A afetividade e o desejo no processo de ensino e aprendizagem
A afetividade e o desejo pouco têm sido considerados e relacionados com o processo de ensino e aprendizagem. Isto porque a pedagogia tradicional, bem como, algumas teorias desenvolvimentalistas e psicológicas baseadas em uma visão dualista do desenvolvimento humano têm considerado a aprendizagem como um processo exclusivamente consciente e que ocorre como um processo regular para todos os sujeitos. Isso é pensar que assim como a criança aprende a andar e falar, ela aprende a ler e escrever.
Afetividade e desejo estão intimamente relacionados à cognição, e o fator relacional, - entre quem ensina e quem aprende, pois a linguagem é um produto social adquirido nessa relação que se expressa de forma vincular entre esses sujeitos e têm implicações na efetivação desses processos.
Ensinar é provocar o desejo do outro e esperar que o outro elicie uma resposta ou um comportamento de aprender. Porém, nem sempre a criança pode responder a expectativa do outro no ritmo que ele deseja, e as vezes, apenas os conteúdos programáticos são considerados na avaliação desse processo.
Hoje em dia já sabemos que é o próprio aluno quem constrói o seu processo de aprendizagem, e que a aquisição de um conhecimento é da ordem do desejo do próprio aluno. E que o professor no dia a dia com ele por meio de uma escuta apurada e um olhar atendo, - embasados por uma teoria pode saber como o aluno constrói os seus esquemas de linguagem; como ele faz as suas descobertas; como descobre as suas contradições e como se encanta com as novas descobertas.
Sabe-se que os processos de ensino e aprendizagem acontecem por meio dessa relação com um vínculo estabelecido entre quem ensina e quem aprende, e que é um processo dinâmico, singular que pode ser percebido no dia a dia, e não apenas no final de cada período.
O professor alfabetizador pode avaliar a hipótese de escrita em que o seu aluno se encontra, saber de sua evolução, de acordo com a proposta de Emília Ferreiro, - a Psicogênese da língua escrita. Considerar também que esse é um processo dinâmico e que a criança pode se encontrar, por exemplo, no nível pré-silábico em um dia, e no outro, no silábico.
O professor pode observar também como o aluno constrói os seus processos mentais; como ele evolui nos seus estágios cognitivos, por conta da teoria do Desenvolvimento da inteligência de Jean Piaget. Porém, no que se refere às fases/estágios relacionados com as idades das crianças, há de se considerar que essas contribuições são apenas parâmetros para uma análise no decorrer do processo.
Quanto ao fator relacional, temos a contribuição de Vygotsky que trata do intercâmbio social, de como essa troca entre sujeitos ocorre; como a comunicação se efetiva. Ele defende que o professor deve considerar o contexto social ao qual o aluno está inserido nessa análise, que ele nomeia como “Compensação social”. Ele desconsidera também que a criança seja classificada por fases ou estágios.
Henri Wallon inovou esse pensamento ao colocar afetividade e o desejo como aspectos centrais do desenvolvimento humano, - Para ele: “Não há ato de ensinar e aprender sem a mediação concreta de sujeitos humanos, não havendo, portanto, relação ensino-aprendizagem sem que haja atuação indissociável entre a inteligência, afetividade e desejo”. Wallon vem nos dizer como somos afetamos por elementos internos e externos, - afetamos o outro e somos afetados de forma definitiva seja pelo olhar, por uma palavra, movimentos, e somos afetados pelo ambiente na medida em que nos interessamos por algum objeto de desejo.
Contrariando a corrente de pensamento de que o aprender é linear, a psicanálise vem propor analisarmos e discutirmos o processo de ensino e aprendizagem a partir de uma visão integral do sujeito-aluno, - biológico, cognitivo, afetivo, emocional e que devemos considerar também os processos inconscientes implicados na relação com o outro. Pois, o ensinar e o aprender estão implicados no envolvimento com o ambiente, a empatia com o outro, sua história de vida e constituição psíquica, condições essas em que torna possível a evolução dos dois processos - ensino e aprendizagem.
A principal contribuição da psicanálise está relacionada com as “Forças inconscientes”, - energia psíquica que é o que move o comportamento humano, o que o leva o sujeito a querer viver, realizar e sentir prazer. Isso acontece por meio de emoções conscientes, e sobretudo, inconscientes, e é por meio das relações com o outro que somos marcados de forma singular.
Para a psicanálise, a sequência evolutiva do desenvolvimento psíquico é pré-natal. A Psicanálise prevê que a criança é marcada antes de nascer pela linguagem, - pela voz da mãe, pelo discurso dos pais, pelo discurso do outro. Ela é pensada, desejada, marcada, muito antes de nascer de forma singular. Quando a criança chega ao mundo completamente desamparada ela é acolhida pela voz da mãe, pois essa já lhe é familiar. Quando é colocada sobre o peito da mãe ao nascer, ela se sente amparada, acolhida, porque já reconhece o ritmo dos seus batimentos cardíacos.
Segundo a psicanálise, a criança é marcada desde muito cedo de forma subjetiva, e continua sendo marcada dessa forma por meio das relações ambivalentes com seus pais, considerando que esses representam as primeiras figuras que exercem grande influência sobre a criança. Os pais são aqueles que vão traduzindo os sons, os sentimentos, as dores, as insatisfações da criança, e mais tarde vão pontuando os seus comportamentos, entrando com o limite, a entrada da moral. Porém, a criança precisa perceber as movimentações dos pais em direção à sua autonomia, independência para vencer a alienação com a mãe. A criança precisa ser autorizada a superar fases. Todo esse processo acontece de forma simbólica. É dessa forma que a criança vai sendo preparada para a entrada no social. E o que marca a sua entrada no social é a entrada na escola.
Na escola a criança vai ser afetada, marcada novamente pelo discurso do outro, e ela vai responder de acordo com as experiências empíricas no seu contexto privativo e as suas marcas subjetivas.
Mas, antes da criança querer aprender algo novo, longe do seu lugar privativo, ela precisa ter vencido a alienação com a mãe, pois essa é a primeira e grande desconexão que a criança precisa fazer do mundo particular. Pois a questão é que muitas vezes, a criança ainda está presa ao seu mundo privativo e, esbarra o tempo todo na demanda da mãe. Ela precisa também ter adquirido autonomia para responder às atividades escolares.
O mundo social é apresentado à criança por meio da professora, essa deve ocupar um lugar de descobridora de desejos, tradutora de sentimentos e emoções. A criança precisa ser afetada por seus estímulos, que é o que pode provocar nela o gosto pelas novas aprendizagens.
Na escola a relação de significação da criança com aquele que quer ensinar-lhe algo vai depender do tipo de vínculo emocional existente; de como a professora vai "afetar" a criança, pois é por meio de uma relação vincular entre os dois sujeitos que ocorre de forma simultânea - o processo de ensino e aprendizagem.
É nessa relação vincular entre quem ensina e aprende que o processo de ensino e aprendizagem se efetiva, que a criança faz movimentos. Porém, o vínculo afetivo será conquistado pelo professor; é nessa transferência que a professora vai ser autorizada pela criança a ocupar esse lugar de influência sobre ela. É nesse processo que a professora entra como um terceiro na relação -, mãe x pai x professora. Será por meio do discurso da criança que os pais vão autorizar a entrada da professora nessa relação. Então, a capacidade de representação adquirida com a aquisição da linguagem e do pensamento é um desses momentos principais da constituição do sujeito.
Considerando os aspectos que estão implicados nos processos de ensino e aprendizagem, não podemos desconsiderar o contexto social, a história de vida, e a constituição psíquica de quem ensina.
Nessa perspectiva é considerar que as questões subjetivas que são simbolizadas nessa troca com o outro estão implicadas na efetivação dos processos de ensino e aprendizagem.
Por outro lado, os pais e professores precisam ter a humildade de aceitar que não têm o domínio sobre o desejo da criança; que muitas vezes, as manifestações observadas no comportamento da criança no processo de aprendizagem pode ser apenas um sintoma que está relacionado com os seus conteúdos conscientes e inconscientes.
Ensinar algo para uma criança é abdicar de um lugar de autoridade, de suposto saber, de rigor obsessivo, de achar que tem o domínio sobre o seu pensamento e desejo. Se não, cairemos naquela certeza tradicional e visão dualista de desenvolvimento humano de que tudo acontece de forma linear, e no mesmo ritmo para todos.
Apesar de Freud não ter deixado algum escrito sobre educação, podemos dizer que, em toda a sua obra, há uma preocupação constante com essa interação entre os sujeitos, o lugar que cada um ocupa e responde. Freud constrói um corpo teórico fundamentando essa concepção de homem como um ser histórico, social e cultural, e trata dessa inserção do homem na cultura.
A escola ao receber uma criança, ainda insegura, e ao querer inseri-la na linguagem que representa a sua cultura, precisa antes de tudo saber o que essa criança já superou; conhecer a sua história de vida; o que ela já conhece, e acompanhar os seus processos mentais para saber como ela aprende.
Maria Teixeira @Maria Teixeira2020
Mestre em Psicologia da Educação, Psicopedagoga, pedagoga, professora (graduada em Letras), com estudos psicanalíticos em Freud e Lacan.
Email: m.teixeira@uol.com.br
Publicações da autora:
Livros: Habilidades de Relacionamento Interpessoal
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