O HUMANISMO AUSENTE NA FORMAÇÃO MÉDICA

O HUMANISMO AUSENTE NA FORMAÇÃO MÉDICA

Nos meus trinta e um anos de profissão, mais os seis da formação em medicina, quando nos defrontamos com a morte logo nas primeiras aulas de anatomia, percebia nos colegas e depois nos alunos, na condição de professor de medicina, um comportamento dual que viria a se prolongar pelo resto das suas vidas e carreiras.

Nessas aulas, demonstravam uma certa repugnância, evitando ao máximo uma maior aproximação com as peças anatômicas ou o prolongamento de seus estudos práticos com elas, muitas vezes expressando algum comentário religioso, filosófico ou de cunho social, a respeito da suposta pessoa que ali se encontrava em forma de cadáver.

Outros, na sua grande maioria, talvez pela situação de entusiasmo em ter galgado sucesso num curso tão concorrido e valorizado pela sociedade, encarava de forma indiferente, tratando como se fosse um material qualquer de estudos, algumas vezes (ainda bem que poucas), até assumindo um comportamento jocoso e desrespeitoso, como nas famosas histórias conhecidas de estudantes que simulam jogos de bola com crânios humanos ou colocação de partes anatômicas, como o pênis, nas bolsas das colegas.

Tal comportamento dual continua persistindo, significativamente, nas relações dos médicos com a morte e o morrer, consubstanciadas através de pacientes graves, em estado terminal ou nos chamados cuidados paliativos.

Evidente que a natureza da relação é diferente no seu modo de expressão. Agora os médicos assumem as seguintes posturas: ou continuam indiferentes à situação em sí, dessa vez tratando como se fosse um acontecimento corriqueiro de trabalho, digamos um acidente, o que pode levar a uma negligência ou imprudência nos procedimentos protocolares de atendimento à emergência ou assumem uma postura de inconformação e pesar, às vezes tão intensas que chegam à uma condição de sofrimento importante e que podem induzir ao prolongamento inadequado de procedimentos dispensáveis e inócuos, muitas vezes prejudiciais ao paciente e ao seu momento de morte.

Referida constatação trás à superfície do entendimento psicossocial, algumas das explicações e razões para tais comportamentos, e que leva à convicção da necessidade premente da inserção, nos cursos de medicina, de disciplinas humanísticas como sociologia e filosofia, que tratem do tema de forma tão transparente, profunda e educativa, como devem ser os temas ligados ao processo vida morte.

Marco Antônio Abreu Florentino

Médico emergencista