A GESTÃO PÚBLICA E OS IMPACTOS DA TECNOLOGIA

A GESTÃO PÚBLICA E OS IMPACTOS DA TECNOLOGIA

Joenildo Fonseca Leite

Apresentação

Neste presente artigo procuraremos refletir sobre os impactos da gestão tecnológica dentro do sistema público governamental, bem como as reações estruturações como consequência destas ações na força de trabalho de cada setor.

Tenho certeza que não é novidade para ninguém o fato de vivermos em um período de rápidas mudanças, em que transitamos de uma sociedade salarial (Castells) para uma sociedade pós-industrial (Bell), onde as reestruturações tecnológicas e produtivas dão indicativos tanto da expansão do tempo livre (De Masi), do fim do trabalho como aspecto central das relações de produção (Offe), como de gerador de altas taxas de desemprego (Rifkin).

No âmbito governamental, verificamos que os processos de reforma e modernização da gestão pública estão enfrentando um novo desafio, qual seja, o de adaptarem-se à crescente difusão das inovações tecnológicas e à expansão de um novo paradigma produtivo associado ao estabelecimento da chamada “sociedade do conhecimento”.

Na atual terceira revolução industrial, temos a biotecnologia, os novos materiais e as Tecnologias da Informação e de Comunicação (TIC) — principalmente as baseadas na microeletrônica, nas telecomunicações e no processamento de dados no ambiente Internet — como as responsáveis pelo surgimento de novos métodos de produção, novas formas de organização, novos produtos e novos mercados.

Neste sentido, com o intuito de promover uma maior utilização das TIC, por parte das administrações públicas, diversos governos criaram programas para a implantação da Sociedade da Informação, onde por meio de um documento chamado Livro Verde, propõem diretrizes para a estruturação de infraestruturas de comunicação, regulação, educação e universalização de acesso ao ambiente digital, bem como para o desenvolvimento de ações governamentais que também promovam o incremento da sua eficiência e da sua transparência, por meio do uso intensivo destas tecnologias.

Depois que estas propostas são colocadas à disposição de outras áreas do governo, da iniciativa privada, da comunidade científica e da sociedade civil e têm validados os seus conteúdos, o plano resultante é consolidado no que se costuma denominar de Livro Branco.

Nos processos de promoção de uma Sociedade da Informação, há um reconhecimento generalizado de que uma das estratégias mais importantes a ser adotada é a do desenvolvimento de ações voltadas ao estabelecimento de um governo adaptado às características e às necessidades de uma nova Era do Conhecimento, em que a adoção destas novas TIC venha a proporcionar melhorias nos processos de gestão interna e de prestação de serviços à sociedade.

Assim, temos que, sempre que as transações realizadas por governos, empresas ou indivíduos estão baseadas na plataforma Internet, estas são rotuladas como e-business ou “negócios eletrônicos”.

Sendo que para o âmbito das administrações públicas, foram cunhadas as expressões “governo eletrônico” ou, mais recentemente, “governo digital” ou “governo virtual” para designar “toda a prestação de serviços e informações, de forma eletrônica, para outros níveis de governo, para empresas e para os cidadãos, 24 horas por dia, sete dias por semana”.

A partir destes pressupostos, é natural que se formule um amplo questionamento sobre como a adoção das TIC influencia a estrutura, a forma de gestão, o capital humano e o desempenho das organizações públicas.

Desta maneira, este trabalho propõe-se a promover o debate e a fomentar a inserção destas questões nas pautas de discussão das administrações públicas, inicialmente, por meio de uma revisão das visões (Livros Verdes), dos programas (Livros Brancos) e das ações empreendidas para o estabelecimento de um governo eletrônico no Brasil, no Canadá, em Cingapura e no Reino Unido, ao mesmo tempo em que busca identificar aqueles aspectos relacionados às novas formas de gestão, de reestruturação do trabalho e à aquisição contínua de novos conhecimentos por parte das organizações e de seus recursos humanos.

Adicionalmente, como forma de ilustrar as vicissitudes enfrentadas em áreas de atuação e de conhecimento tão inovadoras quanto complexas, é apresentado um estudo de caso, em que são examinados os impactos sobre os processos organizacionais e sobre a força de trabalho em duas organizações públicas brasileiras - a Secretaria da Receita Federal (SRF) - que, atualmente, ocupam posição de destaque na utilização das novas TIC.

As políticas e iniciativas do governo brasileiro para a estruturação de um governo eletrônico estão descritas, principalmente, em dois documentos: o Livro Verde, elaborado pelo Programa Sociedade da Informação no Brasil e a Proposta de Política de Governo Eletrônico para o Poder Público Federal, elaborado pelo Comitê Executivo do Governo Eletrônico.

Além disso, o governo federal desenvolveu um website ou endereço eletrônico exclusivo onde estão disponíveis o histórico do comitê, a legislação pertinente, os documentos gerados, as notícias e os eventos relacionados ao assunto.

Em setembro de 2000, o Programa Sociedade da Informação no Brasil, subordinado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, publicou o Livro Verde para divulgação e debate das diretrizes e das suas metas de implementação. Assim como em outros países que buscam definir políticas e prioridades rumo à Sociedade da Informação, o trabalho apresenta uma ampla descrição das oportunidades e riscos a serem enfrentados e desenvolve sete grandes linhas de ação, Brasil (2000):

a) mercado, trabalho e oportunidade;

b) universalização de serviços para a cidadania;

c) educação na sociedade da informação;

d) conteúdo e identidade cultural;

e) governo ao alcance de todos;

f) Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), tecnologias-chave e aplicações; e

g) infraestrutura avançada e novos serviços.

Dentro da abrangência proposta por este trabalho — a de analisar os impactos do governo eletrônico nas estruturas organizacionais e na força de trabalho das administrações públicas, identificamos dois itens de aderência ao tema, neste documento: o Capítulo 2, relativo a mercado, trabalho e oportunidades e o Capítulo 6, que trata das ações do governo eletrônico.

No Capítulo 2, reservado à promoção da competitividade das empresas nacionais, ao apoio à implementação do comércio eletrônico e à oferta de novas formas de trabalho, há destaque para as propostas de uso da Internet (com assunção para o ambiente de governo eletrônico), para o desenvolvimento de oportunidades de alfabetização digital, de capacitação técnica e reciclagem profissional, além da promoção de soluções de teletrabalho.

Apesar destas definições e diretrizes, as organizações públicas brasileiras ainda não possuem uma estratégia integrada e organizada de forma a preparar servidores e gerentes para a plena utilização das ferramentas e para o aproveitamento das oportunidades oferecidas pelas novas tecnologias, sendo, entretanto, prática consolidada a existência de programas permanentes de treinamento em microinformática, voltados à capacitação em aplicações de automação de escritório e de introdução ao ambiente Internet.

No Capítulo 6, dedicado à promoção da informatização dos serviços públicos, há destaque às ações de capacitação em gestão das TIC para os integrantes da administração pública.

Neste aspecto, cabe destacar a existência, no âmbito do governo federal, de uma ação voltada à capacitação de servidores públicos de alto nível, com a implantação de um curso de Especialização em Tecnologias da Informação e Comunicação (com módulos gerenciais e técnicos), elaborado pela Secretaria de Logística de Tecnologia da Informação e ministrado pela ENAP Escola Nacional de Administração Pública, ambas subordinadas ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Em relação ao documento elaborado pelo Comitê Executivo do Governo Eletrônico e intitulado Proposta de Política de Governo Eletrônico para o Poder Público Federal, (BRASIL, 2000) também de setembro de 2000, há um detalhamento de metas e macroobjetivos prioritários.

Sob o objeto deste trabalho, merecem destaque as ações que direcionam para a obtenção de novos insumos quanto:

a) à mensuração e controle dos serviços prestados, seja:

• pela realização de pesquisas de qualidade e de satisfação dos usuários;

• pela medição do índice de atendimento às consultas e solicitações dos visitantes;

• pelo acompanhamento da tramitação de processos pela Internet; ou

• pela implantação de uma Ouvidoria, vinculada à Presidência da República; e

b) a novas formas de atuação da administração pública, com ênfase na:

• disponibilização de todos os serviços prestados no ambiente Internet;

• implantação de solução de call centre governamental integrada;

• institucionalização da modalidade de pregão eletrônico para a realização de compras governamentais;

• eliminação do uso do papel na documentação governamental; e

• integração dos sistemas de gestão administrativa. RSP

Todas estas ações já estão implementadas ou encontram-se em avançado estado de andamento, mas os seus impactos em relação a mudanças organizacionais ou sobre a força de trabalho, como um todo, ainda estão para ser mensurados.

Em relação à implantação de um governo eletrônico, também cabe ressaltar que o website oficial do governo brasileiro possui informações institucionais sobre a estrutura e as ações de governo e oferece links para a prestação eletrônica de 101 serviços de utilidade pública, mas o seu principal objetivo é o de criar um canal de comunicação com a sociedade por meio da facilidade do Fale Conosco, que é administrado pela Secretaria de Comunicação de Governo da Presidência da República.

Contudo, há um website, conhecido como o portal de serviços da rede governo, mantido pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, que também é dedicado à prestação de serviços e à divulgação de informações públicas.

Este “portal é a entrada virtual para todas as páginas oficiais brasileiras disponibilizadas na Internet por meio de links diretos a mais de 700 páginas de serviços e 4.000 sites com informações governamentais”.

Em 1996, o Ministério de Suprimento e Serviços do Canadá publicou o documento intitulado Construindo a Sociedade da Informação: Movendo o Canadá em Direção ao Século XXI, em que são apresentadas as políticas e iniciativas a serem adotadas para facilitar a transição rumo a uma sociedade da informação e a uma economia do conhecimento, (CANADA,1996).

Este documento não identifica especificamente os impactos na estrutura organizacional e na força de trabalho da administração pública, mas genericamente e também pelo fato de no Canadá existir um Ministério do Desenvolvimento dos Recursos Humanos, existe o compromisso de que um dos seus objetivos estratégicos é o da criação de empregos em função da inovação e dos investimentos esperados.

Também, por ser país produtor de conhecimento e, dentro da segunda linha de ação de produção de conteúdo — há explicitação de estratégia de expansão de oportunidades e da criação de empregos.

Em relação à terceira linha de ação (CANADA,1996), relativa à aquisição de benefícios advindos das novas configurações produtivas, há compromisso do governo em identificar os impactos sobre o emprego e em assegurar que os padrões de trabalho dos trabalhadores sejam protegidos, além do que são empreendidos esforços do governo federal no sentido de promover a cooperação entre as províncias, os territórios, os empregadores e outros interessados, no sentido de adotar uma cultura de educação continuada, considerada como parte integrante da evolução para uma Sociedade da Informação.

Neste documento não é dada tanta ênfase à tecnologia em si, mas à análise das consequências das TIC sobre o trabalho, particularmente sobre o emprego, sobre as novas formas de organização do trabalho e sobre a necessidade de serem empreendidas ações no sentido de “assegurar proteção ao trabalhador.”

A partir destas definições estratégicas, (CANADA,2000), o governo canadense estabeleceu diversas parcerias com a iniciativa privada e com organizações não-governamentais no sentido de criar:

a) o CanWorkNet,11 um diretório nacional coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento dos Recursos Humanos que possui uma base de dados com os endereços eletrônicos de documentos e organizações relacionadas aos temas: emprego, desenvolvimento de carreiras, mercado, local de trabalho etc.;

b) a SchoolNet, um projeto coordenado pelo Ministério da Indústria que pretende interligar as 16.500 escolas canadenses, de forma a promover o intercâmbio de experiências de aprendizagem;

c) o Office of Learning Technologies, subordinado ao Ministério do Desenvolvimento dos Recursos Humanos, com o intuito de promover o efetivo uso das tecnologias de aprendizagem e de expandir novas oportunidades de aprendizado inovativas; e

d) o TeleLearning Network of Centres of Excellence, da Universidade de Fraser, em que pesquisadores de padrão internacional buscam, de forma colaborativa, desenvolver abordagens de ensino adequadas às novas tecnologias e ao estabelecimento de uma sociedade do conhecimento.

Conforme relatório da consultoria Accenture (2001), intitulado Liderança em Governo Eletrônico,14 entre 22 governos que buscam o aperfeiçoamento das suas soluções de governo eletrônico, Cingapura ocupa o segundo lugar (logo abaixo do Canadá) em uma categoria que é classificada como “maturidade em e-gov” — um conceito que engloba definições como tipo, nível e modo com que os serviços de divulgação de informações, de interação e de transações eletrônicas são prestados por estes mesmos governos.

Cingapura, segundo Campillo (1998) apresenta-se como uma liderança inovadora ao buscar transformar-se em uma “ilha inteligente” e em referência internacional na construção de uma nova economia digital e na prestação de serviços de governo eletrônico, sendo que para isso, implantou o que é conhecido como Singapore One, uma rede de comunicações nacional onde estão interligados todos os prédios do governo, as empresas, as escolas e as residências.

Já em relação ao desenvolvimento do capital humano, foi criado um grupo de desenvolvimento da força de trabalho (MDD), também vinculado à IDA, cujo objetivo é o de promover a formação e o emprego de recursos capacitados em TIC, de forma a assegurar que existam os fundamentos necessários à atuação competitiva do país em âmbito internacional.

Para atingir estes objetivos, foram priorizadas iniciativas em três áreas de atuação:

a) treinamento;

b) programas de certificação e de reconhecimento profissional; e

c) e-Learning.

Já o Livro Branco da Modernização do Governo britânico que foi publicado em março de 1999 ressalta as características de uma nova realidade em que o governo deve ser capaz de adaptar-se continuamente a reestruturações sociais, políticas e econômicas, aos impactos das TIC, a buscar novas formas de inter-relação com os cidadãos e com o mercado e a promover a aprendizagem contínua de seus servidores.

Assim, este documento apresenta um programa de mudanças em que a modernização do serviço público, orientada para o atendimento ao cidadão e a resultados, é peça fundamental na melhoria na forma como o governo:

a) elabora as suas políticas;

b) provê serviços de interesse da sociedade;

c) avalia a qualidade dos serviços prestados;

d) utiliza as novas tecnologias; e

e) valoriza o serviço público.

Destes cinco pressupostos surgiu a recomendação de que fosse desenvolvida uma estratégia de utilização das TIC que resultou em um documento intitulado “Governo Eletrônico — Uma estrutura estratégica para os serviços públicos na era da informação”, publicado em abril de 2000.

Neste documento não estão determinadas soluções técnicas ou tecnológicas, mas é feito um direcionamento em que espera-se que o serviço público deverá adotar novos modelos de gestão a partir do desenvolvimento do potencial de mudança das novas tecnologias, basicamente por meio de soluções de e-business, em que o governo poderá prestar informações e serviços à sociedade (e-gov), bem como realizar aquisições e estabelecer transações eletrônicas (e-procurement) de forma a melhor atender as necessidades/demandas dos cidadãos e das empresas.

Dentre os benefícios destas orientações são destacadas a redução de custos, a maior eficiência, o melhor compartilhamento de informações e de bases de conhecimento, uma maior integração de serviços e de experiências, a possibilidade de formas de trabalho mais flexíveis e a oportunidade de desenvolvimento de habilidades e de capacitação por parte dos servidores públicos.

Um dos desafios deste novo ambiente de trabalho, no setor público, seria o de gerenciar o processo de redirecionamento e de requalificação da mão-de-obra, a ser liberada das atividades meio para o atendimento às atividades finalísticas das organizações públicas.

Umas das inovações, que transformaram o Reino Unido em referência internacional na prestação de serviços de forma eletrônica a seus cidadãos, é a de que no portal de serviços e de informações do governo britânico26 há uma tela inicial que permite a escolha do país (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) e do idioma (inglês ou gaélico), com opção para a armazenagem destas configurações, de modo a poderem ser restauradas em visitas posteriores a este website.

Além destas adequações ao perfil do cidadão, este portal de serviços, assim como o portal do governo de Cingapura, também está organizado por life episodes e não por estruturas governamentais.

A Secretaria da Receita Federal (SRF), vinculada ao Ministério da Fazenda, é a entidade responsável pela administração dos tributos internos e aduaneiros no Brasil e exerce as atividades de arrecadação, fiscalização, tributação e de apoio tecnológico, além da promoção de atividades de integração com o contribuinte. Brasil (2000).

Desde 1995, vem adotando ações de modernização e de melhoria da qualidade do atendimento ao contribuinte, tendo como pressupostos básicos o estabelecimento de formas de atendimento integradas, eficientes e conclusivas, organizadas em função das características das atividades e com funcionamento em locais adequados e de fácil acesso.

Com a integração e a reestruturação das diversas áreas técnicas foi montada uma estrutura de atendimento composta por postos de informações, formas de atendimento expresso e personalizado, os balcões de expedições, os plantões fiscais e o aperfeiçoamento dos atendimentos telefônicos.

Também foram realizados treinamentos voltados para a área comportamental, enfatizando o relacionamento interpessoal, a integração e o fortalecimento das equipes.

Com a consequente valorização da atividade de atendimento, observou-se uma maior satisfação dos próprios atendentes, havendo incrementos nos níveis de produtividade e uma maior satisfação do contribuinte em relação aos procedimentos técnicos da Receita Federal.

Estas ações estavam associadas a um concomitante processo de modernização tecnológica onde o ambiente Internet foi o instrumento chave para que a SRF se transformasse em um referencial de qualidade e eficiência na prestação de serviços públicos, Brasil (2000),.

As principais ações relacionadas ao estabelecimento de uma e-Receita ou Receita Virtual foram:

a) a implantação do Centro de Atendimento ao Contribuinte (CAC);

b) o desenvolvimento do Projeto ReceitaNet,28 com:

• a divulgação de orientações para o preenchimento das declarações de renda no website da SRF;

• o oferecimento de programas (download) gratuitos para o preenchimento das declarações de renda via Internet;

• a entrega de declarações de renda e emissão do comprovante de entrega pela Internet;

c) a substituição da sistemática de arquivamento e consulta a declarações em papel por arquivamento em meio eletrônico;

d) o atendimento ao contribuinte por correio eletrônico (sendo que de 1996 a 1998 foram feitas 64.951 consultas via e-mail e o padrão de atendimento é o de respostas enviadas em até sete dias úteis);

e) a emissão de certidão negativa de débitos de tributos e contribuições federais, via Internet;

f) o oferecimento de programa (download) gratuito para a realização de cálculos de acréscimos legais, com a geração automática do Documento de Arrecadação Federal, via Internet — Sistema de Cálculos de Acréscimos Legais (SICALC);

g) a consulta à situação cadastral e às restituições de tributos;

h) a utilização de ferramentas de trabalho informatizadas para a aperfeiçoar os processos de comunicação (e-mail), discussão (e-groups e message boards), trabalho cooperativo (workgroups) e homologação de sistemas e serviços; e

i) a implantação de sistema eletrônico de coleta de dados e gerenciamento de todas as etapas do atendimento realizado no Sistema Nacional de Apoio ao Gerenciamento do Atendimento (SAGA).

Estes novos processos foram reconhecidos, alguns internacionalmente — como é o caso do ReceitaNet —, como inovações que resultaram em uma melhor organização do ambiente de trabalho, na maior capacidade de planejamento gerencial, na redução no tempo de espera e de atendimento ao contribuinte e em uma maior conclusividade dos atendimentos, além de influenciar positivamente nos níveis de motivação e de produtividade dos servidores envolvidos.

Deixando de lado, temporariamente, as questões relativas a custos, infraestrutura, segurança, interligação de redes e sistemas e certificação digital, quem não gostaria de acessar um escritório do governo sem precisar perder tempo com deslocamentos ou enfrentando filas, servidores desmotivados, ambientes insalubres ou correr o risco de metamorfosear-se em um personagem kafkiano, sob a irracionalidade e o arbítrio da burocracia?

Também deixando de lado, temporariamente, as questões relativas à alfabetização digital, treinamento e requalificação profissional, opções tecnológicas, privacidade e exclusão digital, quem não gostaria de ser informado ou ter um serviço público prestado, em qualquer horário ou lugar do planeta, pela Laura Croft ou por qualquer outro “avatar”, a ser previamente configurado, além de ser atendido pelo nome e ter a liberdade de escolher o sotaque, a trilha sonora e outros skins?

Pois os administradores e os servidores públicos que aceitaram o desafio de enfrentar as antigas estruturas burocráticas, o departamentalismo e o corporativismo e buscam implantar políticas e metodologias que viabilizem uma administração moderna voltada aos interesses dos cidadãos encontraram uma oportunidade para reavivar as suas convicções e reforçar as suas posições — a visão de uma Era da Informação, em que todos anseiam pela “revolução” que pode advir com o uso intensivo das novas TIC.

Este novo paradigma, em que os governos funcionam 24 horas por dia, divulgando informações e prestando serviços de maneira mais rápida, com menores custos e melhor qualidade, promovendo um controle social mais eficiente, incrementando o compartilhamento de informações e a integração de serviços e adotando o uso de transações eletrônicas de forma abrangente, ainda está para ser construído e, como os sociólogos costumam ensinar, atualmente trata-se de uma utopia ou um ideal a ser atingido.

Também acredita-se que as novas TIC impulsionem a adoção de novos modelos de gestão e de negócio, que nas organizações privadas já estão, de certa forma, consolidadas e vão, desde a simples reengenharia digital de processos, passando pelo emprego de técnicas de segmentação de mercado, pela criação de redes de valor e pelo gerenciamento do relacionamento com clientes, até ao uso de ferramentas de e-Learning e de sistemas de gestão do conhecimento que promovem a inovação, a melhoria de processos e a criação de novos produtos.

Estes novos modelos de negócio, conforme Brasil, (2000), para as organizações públicas, que buscam restringir as ações de mera transformação da burocracia existente a uma burocracia digital (e-burocracia) e que devem substituir os antiquados modelos de administração por estruturas de gestão mais dinâmicas e flexíveis, estão baseados em dois grandes eixos:

a) o de integração horizontal, que possibilita economias de escala e uma maior visão das necessidades dos cidadãos; e

b) o de integração vertical, que permite a criação de redes de valor entre as áreas e entre as organizações envolvidas na prestação de serviços públicos.

A partir destes pressupostos é que devem ser pesquisados os impactos das TIC nas estruturas, nas formas de gestão, no adequado perfil do capital humano e no desempenho das organizações públicas, porém, a escassa literatura sobre o assunto apenas demonstra a existência de um “paradoxo empírico” em relação às mudanças que podem ocorrer nas estruturas e no desempenho das organizações públicas.

Desta forma, como demonstrado nos estudos de caso, e possivelmente, de maneira distinta das organizações privadas, não podemos imputar um determinismo tecnológico a tais processos de mudança, pois as peculiaridades das estruturas organizacionais do serviço público, as influências políticas-institucionais e os impactos do contexto sócio-econômico também são fatores decisivos que devem ser considerados em uma análise das transformações por que passam as estruturas das organizações públicas.

Porém, dentro das possíveis formas de planejamento, de coordenação e de intervenção dos agentes públicos, assim como do grau de efetividade das políticas adotadas, há uma clara diferenciação entre as estratégias empreendidas por cada um dos países analisados.

Nestes casos, é comum que sejam propostas de reavaliação dos apoios políticos e da adequação das equipes e dos recursos financeiros, além do que é decisivo o entendimento de que as tecnologias devem ser vistas como simples ferramentas que não podem, e nem devem, substituir a definição de políticas, das formas de intervenção ou das “estratégias para a promoção da Sociedade da Informação”, assim como a definição e elaboração das políticas de recrutamento, gestão, remuneração e capacitação de recursos humanos.

Conclusões

As demandas das chamadas Eras da Informação e do Conhecimento impuseram, e estão gestando, constantemente, novos desafios à forma com que as organizações estruturam-se e gerenciam recursos, clientes, fornecedores e tecnologias, chegando a ser considerado “comum”, hodiernamente, o fato de governos, empresas e cidadãos transacionarem com/como as chamadas organizações virtuais e ser taxado de “incomum” o fato de indivíduos ou parcelas da população serem considerados analfabetos tecnológicos ou excluídos digitais.

Estas novas tecnologias que tanto permitem a criação de inusitadas e produtivas formas e ambientes de trabalho, por outro lado, também fazem com que, de forma cada vez mais dinâmica, sejam demandadas distintas habilidades e competências e imponham permanentes formas de aprendizado.

As novas formas de organização do trabalho, capazes de melhor atender às necessidades de realização de múltiplas tarefas e de melhor adaptarem-se às mudanças socioeconômicas e organizacionais podem ser identificadas em inúmeros “casos de sucesso” pelo mundo afora, mas ainda são muito díspares para definirem um modelo ideal a ser seguido, não são maioria e também não apresentam antídotos conclusivos frente às turbulências dos ciclos econômicos ou às flutuações dos mercados internacionais.

Contudo, mesmo não existindo um modelo único, mas diversos caminhos a serem criados, já podem ser identificadas algumas tendências nas organizações que são consideradas paradigmas deste novo modelo de organização do trabalho, Brasil (2000):

a) as estruturas são menos hierarquizadas, mais flexíveis e embasadas em redes de relacionamento, de conhecimento e de valor;

b) os ambientes de trabalho são informatizados, interligados e baseados no ambiente Internet, distribuídos geograficamente e estruturados de forma a incentivar a educação e o aprendizado contínuo;

c) os horários de trabalho são mais flexíveis e há a utilização de teletrabalho para determinadas tarefas, com consequentes inovações na forma de gerenciamento de pessoal e de desempenho;

d) são implantadas sistemáticas de desk-share nas áreas voltadas para o relacionamento com os clientes;

e) é incentivado o uso das novas tecnologias para a adoção de práticas de gestão do conhecimento e de e-Learning;

f) os empregados devem ser mais generalistas e possuir elevados potenciais de aprendizagem, características mais adequadas à realização de múltiplas tarefas e às constantes mudanças organizacionais e do mercado;

g) há uma maior ênfase em novas formas de contratação e de recrutamento, baseadas no potencial de aprendizado, na adaptabilidade e nas capacidades de comunicação e relacionamento ao invés de privilegiar a formação e o currículo profissional;

h) as organizações buscam ser mais “flexíveis”, promovendo contínuas reestruturações organizacionais e o permanente aprendizado de seus colaboradores;

i) há um direcionamento para a substituição da força de trabalho permanente por temporária ou, mesmo, por uma força de “trabalho situacional”;

j) existe um incremento dos processos de requalificação, de melhoria da empregabilidade e de recolocação profissional;

k) há um maior incentivo ao estabelecimento de parcerias voltadas ao aperfeiçoamento do desempenho, do aprendizado e do compartilhamento de recursos; e

l) os sistemas de remuneração buscam ser cada vez mais capazes de incentivar e atender práticas de alto desempenho profissional.

Nas organizações públicas, (BRASIL, 2000), em função de suas peculiaridades, também são indicadas tendências no sentido de:

a) adotar legislações que permitam formas mais flexíveis e menos regulamentadas de emprego público;

b) dar maior flexibilidade gerencial e promover uma maior descentralização da gestão da força de trabalho (contratação, desligamentos e promoções);

c) promover um maior compromisso com o desempenho, com a obtenção de resultados e com a transparência e a prestação de contas;

d) assegurar elevados padrões de conduta, de comportamento e de ética profissional;

e) oportunizar melhores oportunidades a minorias a portadores de deficiências;

f) adotar formas de remuneração associadas ao desempenho; e

g) capacitar gerentes para motivar, dirigir e avaliar equipes, liderar em ambientes de mudança e adotar postura ativa em relação a parcerias e novos negócios.

Isto posto, entendo que estas tendências devam ser utilizadas pelas administrações públicas como subsídios para uma discussão que busque a construção de uma Sociedade da Informação, de forma articulada com todos os parceiros sociais e que tenha como objetivo a adoção de modernas formas de governança que contemplem novos formatos de organização do trabalho que sejam produtivos, voltadas ao aprendizado e participativos.

Mas, principalmente, que os policy makers envolvidos estejam conscientes das condições sociais, culturais, políticas e macroeconômicas de suas sociedades e, ao exercitarem suas funções de elaboradores de políticas públicas e de legisladores, que avaliem o potencial de suas ações e que possam estabelecer uma adequada relação entre os níveis de emprego e da atividade econômica, entre o nível dos gastos públicos e o seu efeito multiplicador, assim como vislumbrem um legítimo equilíbrio entre os requisitos de segurança e de flexibilidade do trabalho.

Referências

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BRASIL. (2000), Proposta de Política de Governo Eletrônico para o Poder Executivo Federal. Brasília: Comitê Executivo do Governo Eletrônico.

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CAMPILLO, Marcia; GARZA, Enrique de la. (1998), ¿Hacia dónde va el trabajo humano? Nueva Sociedad, n.70.

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JFLEITE
Enviado por JFLEITE em 18/10/2015
Código do texto: T5418716
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