Valorização das diversidades- Um caminho possível

VALORIZAÇÃO DAS DIVERSIDADES - UM CAMINHO POSSÍVEL

Acreditamos que não se deve usar mais o termo cultura e sim culturas, pois se entendemos cultura como um conjunto de valores, normas, crenças, costumes, arte, lei e moral criados pelo e para o homem, não poderemos então admitir uma cultura apenas. Parafraseando a escritora Chimamanda Adichie, é preciso ter muito cuidado para não admitir uma cultura apenas, que se sobrepõe às demais, que se julga a mais correta. Há muitas culturas, muitos valores diferentes, de sociedade em sociedade, povos e povos, de tempos em tempos as culturas vão sendo trans(formadas), re(criadas), reeditadas, e é preciso estar atento a isso.

Muitas sociedades pregam liberdade de expressão, se levantam contra a discriminação, porém criam padrões unitários, e a escola também faz isso. Os padrões unitários se revelam nas roupas (uniformes), sapatos (pretos com meias brancas), na composição das salas de aula, com carteiras enfileiradas. Não é muito confuso? Como posso entender, aprender, apreender o e com o diferente se todos são “iguais”. Parece-me que nesta sociedade ninguém mais pode ser diferente, ao mesmo tempo em que ninguém mais pode repudiar o diferente. Desmond Tutu, Prêmio Nobel da Paz, um grande líder da África, que lutou com afinco contra o Apartheid, disse o seguinte:

[...] Parece que estamos ficando pobres em diversidade no campo das etnias, dos credos religiosos, nos pontos de vista políticos e ideológicos. Há muita impaciência com qualquer coisa e qualquer pessoa que sugira outra perspectiva, outro modo de olhar para a mesma questão... (TUTU, 2012).

Valorizar uma cultura não pressupõe admiti-la como própria, não é abandonar suas crenças e valores, seu modo de vida, e sim,

[...] compreender o outro com suas particularidades, suas diferenças ou, ainda, compreender que cada grupo social tem o direito de expressar-se livremente, de acordo com suas próprias regras e valores. (MICHALISZYN, 2008, p.84)

Paulo Freire, educador brasileiro, sempre mostrou grande interesse na educação das classes populares, e por isso mesmo, levou alguns educadores a repensarem suas práticas docentes, antes carregadas de ideologias elitistas, na oferta de uma educação bancária e distanciada da realidade dos educandos. Para Freire a educação deveria possibilitar uma leitura de mundo, e não se pode pensar em um processo de ensino - aprendizagem que considere o educando vazio, neutro, mas é preciso saber e perceber que os estudantes chegam à escola carregados de conhecimentos, e são esses conhecimentos que precisam ser valorizados. FREIRE (1996) falava em uma educação para a consciência, e não uma educação para a docilidade e submissão.

Por isso mesmo pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela - saberes socialmente construídos na prática comunitária - mas também, como há mais de trinta anos venho sugerindo, discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Porque não aproveitar a experiência que tem os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à saúde das gentes. (FREIRE, 1996, p.16)

Esse processo de educar é uma via de mão dupla, aprende e ensina, ensina e aprende, é esse processo cíclico, inacabado, “acontecente” que mostra sempre o movimento, e prova que a educação é dinâmica. Se a educação é dinâmica, então por que queremos alunos atônitos, parados, imóveis e silenciosos? Por que o barulho do questionamento incomoda tanto?

Quando FREIRE, (1996 p. 28-29), fala de uma educação para a tomada de consciência, ele não fala de uma falsa consciência, ou falsa reflexão, ou falsa aprendizagem, ele fala de uma tomada legítima de consciência, real, que faça com que o educando deixa a sua condição de dominado. (BOURDIEU,1989), diz que a falsa consciência é a desmobilização da classe dominada, e isso estabelece as distinções entre as classes e as legitima.

A cultura dominante contribui [...] para a integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas; para a legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções (hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. (p.10)

O que Pierre Bourdieu coloca é que a mesma “cultura que une (intermediário da comunicação) é também a que separa (instrumento de distinção). p.11”, e é dever da escola permitir que todos os educandos tenham uma tomada legítima de consciência para que, como aponta (FREIRE,1987) , deixem a sua posição de oprimidos (aqueles servis e conduzidos na rédea da cultura dominante), e quem sabe construam uma sociedade que não massacre o povo.

Esses instrumentos de distanciamento entre as diferentes classes sociais, culturais e de cor, que torna um dominante, enquanto outro dominado pode e devem ser superados, a partir da construção de uma sociedade que valorize as diferentes manifestações culturais, pois isso liberará uma integração cultural. Integração cultural esta que não nos transforme em uni culturais, mas multiculturais, com espaços para todos os tipos de manifestações culturais.

Não se pode, porém, pensar nessa convivência harmônica entre as raças, credos e classes sociais, sem pensar em uma educação que se transforme para dar conta de toda esta demanda. Não há outro caminho se não a mudança na forma de ser educativo, para que essa ideia de lugares definidos e imóveis para cada classe de pessoas (negros na favela, indígenas na mata alheios ao mundo e brancos nos prédios e casas de luxo) seja enfim abolida. Devem, os educadores, abandonar em sua forma de lecionar, os conceitos de cultura dominante boa, cultura dominada ruim, que sempre vem embutida nas falas, nos gestos, nas expressões e nas formas de avaliar. Quantos não têm em seu discurso uma ideia pronta de que a favela é lugar de vagabundos e violência? Quantos não deixaram escapar em suas aulas que candomblé é coisa do diabo, ignorando os alunos que fazem parte dessa religião? Quantos já não associaram a pobreza à sujeira, e coisas do tipo? É preciso reconhecer as diferenças existentes ao nosso, redor, mais do que isso reconhecer que cada um de nós possui suas especificidades, somos naturalmente diferentes. BRANDÃO (1986, p.7) orienta que

O reconhecimento da diferença é a consciência da alteridade: a descoberta do sentimento que se arma de símbolos da cultura para dizer que nem tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou...o outro sugere ser decifrado, para que os lados mais difíceis do meu eu, do meu mundo, da minha cultura sejam traduzidos também através dele, do seu mundo, de sua cultura. Através do que há de meu nele, quando, então, o outro reflete a minha imagem espelhada e às vezes ali onde eu melhor me vejo. Através do que ele afirma e torna claro em mim, na diferença que há entre ele e eu. Para mudar a educação a fim de que ele se torne multicultural, é preciso primeiro mudar os educadores. Essas mudanças só acontecerão com constantes formações, e aprendizado, que os torne mais humanos, mais críticos, mais autônomos. (p.7).

É preciso abandonar as velhas formas de se fazer educação, pois elas não funcionam. A escola marginaliza ao deixar de lado a diversidade, e de acordo com Viviani Marcelino (2010), o caminho da marginalização para a marginalidade é muito curto, e não é o que educadores buscam. Ao contrário, todos buscam melhorias sociais, e não se pode negar que essas modificações começam na escola. Uma escola que garanta ao educando reconhecimento com certeza verá uma diferença considerável nos resultados, em termos de aprendizagem e comportamento, pois quem se sente parte do processo procura zelar por ele e não burlá-lo.