Heródoto de Halicarnasso (obra, metodologia e linguagem)

1. Introdução

Heródoto de Halicarnasso (Herodotus Halicarnassus, circa 484 - 425 a.C.) foi um historiador grego, eternizado pelas palavras de Marco Túlio Cícero como o "Pai da História". Esse grande historiador da Antiguidade, nascido na colônia grega de Halicarnasso, na Ásia Menor, teve sua vida marcada por duas grandes guerras: As Guerras Médicas, entre gregos e persas; e a Guerra do Peloponeso, entre diferentes cidades-estado gregas, com destaque para Esparta e Atenas.

Destas duas guerras, Heródoto passou a buscar as causas das Guerras Médicas, conflitos ainda "frescos" nas memórias de gregos e persas. Talvez, essa escolha tenha partido pela importância do conflito, que contribuiu para o fortalecimento econômico, político e militar da Grécia; e pelo contato que o historiador teve com diferentes povos na Ásia Menor. Heródoto foi o primeiro historiador a utilizar a palavra História (historíe, em dialeto jônico) com o sentido de indagar, investigar as causas dos feitos contemporâneos. Ele deixa isso explícito na introdução de sua obra, História:

"Esta é a exposição da investigação feita por Heródoto de Halicarnasso para que nem os feitos dos homens, com o tempo, se reduzam ao esquecimento, nem as obras grandes e admiráveis - tanto as realizadas pelos gregos quanto as realizadas pelos bárbaros - fiquem sem glória e as demais coisas por causa das quais foi o motivo de guerrearem uns com os outros".

Heródoto, assim como outros historiadores da Grécia Antiga, foi exilado. Esse exílio (cumprido em Samos) seu deu após uma tentativa frustrada de derrubar do trono grego o tirano Lígdamis I. Foi durante esse "castigo" que Heródoto viajou e colheu relatos nas principais cidades e regiões da época: Egito, Mesopotâmia, Fenícia, Magna Grécia, Sicília, Scitia, Ásia Menor e Atenas. Não se sabe em que ordem e nem se realmente todas as cidades mencionadas em sua obra foram visitadas. Após essa breve explanação sobre Heródoto, vamos compreender como se divide a obra, a metodologia empregada para a sua realização e a linguagem utilizada.

2. O Conteúdo da obra

A principal obra de Heródoto, História, foi dividida pelos gramáticos alexandrinos em 9 livros, cada um recebendo o nome de uma das musas gregas: Livro I - Clio (musa da História); Livro II - Euterpe (musa da Música); Livro III - Tália (musa da Comédia); Livro IV - Melpômene (musa da Tragédia); Livro V - Terpsícore (musa da Dança); Livro VI - Erato (musa da Poesia Lírica); Livro VII - Polímnia (musa da Música Sacra); Livro VIII - Urânia (musa da Astronomia e da Astrologia); Livro IX - Calíope (musa da Eloquência). Os assuntos abordados em cada livro são:

Livro I: As origens do Império Persa e a descrição dos povos e regiões que o formavam.

Livro II: A ascensão de Cambises, filho de Ciro, fundador do Império Persa e a descrição geográfica, histórica, cultural e religiosa do Egito.

Livro III: Continuação da descrição do Egito, a invasão dessa região pelas tropas de Cambises, as tentativas do monarca em invadir outros territórios, a morte de Cambises e a organização política e econômica do Império Persa.

Livro IV: As campanhas militares de Darío e a descrição das regiões e povos conquistados no processo: escitas, getas, saurómatas etc.

Livro V ao IX: Após abordar a formação do Império Persa e descrever os diferentes aspectos das regiões e povos incorporados a ele, o historiador começa de fato a falar das Guerras Médicas, elencando os fatores que levaram Darío a invadir a Grécia.

Antes de dar início à descrição das causas que motivaram as Guerras Médicas, Heródoto se empenha em descrever as regiões e os povos que englobavam e que foram conquistados pelo Império Persa. Para tal, utilizou conhecimentos em Hidrografia, Botânica, Economia, Política etc, tornado-se, de acordo com José Luís Romero, o precursor de uma História Cultural. O autor também revoluciona ao não deixar a mitologia interferir, apenas em casos necessários, na totalidade de sua narrativa.

3. Metodologia

Para produzir sua obra, Heródoto utilizou três métodos: ópsis, historíe e gnóme. A Ópsis é a observação pessoal, o que foi visto pelo autor durante suas viagens (Geografia, costumes e monumentos); A Historíe é a indagação, a pesquisa acerca do que se quer saber, feita mediante o recolhimento de fontes documentais e principalmente as orais. O autor, quando se refere aos relatos de terceiros, utiliza expressões como "de acordo com", "segundo tal pessoa". Foram consultados registros governamentais, listas administrativas e obras de outros autores. Diferente dos antigos escritores, que apenas compilavam em suas obras diversas informações, sem irem em busca de suas veracidades, Heródoto adota uma postura crítica em relação aos dados obtidos, comparando suas informações e, em alguns trechos de seu livro, demonstra não crer totalmente sobre determinada informação:

"Eu, por minha parte, devo dizer o que me disseram, porém não sou obrigado a acreditar totalmente nisso; tenha isso em conta para o conjunto de minha obra".

A narrativa da obra não segue uma linha cronológica definida. Como unidade de tempo são utilizados os cálculos por gerações (cada uma com duração de 30 a 35 anos; três gerações, 100 anos); como principal referencial para os tempos remotos, a Guerra de Tróia; e o Arconte Epónimo, uma espécie de cargo político com duração de 10 anos, indicado pelo nome de um nobre. Heródoto tinha uma visão cíclica da História, isto é, com início, meio e fim previsível.

4. Linguagem

A escrita de Heródoto é produzida a partir do dialeto jonio, herança dos logógrafos, e do dialeto ático. Seu estilo é marcado pela acumulação de orações, do tipo coordenativo e subordinada, combinadas entre si por seus conteúdos e por verbos de ligação, pronomes, adjetivos e advérbios anafóricos. Também é muito recorrente a repetição de palavras em diferentes orações ou parágrafos; e o uso do discurso direto (com as palavras do próprio autor) e do discurso indireto (através do narrador ou de alguma outra pessoa).

Aos interessados, a obra está disponível no site eBooksBrasil, na célebre versão do historiador francês Pierre-Henri Larcher (1726-1812). No Brasil, o advogado acriano Mário da Gama Kury, considerado o maior tradutor brasileiro de clássicos, foi o responsável por traduzir essa obra para o português (o livro foi editado pela Universidade de Brasília).