Nossa educação de cada dia!
Uma comédia seria!
A educação, no Brasil, tem sido institucionalizada por ações políticas adversas a um projeto consistente de longo prazo. Na medida em que os governos se sucedem e os ministros se revezam na pasta da educação, o sistema é prejudicado pela falta de uma política coerente que permita a execução sistemática, com a respectiva conclusão, dos projetos e diretrizes pautados. Em virtude dessa inconstância a educação perde cada vez mais em qualidade, conteúdo e dinamismo. O fato é agravado pelo fenômeno da "coisificação" do homem, para quem a educação é um bem de consumo destinado a atender as necessidades do "mercado" capitalista moderno, dentre elas a de gerar mão de obra - manual e burocrática - para continuar mantendo o sistema. A educação tornou-se um processo impessoal, produzido em série, com o objetivo único de vender conhecimentos técnicos sobre as coisas. Descaracterizada de si mesma ela vem perdendo continuamente sua qualidade de agente catalisador de um processo de crescimento humano equilibrado, no qual essa formação técnica e profissional são partes integrantes de um conjunto maior onde mesclam-se as dimensões psicológica, estética, ética, afetiva, artística, filosófica e espiritual do homem. Educar, hoje, assemelha-se a um processo de transferência de arquivo de uma máquina para outra. Essa omissão, por parte do sistema educacional, em não estimular o pensamento autônomo e reflexivo, gera um problema social de grandes proporções, porque técnicas e teorias, por melhores que sejam, tornam-se inadequadas e falham se não houver uma equipe no comando das mesmas, seja para aplicá-las do melhor modo possível, seja para aperfeiçoá-las.
O problema que acabamos de levantar é decorrente de uma mudança de paradigmas: o fator humano foi reduzido ao fator tecnológico, à autonomia foi trocada pela automação e o senso crítico pelo senso comum. As consequências que esse impacto exerceu sobre a sociedade se fazem sentir de diversas maneiras, tanto no âmbito do trabalho, quanto no âmbito da educação. Uma delas é a que atualmente se desenrola no palco do ensino superior, para onde é voltado um excesso de cobranças sobre seu papel e desempenho. Apoiamos as iniciativas do MEC junto às instituições de ensino, adotando medidas para conter a mercantilização e a massificação do mesmo, porém é contraproducente exigir que o ensino superior fique com toda a responsabilidade sobre a educação, ignorando as graves deficiências dos níveis médio e básico. A universidade não pode abrir mão de sua real natureza e de seu papel para adaptar-se a um sistema sócio-econômico deficiente, porque ao perder essa autonomia, perderá, também, a feição de agente propulsor de mudanças sociais, bem como do conhecimento em todas as vertentes.
Do ensino superior as autoridades governamentais e empresárias têm cobrado a falta de criatividade e autonomia intelectual dos novos profissionais que ela forma anualmente, sem jamais dispor-se a escutar o que ela tem a dizer sobre isso. As dificuldades vividas pelo ensino superior, no Brasil, na verdade, é o resultado da fragilização de todo o ensino, da qual já falamos alguns parágrafos atrás. Muitos problemas enfrentados pela academia são heranças do ensino fundamental e médio. Não podemos pretender, por exemplo, que nossos universitários sejam atuantes e criativos quando eles não têm nenhuma iniciação para o pensamento crítico durante os estudos fundamental e médio. Ignorar essa realidade acabará por nos trazer um grave problema social porque o ensino é um processo integrado e integrador - integrado por todas as dimensões da vida e integrador de todos os conhecimentos, ideias e experiências. As discussões criadas pelos órgãos oficiais e pela mídia em torno do ensino superior soam, portanto, como uma tentativa de empurrar-lhe uma responsabilidade que não é sua. O estudante, hoje, chega à faculdade sem sustentação intelectual compatível com essa nova fase da vida e os professores encontram imensas dificuldades para ministrar o conteúdo da grade curricular para esses alunos. É oportuno lembrar que já vivemos uma realidade semelhante a que ocorre nos países desenvolvidos, onde um jovem conclui o ensino médio habilitado a exercer uma profissão com criatividade e competência. Essa é uma situação que se torna cada vez mais rara em nossa sociedade. Procurando compensar essa deficiência, os empregadores passaram a exigir formação superior para o acesso de pessoal à maioria dos cargos burocráticos, administrativos e técnicos das empresas. Com isso, observamos um processo perigoso na sociedade brasileira que é a banalização e consequente deterioração do ensino superior, no qual ele passa a desempenhar o papel de uma escola de nível médio mais qualificado. O aumento na procura dos cursos de pós-graduação - especializações, mestrados e doutorados, já podem ser indicativos não de uma melhoria nas condições de vida intelectual do país, mas sim de uma desvalorização do curso de graduação. Já a criação das graduações tecnológicas nada mais seria do que um recurso para compensar a deficiência das escolas de nível médio. Se quisermos preservar as instituições de ensino superior, precisamos garantir-lhes os recursos necessários para que desempenhem com liberdade seu papel de agente transformador da sociedade, antes que esta as transforme em sucata educacional.
É preciso saber formular problemas, identificando onde realmente eles estão se quisermos avançar em um sentido positivo, construindo uma nação onde a autonomia intelectual de seu povo seja respeitada e trabalhada desde a infância. Se olharmos para a história com imparcialidade e bom-senso perceberemos que temos tendência a repetir os mesmos erros do passado, porém as universidades não podem responder sozinhas pela série de falhas que vêm ocorrendo no âmbito da política educacional brasileira