Que mundo é este, que assusta e mata as crianças?
 
  O pequenino sírio de 3 anos jaz afogado na praia, pálido e ainda com suas roupinhas de criança. De braços e com rosto voltado para o lado, como quem quisesse ainda respirar. As ondas tiveram piedade dele e o levaram à praia. Os peixes, sempre famintos, o pouparam porque também eles se compadeceram de sua inocência. Aylan Kurdi é seu nome. Sua mãe e seu irmãozinho também morreram. O pai não pôde segurá-los, e eles lhe escaparam das mãos, tragados pelas águas.
  Querido Aylan: você fugia dos horrores da guerra na Síria, onde tropas do presidente Assad Lutam contra soldados do cruel Estado Islâmico. Imagino que você tremia ao som dos aviões supersônicos que lançam bombas assassinas. Não dormia de medo de que sua casa voasse pelos ares em chamas. 
  Quantas vezes você não deve ter escutado de seus pais e vizinhos quão terríveis são os aviões não tripulados?! Eles caçam as pessoas pelas colinas desérticas e os matam. Talvez você nem imagina que quem pratica essa barbaridade e está por trás disso tudo é um soldado jovem, vivendo no Texas, num qualtel militar. Nada sente, nada escuta, nem chega a ter pena. Lá, no outro lado, a milhares de quilômetros, são mortos subitamente de 30 a 40 pessoas, crianças como você, pais e irmãos, pessoas que nada tem a ver com a guerra.
  Por causa do terrou que vem pelo céu e pela terra, pelo pavor de serem mortos ou degolados, seus pais resolveram fugir. Levaram toda a família. Nem pensam em arranjar trabalho. Apenas não querem morrer ou ser mortos.
  Você não pode chegar a um lugar de paz. Aylan, mas agora, apesar de toda a tristeza que sentimos, sabemos que você, tão inocente, chegou a um paraíso onde pode, enfim, brincar, pular e correr por todos os lados, na companhia de um Deus que um dia foi também menino, de nome Jesus, e que, para não deixá-lo só, voltou a ser de novo menino. E veja que surpresa: lá estará também seu irmãozinho. E sua mãe vai poder abraçá-lo, como fazia tantas vezes.
  Você não morreu, meu querido Aylan. Foi viver e brincar em outro lugar muito melhor. O mundo não era digno de sua inocência. 
  Que mundo é este, que assusta e mata as crianças? Por que a maioria dos países não quer receber os refugiados do terror e da guerra? Não são eles nossos irmãos. Inabitando o mesma Casa Comum, a Terra? Esses refugiados não cobram nada. Apenas querem viver, poder ter um pouco de paz e não ver os filhos chorando de medo e saltando da cama pelos estrondos das bombas. Gente que quer ser recebida como gente, sem ameaçar ninguém. Apenas quer viver o seu jeito de venerar Deus e de se vestir como sempre se vestiu.
  Não foram suficientes 2.000 mil anos de cristianismo para fazer os europeu minimamente humanos, solidários e hospitaleiros? Aylan, o pequeno sírio, morto na praia, é uma metáfora do que é a Europa hoje: prostrada, sem vida, incapaz dse chorar e de acolher vidas ameaças. 
  Querido Aylan, que a sua imagem estirada na praia nos suscite o pouco de humanidade que resta em nós, uma réstia de solidariedade, uma lágrima de compaixão que não conseguimos reter em nossos olhos cansados de ver tanto sofrimento inútil. Ajude-nos, por favor, senão a chama divina que tremula dentro de nós pode se apagar. 
  De Leonardo Boff, um vovô de país distante que já acolheu muitos de seu país, a Síria, e que se compadeceu com a sua imagem na praia, que lhe fez escapar doloridas lágrimas de compaixão. 

 
Leonardo Boff
Filósofo e Teólogo

 
- Publicado no Jornal O TEMPO, 11/9/2015

Roberto, para estas coisas tão humananitárias nem precisa pedir licença. Pode publicar este e outros artigos que achar conveniente.
Forte abraço,

Leononardo Boff