Universidades invisíveis
Participar de palestras, seminários e congressos, conferencias e outras modalidades de exposição de projetos, pesquisas, trabalhos científicos e pensamentos denominados como da academia, remete a lembrança de Ítalo Calvino (1923-1985), quando escreveu “As Cidades Invisíveis” (Biblioteca Folha), com tradução de Diogo Mainardi. O texto original pode ser encontrado em: Le città invisiblili (Einaudi, Torino 1972), di Italo Calvino. Italo nasceu em Cuba e depois mudou-se para Itália, onde se faz notar em sua biografia, que foi influenciado pelas ideias de Gramsci (que também viveu em uma ilha), pelos lugares que viveu e por lugares italianos onde trabalhou. Ainda em sua biografia, com algumas notas discretas, percebe-se a influência de Garcia Marques
Em seu trabalho (As Cidades Invisíveis), Calvino descreve algumas cidades com suas geografias, sociologias e outras tipologias. Cidades descritas que podem levar a outras interpretações, como a descrição de mulheres, já que as cidades possuem nomes femininos, e as cidades citadas tem formas e visões do feminino, a partir de um universo masculino. A começar pelo gênero da palavra, ele cita e descreve cidades (feminino), e não países, lugares ou municípios (masculino). E Calvino descreve cidades de olhares, cidades de memorias, cidades esquias, cidades altas e outras modalidades ou particularidades de mulheres e cidades.
Em eventos, principalmente os originários da academia, na academia, e para academia, encontramos algumas modalidades de participantes como: palestrantes, conferencistas e figurantes, aqueles que se dispuseram a sentar e ouvir, sem argumentar, sem questionar, sem articular seus conhecimentos com o conhecimento citado ali. Palestrantes sobem em um palco com oratório para fazer seu stand up. Apresentar seu show, e seus conhecimentos, com direito a luzes e som, sonoplastia e apoio técnico. Tem um parlatório, ao seu dispor, com o público abaixo, de suas posições no palco. Tem a palavra sem interrupção, até que seja dada a palavra a plebe, presente no auditório, com sede de agua e conhecimento. O orador fala para um público presente como fala aos seus alunos, em suas faculdades e universidades de origem, fala aos seres desprovidos de luz (a lunes).
Dentre os conferencistas, convidados da mesa e palestrantes, a plateia toma conhecimento de suas presenças, e suas bagagens de conhecimento, pelo discurso do apresentador, ou
mestre de cerimonias, o mestre cerimonialista, tal como as entidades secretas, quando elas eram locais de divulgação de um conhecimento oculto e restrito. Com informações citadas de suas formações e titulações, com direito aos nomes das instituições, com localizações de cidades e países. Universidades estrangeiras e distantes costumam ter um valor mais agregado, sendo as preferenciais nas apresentações. Daí então a plateia situada fisicamente abaixo dos locais onde são constituídas e compostas as mesas, por apresentações de graduações em estados brasileiros, mestrados na França, doutorados americanos, com pósdoc, na Inglaterra e na Alemanha. Os mortais da plateia por vezes precisam comprovar que tem um conhecimento suficiente, reconhecido e autorizado, para ficar simplesmente, como um comum, ali sentado. A plateia esta simbolicamente situada a baixo do nível onde se posicionam os conferencistas, mesmo que se de o nome da sessão, de uma mesa redonda. E para que não haja conflitos é nomeado um mediador, que como juiz conduz a disputa de títulos, estabelecendo regras de tempo e o embate final.
A composição da mesa apresenta para a plateia, as suas universidades invisíveis, e seus títulos invisíveis, que a plateia não vê, apenas supõe e imagina. Universidades e cidades, diplomas e títulos, que precisam fazer parte da imaginação da plateia. Como campus universitários enormes e abertos, para o espaço, com espaços livres tal como vistos em filmes que mostram universidades. Locais onde se encontram velhos magistrados, grandes catedráticos, magníficos diretores e magnânimos reitores. Corpos docentes e corpos discentes, interagindo com opiniões, cálculos e pesquisas. Solenidades de graduações e titulações com bacharéis do conhecimento.
Detentores da informação, do saber e do conhecimento. Leitores de revistas cientificas direcionadas a seletos consultores, compostos por corpos editoriais imaginários, onde todo artigo cientifico deve passar por critérios de formatação, e pelo crivo de um grupo seleto e secreto, para ler e analisar, um grupo para autorizar que um conhecimento seja publicado. Conhecimentos que fortaleçam seus próprios conhecimentos.
Imaginamos naquelas universidades invisíveis, localizadas em cidades distantes, inúmeros mestres, e não professores, com seus alunos e discípulos de beca e capelo seguindo os passos de seus mestres e orientadores. Atentos a suas falas, gestos e seus olhares. No Brasil convivemos com novos deuses mitológicos da academia, os filhos de Lattes.
No auditório, a plateia sempre atenta e disposta a ouvir, escuta seus destinos de eternos brasileiros; destinos de terceiro mundo, de subdesenvolvimento e de pais em desenvolvimento. Destinos ditados e escolhidos por mestres e doutores, de universidades imaginarias. Com olhos e ouvidos atentos aguardam notícias alvissareiras e soluções, para então enfim chegar ao topo, participar do primeiro mundo. A busca constante de ser participante de um país desenvolvido e respeitado como um pais de primeiro mundo, ser um brasiliano.
Destinos e objetivos, com curtos, médios e longos prazos. Destinos traçados em gráficos das melhores apresentações, com estratégias de formas e cores; tracejados contínuos, coloridos e intermitentes; gráficos de barras, colunas e pizzas. Com data show, com controle remoto, e canetas laser para apontar as imagens nas enormes telas. Auditório escurecido e a repetição do mito da caverna de Platão, é projetado em uma tela ou parede, luzes e sombras do que acontece lá fora.
Na plateia, ouvem com atenção pesquisas e estatísticas de um futuro nada promissor. E ao povo representado como a plateia ouvinte, é determinada uma missão. A missão de salvar o planeta, com muito trabalho e economia dos recursos minerais. Eles já identificaram e problema e já tem a solução. Falam sempre em recursos minerais, os mesmos recursos que um dia palestrantes já os colocaram com bens preciosos e que precisavam ser explorados, fortalecendo a economia de um pais em desenvolvimento e que um dia poderia ter um lugar no primeiro mundo. Os minerais que estavam ocultos nas florestas, ocultos por baixo dos solos, perdidos entre rios e regatos, nascentes e afluentes.
Os minerais que para encontrar e retirar, extrair e processar, foi necessário cavar e revirar o solo, com o argumento que podia ser vendido a outras nações, e assim o Brasil seria bem remunerado, ser um pais desenvolvido, e seu povo bem alimentado. E assim foi a história: cedemos minerais e vegetais, para comprar industrializados. E hoje eles vendem ideias e ferramentas de gestão, bens imateriais, nada convencionais, sem direito a troca ou manutenção.
A academia funciona como uma loja de eletrodoméstico, com chamadas para recall de especialização e atualização. Na academia ou nas lojas de eletrodomésticos há sempre um produto novo que facilita a dona de casa ou a pobre população, de uma rica nação. Os pobres subdesenvolvidos. A última moda em produtos imateriais é gestão e inovação, com ferramentas de qualidade e de gestão.
A água está sempre presente, à mesa e à composição da mesa, como liquido universal. O liquido inodoro, incolor e sem sabor, presente em qualquer parte do planeta, qualquer nação, qualquer cidade ou qualquer casa (aqui com restrições). Presente sob um argumento cientifico, de molhar a garganta, favorecendo as cordas vocais, a oralidade do discursista, o refrescar das ideias e pensamentos. A agua está ali presente contida em um copo transparente, tal como deve ser o discurso; contida e retida em um vaso de vidro translucido e transparente, a taça histórica de uso de reis e rainhas, a taça das reuniões e organizações secretas ou abertas. A agua límpida e retida para lembrar ao orador, e participantes da mesa, de que todos os presentes vieram da água, vieram de uma gestação envolta em líquidos em um ambiente escuro, contido e restrito.
Oradores chegaram para trazer novas contas à pagar. As contas apresentadas agora, para o povo e para a população, é a conservação e preservação dos solos, e a otimização do consumo da água. A associação descrita em gráficos e falas, da degradação do meio
ambiente com a presença de populações empobrecidas. Oferecem um resgate das áreas degradadas, com a possibilidade de uma vida digna aos pobres degredados. Ideias que custam conhecimentos e valores a serem pagos.
Em uma análise urbana vamos perceber, que as populações com limitações econômicas estão presentes em terras desprezadas, terras que em algum dia, ou em algum momento, os que tinham posses não se interessaram em ocupar. Até chegar o dia em que estas terras ganhem um valor de exploração e ocupação. Aqui analise do micro espaço, para compreender a ocupação de um macro espaço. As pesquisas apresentadas já têm tudo mapeado, tudo preparado para começar. Como tipos de solos, qualidade da água, a visão cartesiana de divisão de tipos e etapas. Um modo de olhar para pequenas partes desviando o olhar maior, o macro.
Muitos destes dados divulgados podem ser pesquisados na internet, o outro lado de vivermos na era da informação. Outros dados foram pesquisados e conquistados, com acordos de cooperação; contratos de riscos e acordos de exploração. Informações que deveriam ser restritas aos interessados estão nas mãos de outros, que prontamente aparecem com propostas de solução. Só quem cava conhece o buraco que faz.
Poderemos encontrar na plateia, e muito mais do lado de fora, estudantes eternos que concluíram seus estudos básicos no Vale do Jequitinhonha, um segundo grau exemplar no Raso da Catarina; muitos fizeram mestrado no Seridó, doutorado no Cariri; e uma nata celestial com pós doc. na catinga e no sertão, com passagens e estudos no serrado e no agreste. Todos cursaram uma universidade aberta, sem portas e sem janelas, sem muros ou grades que pudessem impedir a chegada do conhecimento. Uma universidade com mudanças e permanências. As mudanças do clima e do solo ao longo de décadas, séculos. A permanência no local como campo de estudo, que permitiu observar as mudanças na paisagem.
Discursos áridos e semiáridos mostram uma perspectiva desastrosa, caso uma providencia não for tomada em curto prazo de tempo. A sobrevivência do homem depende da sobrevivência do planeta com suas multiplicidades, diversidades e pluralidades. No palco o discurso eterno da economia, que os recursos são sempre escassos. Escassos para quem não tem recursos financeiros ou naturais. Escassos para quem já esgotou recursos próprios ao longo da história.
O ser, o homem tipicamente nativo acumulou mais de quinhentos anos de conhecimento, sobre o homem denominado como civilizado. O homem civilizado primeiro desembarcou e ofereceu uma religião, chegou ao ponto de uma imposição. Depois ofereceu uma ciência, que vem ao longo da história, a todo custo provar e reprovar; por (a+b), por logaritmos, derivadas e integrais. Matemáticas e argumentos que tendem ao infinito.
O homem nativo não escreveu seus conhecimentos em tabuas, papiros, papeis ou livros, transmitiu a seus descendentes do modo oral. Já tinha tecnologias avançadas, algo similar do que acontece hoje, a transmissão de informações via bluetooth, onde dois aparelhos trocam informações quando estão perto. Os índios já faziam isto com seus HDs intelectuais, com as suas proximidades físicas e culturais.
Há muito tempo os indígenas já praticavam uma EaD, levavam seus conhecimentos e suas informações a distância, com sinais de fumaça, batidas e pancadas em grandes troncos. Hoje as universidades repetem suas antigas estratégias, utilizadas nos antigos cursos por correspondência.um modo estratégico de afastar os alunos da proximidade das bibliotecas e outros alunos. E dão o nome de inovação, o que não passa de uma repetição. Incentivam os startups, quando são os maiores startups já existentes.
Nativos nunca de apropriaram de conhecimentos como fez e faz a academia, denominada como academia do conhecimento. Desde sempre seus conhecimentos foram socializados e transmitidos pari passo, sem a cobrança de taxas ou mensalidades. Sem critérios de aprovação ou reprovação. Em suas tribos acontece uma formação continuada, modelo que vem sendo copiado pelos homens acadêmicos, depois de formados. O homo academicus de Pierre Bourdieu, quando descreve os bastidores da academia.
31/05/15
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Roberto Cardoso
Reiki Master & Karuna Reiki Master
Jornalista Científico FAPERN-UFRN-CNPq