EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO PÚBLICA NO BRASIL


No Brasil, desde o seu nascimento como nação independente, a educação pública, denominada por muitos anos de “instrução pública”, relega às massas uma educação meramente instrumental, voltada para atender as demandas econômicas conjunturais e não para formá-las no sentido mais amplo, ou seja, aquilo que se aproximaria do ideal formativo que os gregos chamavam de Paideia, a formação do individuo para o exercício da cidadania plena. Mas por aqui  Somente as elites teriam acesso à educação integral, como na república idealizada por Platão, que restringe aos  bem nascidos uma formação que os torne aptos aos cargos de governo e  a cidadania plena.

Esse estado de coisas fica evidente quando o imperador D. Pedro I (1822-1831), logo após decretar a independência do Brasil, convoca a Assembleia Nacional Constituinte em 1823 e com ela, como observa Saviani, surge a primeira preocupação estatal de se criar uma legislação específica para a instrução pública. O governo imperial, autoritário e centralizador, contava com colaboradores influenciados pelo Iluminismo, como Martins Fontes, que seguindo a linha de pensamento de Condorcet (1743-1794), pensador liberal francês, que defendia uma educação distinta para as distintas classes sociais, relegava as massas a instrução condizente ao seu papel de subordinada, dado que esta condição por si só já seria um empecilho para que o estado lhes oferecesse formação integr
al: “a educação básica deve limitar-se à instrução”. As massas deveriam se contentar com a instrução para exercer com destreza seus ofícios, pois seria “impossível submeter uma educação rigorosamente igual a seres humanos cuja destinação é tão diferente” O que não acontecia com as elites, que poderiam se formar nas profissões valorizadas pela sociedade ou destinadas a ocupar os melhores cargospúblicos e como tal, restrita aos mais esclarecidos.

A partir desse contexto se formou no Brasil uma cultura bacharelesca. As famílias mais abastadas enviavam seus filhos para estudar medicina ou direito nas escolas e faculdades mais tradicionais em Salvador, Recife ou Rio de Janeiro. Para conferir mais prestigio à formação, as famílias mais abastadas enviavam seus filhos para a Universidade de Coimbra, em Portugal. Um filho das elites deveria se formar em medicina ou direito ou até em engenharia e, se fosse o caso de propensão à vida religiosa, eram enviados aos seminários para que se tornassem padres ou freiras, e quem sabe, ascender na carreira eclesiástica, que também era sinônimo de prestígio social. As formações tidas como públicas e nobres eram de acesso restrito, como diferenciação, todo aquele que conquistava um título de bacharel era denominado de “doutor”. Essa alcunha se estendiaao médico e advogado e ao engenheiro. Doutor “fulano de tal” era a chave para designar o status e a posição dos indivíduos na hierarquia social do Brasil. A cultura bacharelesca antes de promover a lei e a justiça manteve sob o véu do discurso floreado da retórica, as desigualdades sociais e a defesa dos interesses dos privilegiados socialmente.

Neste sentido, educar os pobres (aqueles que conseguiam acesso a algum tipo de educação),era instruí-los para o que é útil e instrumental. Não é sem motivo que o termo pedagogia foi utilizado pela primeira vez no século XIX, mas como observa Saviani em sua história da pedagogia no Brasil, ele foi substituido pelo termo “instrução pública.”

Já sob o regime republicano, especificamente durante as décadas de 20 e 30 do século XX, com a emergência de novos atores sociais, políticos e econômicos, que espelham a transição de um Brasil rural, agrário-exportador, para um país em processo de urbanização e industrialização,surgeoescolanovismo, que foi influenciado pelo pragmatismo de Dewey,defendia-seuma escola mais operativa e útil. Nesse momento, o país que se urbanizava e necessitava de mão de obra para alavancar o processo de modernização conservadora, denominado de Nacional-desenvolvimentismo, implementadodurante a chamada Era Vargas(1930-1954). O termo “escola nova” condizia com a concepção do “estado novo”, que pretendia oporem-seas oligarquia ruraisidentificadas com o atraso e que foram apeadas do poder pela revolução de 1930. Manacorda (1989)ao analisar a relação histórica entre educação e sociedade e as exigências do mercado quanto à mão de obra, observa que:

 
O trabalho era, de fato, no campo da educação por dois caminhos, que ora se ignoram, ora se entrelaçam, ora se chocam: o primeiro caminho é o desenvolvimento das capacidades produtivas sociais[...] o segundo é a moderna “descoberta da criança”O primeiro caminho é muito duro e exigente: precisa de homens capazes de produzir” de acordo com as máquinas”, precisa colocar algo de novo no velho aprendizado artesanal, precisa de especializações modernas. [...] Portanto, a instrução técnico-profissional promovida pelas industrias ou pelos Estados e a educação ativa das escolas novas, de um lado, dão-se as costas, mas, de outro, ambas se baseiam num mesmo elemento formativo, o homem capaz de produzir ativamente. ( MANACORDA, 1989, p. 305 ).

Na década de 50 do século XX, em meio a Guerra Fria, o Brasil vivia entre a instabilidade política que culminou com o suicídio de Getulio Vargasem 1954, e a continuidade do afã modernizador do projetonacional-desenvolvimentista, a modernizaçãoliberal, em bases conservadoras, levada a cabo pelo Estado, iniciado nas décadas de 30 e 40 do século passado, parecia estar alheio as tensões permanentes da política brasileira. O sucessor de Vargas, Juscelino Kubistchek de Oliveira (1955-60) depois de enfrentar tentativas de golpes no inicio de seu mandato, JK, como ficou conhecido, colocou em ação um ambicioso plano de desenvolvimento econômico, o Plano de Metas, que consolidava a política do intervencionismo estatal na atividade econômica, priorizando, então, a entrada de capitais estrangeiros. O plano pretendia desenvolver o Brasil “50 anos em cinco anos”,previa investimentos nos setores de transportes e de energia, na indústria de base e na substituição de importações, destacando a implantação de um parque automobilístico. Desde a Era Vargas que política brasileira pode ser compreendida como um misto de populismo que fazia “concessão” às massas, mas às mantinham sob o controle do estado e um nacionalismo de caráter conservador. O nacionalismo pregava o desenvolvimento em bases nacionais esteve ligado, sobretudo, as hostes militares e a tecnocracia estatal e tinham em mente formular políticas de desenvolvimento para solucionar os entraves ao desenvolvimento industrial do pais.

Para JK e seu governo, o Brasil iria diminuir a desigualdade social gerando riquezas e desenvolvendo a industrialização e consequentemente fortalecendo a economia. A grande Meta de JK era a construção de uma nova capitalpara o Brasil,Brasília, planejada segundo os preceitos modernistas da arquitetura de Le Corbusier (1887-1965)e Ludwig Mies Van der Rohe (1886-1969), por Oscar Niemayer (1907-2012) e Lúcio Costa(1902-1998). Seu projeto arrojado e monumental sintetizava o projeto de modernização em curso e era a autoafirmação do Brasil para o mundo, de um projeto de fundar uma civilização nos trópicos. A nova capital federal teria um moderno e arrojado conjunto arquitetônico realizado pelo arquiteto Oscar Niemeyer.

O Plano Piloto da cidade foi desenvolvido pelo urbanista Lúcio Costa. A construção da nova capital se configurou como uma grande meta a ser cumprida. Brasília somente pôde ser executada por um capricho JK, e da disponibilidade de mão de obra composta por trabalhadores migrantes da região nordeste do Brasil. Com Juscelino Kubitschek, o interior do Brasil passou a ser visto como espaço de possibilidades, como parte integrante da civilização brasileira. Mas a capital federal, embora tenha sido planejada,não resistiu a regra comum as cidades brasileiras, e em seu entorno se avolumou um cinturão de miséria e de violência que contrastam com a “monumentalidade” de Brasília.

As transformações empreendidas por JK ocasionaram a acentuação da industrialização do país com um aumento dos índices de crescimento, aocusto de uma inflação galopante e do endividamento externo. A concentração industrial na região sudeste, ocasionou um grande fluxo de imigração interna, acentuando ainda mais os graves problemas sociais, como a miséria urbana e a exclusão social e com eles a violência.
O modelo excludente de desenvolvimento urbano do Brasil é bastante estudado e conhecido como “brazilianização”, inclusive a China evita esse modelo, baseado na transferência massiva de populações do campo para a cidade, sem que haja planejamento, agravando a miséria e os problemas sociais. Fala-se inclusive numa brazilianização do mundo; talvez o Brasil seja a metáfora mais perfeita da desigualdade mundial. Caetano Veloso(1989)na canção “Fora da Ordem” traduz em versosa nossa sociedade:

 
 Vapor barato/ Um mero serviçal do narcotráfico/foi encontrado na ruína de uma escola em construção/ Aqui tudo parece que era ainda construção/ É já é ruína/ Tudo é menino, menina/ No olho da rua/ O asfalto, a ponte, o viaduto/ Ganindo prá lua/ Nada continua[...] Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial[...]”.
 
No plano educacional Na década de 60 a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil expande a experiência do MEB (Movimento de Educação de Base) a todo o Brasil e passa a ser uma iniciativa de estado. O MEB teve como objetivo alfabetizar as massas que não tinham acesso ao sistema formal de educação, através de métodos inovadores de educação de jovens e adultos, já que não havia uma rede pública de educação consolidada. É desse período que surgem propostas de educação chamadas de “progressistas” como a pedagogia de Paulo Freire que é mais ideologia do que proposta educativa.

TECNOCRACIA E EDUCAÇÃO

Nas décadas de 60 e 70 do século XX consolida-se o parque industrial. O Brasil torna-seuma sociedade urbana e massificada. A partir da segunda metade da década de 60, os militares tomam de assalto o poder político e instauram uma Ditadura Militar(1964-1984).Amparados por uma tecno- burocracia estatal e por setores conservadores da sociedade e parte da população, e assim, emerge a questão da educação, não como um problema estrutural, uma questão social a ser resolvida, mas para solucionar um problema conjuntural de falta de mão de obra, ou, como se diz hoje, “apagão de mão de obra” que, a partirdeste momento, tornou-se uma preocupação e uma prioridadepara as classes dirigentes. Neste período, surgem propostas pedagógicas que vão incorporar os avanços técnicos aos processos educativos. É um período em que o Brasil assinará um acordo com os EUA conhecido como MEC-USAID , em 1966 e que selará a influência do pragmatismo na educação brasileira e a intervenção dos EUA nessa área,essa intervenção já se fazia sentir na doutrina militar, e em outros âmbitos do estado brasileiro. A partir desse acordo, houve um enxugamento dos currículos,com a redução da carga horária de história e a extinção de disciplinas de caráter reflexivo, consideradas “obsoletos” para o novo padrão de ensino,como filosofia, latim e ciências políticas.

A educação tecnicista foi influenciada pela racionalidade técnico-científicado modelo de produção industrial,com a pretensão de implantar um sistema educativo baseado na eficiência e objetividade. Oeducando deveria se sujeitar aos processos técnicos educacionais de maneira que o torne objetivo e operacional. A educação neste sentido deveria estar em conformidade com objetivos das elites tecnocráticas: treinar as massas de modo a que suprissem o mercado de trabalho com mão de obra qualificada; uma educação que não forma o indivíduo para a vida e para a cidadania, mas para tornarem-se peças da engrenagem. O presente estudo não defende uma educação eminentemente teórica, destituída de seu lado prático, ou seja, de oferecer instrumentos que possibilitem a emancipação dos indivíduos pelo trabalho. Entretanto, é imprescindível considerar a dimensão humana da educação e o seu papel na formação de cidadãos, que possibilite ao estudante uma formação não reduzida ao adestramento, que o exclua do acesso à cidadania plena, que só uma formação mais abrangente poderia proporcionar.

Nas décadas de oitenta e noventa do século XX, com a redemocratização do país e a elaboração de uma nova Constituição,implementada em 1988,a preocupação do legislador foi com a democratização do acesso a educação e universalização desse direito a todos os brasileiros em idade escolar.Atualmente, o ensino fundamental tem atingido a meta de universalização, emborao ensino médio, etapa intermediária entre o fim da educação básica e a educação superior, tem enfrentado o problema dos altos índices de evasão. A crise da educação brasileira tem múltiplos fatores, que são resultantesde aspectos que envolvem desde problemas estruturaisrelacionados às condições físicas da escola, a falta de laboratório de ciências,à gestão escolar, resistência a mudanças de professores, corporativismo, qualificação de professores, baixa remuneração do quadro docente e discente , questões relacionadas aos métodos e técnicas utilizadas, currículos engessados, a falta de interesse do aluno e a distância que o conhecimento produzido nas escolas tem com a realidade.


 
Labareda
Enviado por Labareda em 07/06/2015
Reeditado em 08/06/2015
Código do texto: T5268810
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