE
 
   Creio que minguém poderia exprimir melhor que o Concilio, já tantas vezes citado, o objetivo específico da formação da personalidade: "seu aprimoramento em face de seu fim último e o bem das sociedades de que o homem é membro, e em cujas tarefas, uma vez adulto, terá que participar" (17). Este aprimoramento visará especificamente "desenvolver seus dotes físicos, morais e intelectuais",

   Para Alceu Amoroso Lima (18), a formação da personalidade integral desenvolver-se em quatro planos de hierarquia crescente: o da técnica, o da ação, o da ciência e o da sabedoria.
   Como se vê, o objetivo específico da formação da personalidade se distingue do da formação do caráter, bem como do da formação moral, pois o objetivo específico de cada uma destas não é senão uma parte do objetivo próprio da educação da personalidade integral.

 
IV - INTER-RELAÇÕES NA EDUCAÇÃO
 
1a, Os três tipos de formação são inter-relacionados em virtude de sua finalidade comum: o desenvolvimento integral do homem; todas três formações visam, com efeito, o aprimoramento harmonioso da personalidade humana, em ordem ao seu destino individual, social e espiritual. 
2a. Os três tipos de formação são inter-relacionados pelo seu objeto específico respectivo, cada um representando um aspecto do mesmo homem, que, na verdade, é um ser que age, pensa e se conduz como um todo indivisível.
3a. São inter-relacionados pelo método: A formação do caráter, a formação moral e a formação da personalidade são feitas através da vivência permanente e da atividade escolar e extra-escolar em seus múltiplos aspectos.
4a. São inter-relacionados pela Lei: Com efeito, a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, enumerando os objetivos comuns da Educação, exige, em seu artigo primeiro, que este objetivo: "Letra a) a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana". "Letra d) o desenvolvimento integral da personalidadse humana e a sua participação na obra do bem comum"; Letra e) o preparo do indivíduo... para o domínio dos recursos... que lhe permitam utilizar as possibilidades e vencer as dificuldades do meio". Ora, estes são respectivamente os objetivos específicos da formação moral, da formação da personalidade e da formação do caráter.(19).

V - COMO ESSES OBJETIVOS PODEM SER E DEVEM SER ALCANÇADO PELA EDUÇÃO:

- Podem: O homem é um ser naturalmente educável. Sua personalidade sofre, como vimos, a influência de múltiplos fatores externos e internos. Os fatores externos, sociais e culturais, podem ser postos a serviço do desenvolvimento do homem, sobretudo institucionalizando-se através da obra educativa. Os fatores internos, representados pela vontade e pelo conhecimento e vivência dos valores, podem, outrossim, ser postos a serviço da formação de sua personalidade através de uma educação criteriosa e inteligente. 
- Devem: "A realidadee permanente e universal da educação, diz-nos Luzuriaga (20), faz-nos presumir que ela é função necessária à vida humana, algo que não se pode arbitrariamente fazer ou deixar de fazer".  Efetivamente, a educação é uma necessidade social, um elemento cultural indispensável, além de ser por meio de sua ação insubstituível o que o homem poderá alcançar o pleno desabrochamento de sua personalidade e atingir o seu destino espiritual.
   Que os objetivos da formação integral do homem, em seus três aspectos enumerados, devam ser atingidos através de uma educação formal, e não ao sabor das condições ambientais de vida social e cultural, é o que se pode concluir de tudo quanto estudamos a respeito da estrutura e da dinâmica da personalidade, do caráter e da vida moral. E mesmo esta educação formal poderá não satisfazer para a consecução dos objetivos colimados, se não visar, no processamento de todas as atividades, na elaboração e execução dos programas, no desenvolvimento dos trabalhos escolares e extra-escolares, na convivência escolar de cada instante, na assistência compreensivas de mestres e diretores, no bom exemplo de quantos se integrem na tarefa comum, — se não visar em tudo isso, repito, "no aprimoramento da pessoa humana em relação ao seu fim último ao bem da sociedade" (21)
Roberto Gonçalves
Escritor
 
NOTAS
(1) Cuvillier, Armand - "Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica", pág. XI, XII.
(2) Allport, Gabriel - "Psichology" - Ed. Holt, N.York;
(3) Krech e Crutchfield - "Elementos de Psicologia", 2 vol., pág. 293.
(4) Miranda Santos, Theobaldo - "Psicologia da Personalidade". pág. 12.
(5) Souza Rodrigues, A.S. - "Caráter e Temperamento" - in Barsa, vol. 4 - pág. 66.
(6) Cuvillier, op. cit., pág. 104.
(7) Miranda Santos, T. - "Filosofia da Educação", pág. 161.
(8) Paulsen, cit. obra ant. pág. 162,
(9) Amoroso Lima, Alceuy - "Humanismo Pedagógico", pág. 19.
(10) Declaração "Gravissimum Educacionis", de 28/10/65, n. 1504.

(11) Gillet, P). - "Eéduccation du Caractère", 17.
(12) L`Éducation du Caractère", pág. 161.
(13) Irala, "Contrôle Emocional e Cerebral", 
(14) Luzuriaga, "Pedagogia",pág. 176
(15) Miranda Santos,, "Filosofia da Educação, pág. 162.
(16) "Gravissimum Educationis", n. 1503.
(17) Id. Ibidm.
(18) Amoroso Lima, A. - "Humanismo Pedagógico", pág. 19.
(19) "Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional", art. 1 - in "Documenta", n. 12, pág. 68.
(20) "Gravissimum Educationis", n. 1503.

 
BIBLIOGRAFIA
- Allport, G. - "Psichology" - Ed. Hoit - N.York, 1937
- Amoroso Lima, Alceu - " Humanismo Pedagógico - Ed. Agir, 1950.
- Cuvillier, Armand - "Pequeno Vocabulário da Língua Filosófica" - Ed. C. Ed. Nac. - S.Paulo, 1961
- Concílio Vaticano II - "Documentos" - Ed. Vozes - Petrópolis, 1966
- Gillet, P. "L´´Leducation du Caractêre" - Ed. Desolée, Paris, 1933.
- Krech, David e Crutchfield, Richard S. - "Elementos de Psicologia", 2 vols. - Pioneira, S.P., 1963
- Luzuriaga, Lorenzo - "Pedagogia". - C. Ed. Nac. São Paulo, '968.
- Luzuriaga, Lorenzo - "Pedagogia Social e Política" - C. Ed. Nac. S.Paulo, 1968.
- Miranda Santos, Theobaldo - "Psicologia da Personalidade" - C. Ed. Nac. S.Paulo, 1964.
- Miranda Santos, Theobaldo - "Filosofia da Educação" - C. Ed. Nac. - S.Paulo, 1964.
- Mouly, George J. - "Psicologia Educacional" - Ed. Pioneira - S.Paulo, 1966.
- Irala - "Contrôle Emocional e Cerebral" - Ed. Loyoloa - Belo Horizonte-MG, 1966.
- Souza Rodrigues, A.S. - "Caráter e Temperamento" - in Barsa, 4a, pág. 66.
- Lei de Diretrizes  e Bases da Educação Nacional" - in 
"Cocumenta" (Conselho Federal de Educação), n. 12

 
 
 
 
RG
Enviado por RG em 04/12/2015
Reeditado em 14/07/2016
Código do texto: T5469804
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