Você conhece a verdade?
Hoje, de um canal de televisão, eu ouvi e vi nele alguém afirmando isto: “Nós conhecemos a verdade”. A pessoa afirmou no sentido religioso. Para o cristianismo, Jesus é a verdade. Sendo assim, muitos dizem que a verdade lhes é conhecida, visto que muitos têm a convicção de conhecer Jesus.
Eu não escrevo este texto para discordar dessa afirmação. Fé é algo que não se discute, e toda pessoa merece ter a sua fé respeitada. Ou podemos e devemos discutir? Quero destacar outro aspecto dessa afirmação: o aspecto filosófico. Filosoficamente, ninguém conhece a verdade, porque a verdade é o alvo; é o ponto ao qual o pensador se dirige, sem nunca chegar a esse ponto. Na Filosofia, não há respostas completas e acabadas. Tudo é objeto de constante reflexão. Talvez seja por isso que muitas pessoas não gostam (é um direito não gostar) de Filosofia, porque esta nunca se conforma com o que já sabe, visto que podemos estar errados nas nossas avaliações e nos nossos julgamentos sobre o que pensamos conhecer. Além disso, somos limitados, e, sendo limitados, as nossas respostas também o serão.
A dúvida é indispensável para o pensamento filosófico. Duvidar do que se imagina saber é fundamental. É claro que precisamos de algumas certezas, mas as dúvidas levam o filósofo a estar sempre revendo seus próprios conceitos. Um ditador não duvida do que imagina saber. Um ditador não duvida de nada. Ele tem certeza da verdade contida em seus atos. Hitler, por exemplo, estava convicto da superioridade da raça alemã. Por isso, cometeu imensa atrocidade. O filósofo Montaigne afirmou: “Só os loucos têm certeza absoluta em sua opinião”.
Filosofar é exercitar constantemente a razão, indo à raiz dos problemas. A Filosofia é uma atitude, “a atitude de perguntar, de querer saber, de procurar a sabedoria... As pessoas que algum dia se perguntaram ‘para que existo?’ entraram nessa pesquisa, no mundo da Filosofia; se continuam a se perguntar e a procurar respostas, então permanecem caminhando no solo filosófico; mas se desistiram desse questionamento e dessa busca, então abandonaram a terra da Filosofia” (Roberto Goto, 2003).
A Filosofia só existe porque o homem se faz perguntas. A Filosofia só deixará de existir quando o homem deixar de perguntar, de ter dúvidas. Na religião, as pessoas não têm dúvida; na religião, as pessoas têm certezas. Veja que eu sou um homem religioso, mas, como homem pensante, eu tenho a necessidade, se quiser honrar a minha formação, de ter dúvidas, muitas dúvidas. A Filosofia só trabalha com a razão. Ela não trabalha com a revelação. A revelação pertence ao campo religioso.
Roberto Goto, no livro “Começos de Filosofia”, deixa bem claro: “Querer ou exigir respostas prontas, imediatas e, mais ainda, definitivas, é dar mostra de ignorância, arrogância e ingenuidade. As respostas da Filosofia não são respostas divinas, mas humanas; se nós mesmos, ao nos perguntarmos, não fomos capazes de responder, por que a Filosofia está obrigada a fornecer respostas prontas, completas, acabadas? A Filosofia é a busca da sabedoria; não é a própria sabedoria. O filósofo não é um sábio; é, repitamos, alguém que quer e procura saber, ele não possui o saber de Deus ou dos deuses”.
Como dizia Sócrates: “Uma vida sem exame não é digna de ser vivida”. Deve ser por isso que os homens pensantes, enquanto vivem, não deixam de buscar, de questionar, examinar, perguntar e duvidar do que eles mesmos pensam saber. Se todos os seres humanos duvidassem de suas certezas, apesar do direito e necessidade de ter certezas, as injustiças e a crueldade seriam menos presentes neste mundo.