A relação do insucesso escolar e o surgimento da Psicopedagogia

A representação do insucesso escolar é uma triste realidade que continua a assumir proporções inaceitáveis nas estatísticas educacionais através dos altos índices de reprovação e evasão escolar. Consultando o referencial teórico sobre o fracasso escolar e a literatura sobre o surgimento e atuação da Psicopedagogia foi possível constatar uma área de interseção entre as duas temáticas ao destacar que a origem da atuação da Psicopedagogia surgiu a partir de uma grande demanda de números de crianças com dificuldades de aprendizagem.

Com o objetivo de contribuir para uma maior compreensão sobre os fatores que interferem no processo ensino-aprendizagem, convém destacar a significação das dificuldades de aprendizagem no cenário educacional que, por sua vez, são representadas por:

aquela situação que ocorre com crianças que não conseguem acompanhar um grau de adiantamento escolar compatível com a sua capacidade cognitiva. Muitas crianças em fase escolar apresentam certas dificuldades em realizar certas tarefas, que podem surgir por diversos motivos, como proposta pedagógica, capacitação do professor, problemas familiares, déficits cognitivos, entre outros motivos (PORTO, 2007, p. 56).

Vale salientar que as dificuldades de aprendizagem foram apontadas como uma das maiores causadoras do insucesso escolar e que antes do surgimento da Psicopedagogia, as crianças e adolescentes que sofriam com suas dificuldades escolares eram acompanhadas por médicos, psiquiatras e psicológos. Por conta dessa influência, podemos inferir que falar sobre o fracasso escolar é necessariamente discutir sobre o papel das dificuldades de aprendizagem como um dos maiores obstáculos para o sucesso escolar.

Com base nessa influência, é importante apontar que as dificuldades de aprendizagem ainda vêm ao longo dos anos conquistando um espaço bastante significativo nos diálogos entre pais e educadores. Isso se deve ao fato de que o sucesso do indivíduo está diretamente ligado ao desempenho escolar, por isso, cada vez mais o número de crianças e adolescentes vem crescendo, sendo que este público é atendido por psicopedagogos, psicólogos, fonoaudiólogos, neurologistas e psiquiatras.

Considerando os efeitos dessa problemática, vale lembrar que as dificuldades de aprendizagem associada ao fracasso escolar constituem-se em uma triste realidade que continua a assumir proporções inaceitáveis nas estatísticas educacionais através dos altos índices de reprovação e evasão escolar.

Essa realidade se justifica por conta da importância dada à leitura e a escrita como as atividades acadêmicas que mais têm recebido atenção nos últimos anos. Tal fato, explica-se pela relevância dessas atividades na formação de cada indivíduo como forma de ter acesso às demais áreas de conhecimento. Essa realidade atormenta e justifica-se pelo quadro que caracteriza o fracasso como algo que traz em seu bojo a sensação de impotência, falta de prestígio e reconhecimento pela sociedade que, pela sua natureza oposta, se opõe ao sucesso.

Durante muito e muitos anos, por falta de conhecimento científico, pais, professores , profissionais da educação em geral penalizaram o aluno que não aprendia, responsabilizando-o pelo fracasso e prejudicando-o ainda mais. Bossa (2000, p.13) ao falar das dificuldades escolares, afirma que “hoje não é admissível tratar o problema de aprendizagem como uma simples questão de vontade do aluno ou do professor. O atual estágio da ciência nos mostrou que a questão é bem mais complexa e merece uma intervenção apropriada”.

É válido pontuar que durante todo o processo educacional as crianças acabam sendo classificadas como portadoras de um distúrbio de aprendizagem e dificilmente conseguem serem alfabetizadas e/ou acompanhar o processo de ensino, sem apoio de uma reeducação psicopedagógica. Destacando a importância da reeducação psicopedagógica, vale mencionar que:

a intervenção envolve além do atendimento do sujeito, a escola e a família. Os últimos, são fornecidas orientações sobre a forma de lidar com as dificuldades que ocorrem, enquanto que o primeiro, sofre a estimulação nas áreas que se apresentam deficitárias. Este trabalho em conjunto é que vai permitir que os distúrbios sejam superados e o sujeito acompanhe o processo de ensino (PAMPLONA, 1997, p. 10).

Nesse sentido, a reeducação psicopedagógica é, por excelência, uma intervenção terapêutica que tem como objeto de seu trabalho crianças, adolescentes ou adultos que independentemente do motivo, apresentam dificuldades para aprender. Sendo assim, a área de atuação engloba as habilidades cognitivas, perceptivas, motoras, lingüísticas e os fatores emocionais que se inter-relacionam como o processo de aprendizagem. O objeto de estudo da Psicopedagogia requer, num primeiro momento, a compreensão do processo de aprendizagem e a relação que o aprendiz estabelece com a mesma, tendo como principal objetivo investigar o problema de aprendizagem que se manifesta como:

uma espécie de código secreto, desconhecido pelo próprio sujeito, que numa dada circunstância se constitui num sintoma, na qual o problema de aprendizagem pode ser explicado como uma mensagem simbólica que o paciente traz como um texto subjetivo, o qual, se tomado em sentido literal, encobre a sua verdadeira função(PORTO, 2007, p. 79).

A representação do fracasso escolar é uma triste realidade que continua a assumir proporções inaceitáveis nas estatísticas educacionais através dos altos índices de reprovação e evasão escolar. Com o objetivo de contribuir para uma maior compreensão sobre os fatores que interferem no processo ensino-aprendizagem, convém destacar a significação sobre as dificuldades de aprendizagem que se:

referem aquela situação que ocorre com crianças que não conseguem acompanhar um grau de adiantamento escolar compatível com a sua capacidade cognitiva. Muitas crianças em fase escolar apresentam certas dificuldades em realizar certas tarefas, que podem surgir por diversos motivos, como proposta pedagógica, capacitação do professor, problemas familiares, déficits cognitivos, entre outros motivos (PORTO, 2007, p. 56).

Convém lembrar que a produção do insucesso escolar sinaliza inevitavelmente ao um grande entrave social que se constitui como um sintoma que assombra uma grande parcela de crianças que “não aprendem” os conteúdos exigidos pelos bancos escolares. Nesse sentido, percebe-se que o “não aprender” retrata fielmente a manifestação das dificuldades de aprendizagem que, por sua vez, representa o objeto de estudo de uma área específica denominada Psicopedagogia.

Com base nas dificuldades de aprendizagem surge, então, a Psicopedagogia a partir das necessidades de um grande contingente de crianças com distúrbios da aprendizagem, consideradas inaptas dentro do ensino regular brasileiro que vai além do limites da Pedagogia e da Psicologia, que conta com a contribuição de várias ciências, tais como: Linguística, Sociologia, Filosofia, Psicanálise, Psicolingüística, Neuropsicologia, Epistemologia Genética, que embasam e dão forma a teoria e a prática psicopedagógica. Tais ciências possibilitam analisar a multiplicidade de fatores que possibilitam ou interferem a consolidação efetiva do processo de ensino-aprendizagem. Para compreender a contribuição da Psicopedagogia, cabe destacar que:

a psicopedagogia estuda o ato de aprender e ensinar, levando sempre em conta, as realidades interna e externa da aprendizagem tomada em conjunto. E, mais, procurando estudar a construção do conhecimento em toda a sua complexibilidade. Seu objetivo de estudo é a pessoa a ser educada, seus processos de desenvolvimento e as alterações de tais processos. Focaliza-as possibilidades do aprender num sentido amplo. (BOSSA apud PORTO, 2007, p. 87).

Nesse sentido, o propósito vital da Psicopedagogia é estudar os entraves (barreiras) de percurso, ou seja, as dificuldades de aprendizagem são consideradas como verdadeiros obstáculos que acarretam prejuízos para todos os envolvidos no contexto educacional. Para revelar uma outra hipótese sobre esse campo de conhecimento, é importante destacar que o surgimento da Psicopedagogia devia-se ao fato de tentar explicar os fatores que contribuíam para a ocorrência do fracasso escolar, ou seja, “os fatores etiológicos do fracasso escolar envolviam quase que exclusivamente fatores individuais como desnutrição, problemas neurológicos, psicológicos,etc. ( KIGUEL apud BOSSA,1991, p. 8)”.

Cabe destacar que desde o seu surgimento, a palavra psicopedagogia é, até os dias atuais, um termo bastante polêmico. A razão desse debate deve-se ao fato de sua origem, conceituação, caráter cientifico, objeto de estudo, etc. Vale acrescentar que a Psicopedagogia possui caráter interdisciplinar, pois é um campo de atuação que “integra saúde e educação e lida com o conhecimento, sua ampliação, sua aquisição, suas distorções, suas diferenças e o seu desenvolvimento por meio de múltiplos processos( PORTO, 2007, p.78).”

No primeiro momento de sua origem, a prática psicopedagógica era voltada exclusivamente para “a busca e o desenvolvimento metodologias que melhor atendessem aos portadores de dificuldades (RUBINSTEIN apud BOSSA,1991, p. 9)”, ou seja, naquela época, o objeto de estudo da Psicopedagogia era apenas com a reeducação ou a remediação, sendo portanto, com a tentativa de promover o desaparecimento do sintoma (distúrbios de aprendizagem). Nesse sentido, a razão de existência desse tratamento terapêutico tinha como principal objetivo a reeducação do sujeito que não podia aprender. Ao se refletir sobre o objeto de estudo da Psicopedagogia naquela época, vale mencionar que:

houve tempo em que o trabalho psicopedagógico priorizava a reeducação, o processo de aprendizagem era avaliado em função de seus déficits e o trabalho procurava vencer tais defasagens. O objetivo de estudo era o sujeito que não podia aprender, concebendo-se a ‘não-aprendizagem’ pelo enfoque que salientava a falta. Esse enfoque buscava estabelecer semelhanças entre grandes grupos de sujeito, as regularidades, o esperado em determinada idade, visando reduzir as diferenças e acentuar a uniformidade (BOSSA, 2000, p.22).

E quanto à antiga tentativa da Psicopedagogia tentar explicar a ocorrência do insucesso escolar e o processo de ensino aprendizagem, vale mencionar a seguinte crítica: é inadmissível tentarmos explicar a complexidade da aprendizagem apenas com uma visão simplória, de uma maneira pejorativa, seletiva e acrítica sobre a realidade educacional de nosso país, como aponta Fonseca ( apud PORTO, 2007, p. 61), ao afirmar que “não é através do fracasso que se entende o êxito. A compreensão do processo que leva ao êxito é que traz o esclarecimento sobre o fracasso”.

Com o passar do tempo, o campo de atuação da Psicopedagogia foi ampliado e reformulado com um novo foco de trabalho que seria compreender a função da “não-aprendizagem” vista com uma perspectiva investigativa inversa a abordagem anterior, pois o “não-aprender” é visto como um fenômeno carregado de significações e que não opõe ao aprender.

Esse período histórico é fundamentado especialmente em duas áreas de conhecimento: a Psicanálise e a Psicologia Genética. Com adoção de novos saberes, a Psicopedagogia adquire uma nova roupagem ao explicar a processo de ensino-aprendizagem e suas implicações que seria: compreender a singularidade do indivíduo e seu grupo social buscando desvendar, portanto, o sentido nas relações e suas particularidades a partir de próprias características, tentando entender a história de sujeito aprendiz e sua relação com seu mundo sociocultural.

Para responder à sua nova abordagem, a Psicopedagogia adquire uma nova postura que seria investigar e compreender o processo de ensino-aprendizagem e as modalidades de aprendizagem adotadas pelo aprendente que, por sua vez, são:

os meios, condições e limites pra conhecer. Modalidade de aprendizagem significa uma maneira pessoal para aproximar-se do conhecimento e constituir-se o saber. Tal modalidade constrói-se desde o nascimento, é como uma matriz, um molde, um esquema de operar que vamos utilizando nas situações de aprendizagem. Essa modalidade é fruto do seu inconsciente simbólico constituído na sua inter-relação com o outro (ALICIA FERNANDEZ apud BOSSA, 2000, p.24).

Desta forma, a Psicopedagogia trabalha com uma concepção de aprendizagem segundo a qual participa desse processo um “equipamento biológico com disposições afetivas e intelectuais que interferem na forma da relação do sujeito com o meio, sendo que essas disposições influenciam e são influenciadas pelas condições socioculturais do sujeito e do meio (BOSSA, 2000, p.22)”.

Resumindo o debate teórico acerca da trajetória histórica da Psicopedagogia, podemos concluir que a primeira abordagem psicopedagógica (considerada como tradicional) centrava seu foco de estudo no insucesso escolar das crianças que não conseguiam atingir os objetivos estabelecidos pela instituição escolar como forma de buscar o entendimento do processo de aprendizagem. Por outro lado, a Psicopedagogia vigente centra-se na compreensão do processo de desenvolvimento e o estudo do aprender num sentido amplo e diversificado, tais como: cognição, linguagem, motricidade, desenvolvimento social, psíquico, afetivo e emocional.

Com o entendimento da atual forma de apreender a aprendizagem humana, consideramos que a Psicopedagogia evoluiu de forma significativa. Destacando a importância da práxis psicopedagógica, que surgiu no Brasil no final da década de 70 e início dos anos 80, vale destacar que, apesar desse grande avanço, a Psicopedagogia ainda está em fase em construção pois “seu corpo teórico, ainda não se constitui uma ciência. Por outro lado, o fato de ser jovem permite que ela se construa para entender aos atuais problemas enfrentados no processo de ensino-aprendizagem( PORTO, 2007, p.78)”.

REFERÊNCIAS

BOSSA, Nádia Aparecida. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artmed, 1991.

_______. Fracasso escolar: um olhar psicopedagógico. São Paulo: Artmed, 2000.

PAMPLONA, A. M. Distúrbios da Aprendizagem: Uma abordagem Psicopedagógica. São Paulo: Edicon, 1997.

PORTO, O. Bases da Psicopedagogia: diagnóstico e intervenção nos problemas de aprendizagem. São Paulo: Wak, 2007.

* Lucília Santos – Formação Internacional em Professional e Self Coaching, Leader Coach, Analista Comportamental e Analista em 360º pelo IBC. Graduada em Pedagogia e em Psicopedagogia aplicada à Educação. Especialista: Neuropsicologia, Psicopedagogia Clínica, Institucional e Hospitalar, MBA em Gestão de Recursos Humanos e em Neuropsicopedagogia Clínica. Professora na Educação Básica e Ensino Superior. Atua como coach, professora, palestrante e escritora.

Lucília Santos
Enviado por Lucília Santos em 28/07/2015
Reeditado em 08/12/2021
Código do texto: T5327120
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