TOLERÂNCIA A QUE PREÇO?

TOLERÂNCIA A QUE PREÇO?

“A escola não é de modo algum o mundo, nem deve ser tomada como tal;é antes a instituição que se interpõe entre o mundo e o domínio privado do lar.”

Hanna Arendt

Conceituada pedagoga e psicóloga brasileira, em recente entrevista a importante canal televisivo, em março do ano em curso, discorrendo a respeito de habilidades imprescindíveis aos profissionais da educação, destacou, entre tantas, a paciência. Assim o fez, enfatizando que os constantes atritos na interação aluno/professor, que concorrem a entraves na aprendizagem, podem ser minimizados desde que os docentes intensifiquem níveis de compreensão e aceitabilidade.

As altercações não têm perdoado faces imberbes, mãos laboriosas ou brancos cabelos. Divulgações diárias comprovam e alardeiam que as contendas intensificam-se não apenas com professores recém-saídos dos bancos acadêmicos, bem como com educadores de renomada bagagem e competência. Os neófitos e os doutos reclinam-se no mesmo divã. O ideal sucumbe nas nefastas páginas policiais. De que instrumentos devemos nos valer se até mesmo reitorias e dependências universitárias são invadidas, pichadas e depredadas? Reitores e autoridades são humilhados sob a égide de respeito aos direitos humanos, e curvam-se em nome da paciência. E os agressores? Intelectuais que amanhã tomarão acento em nossas casas políticas; cirurgiões que terão entre os dedos o fado de preservar a vida; juízes, que ao sabor da pena, deverão escudar o equilíbrio da balança de Têmis; educadores, que através do exemplo, indicarão o norte, ratificando as palavras de George Bernard, ao afirmar: “Escola é um edifício com quatro paredes e o amanhã dentro dele.” Alenta-nos a esperança de que alunos das creches e pré-escolas não se rebelem e tomem o refeitório. Não estamos tão longe.

Paciência não significa falta de prontidão, estagnação, marasmo, atonia, inoperância. Estamos a violentar, facilmente, os liames da contemporização. Resultado: violência. Quem deveria merecer respeito não o tem; quem deveria tê-lo não o faz.

Acatando, com o devido apreço, vozes do contraditório, cremos que o argumento, inócuo, da mentora, naufraga nas águas da ingenuidade. Parece-nos que chegamos a calamitosos patamares, exigindo bem mais do que a indispensável paciência. Talvez a pedagoga, há bom tempo, esteja afastada de salas de aula, jamais tenha trabalhado em escolas de zonas periféricas ou necessite, urgentemente, revisar conceitos de disciplina, respeito e educação.

Não se o negue o valor incontestável de perenes exercícios de paciência, capitais, particularmente a atividades que se inter-relacionem com o público. Queremos ser atendidos, sem demora e com serenidade

mesmo que os executores estejam expostos a longas e extenuantes jornadas de trabalho. E os servidores devem primar pela eficiência, educação e, naturalmente, complacência. Ressaltam-se a nossos olhos, como predicados imperativos: rapidez e transigência nas operações bancárias; cordialidade na emissão de passagens; boa vontade nas transações comerciais, em especial nas trocas; prontidão e eficácia na assistência policial; mobilidade nas artérias de locomoção; profissionalismo e agilidade nos atendimentos hospitalares e, notadamente, a paciência nos procedimentos pedagógicos. E a contrapartida?

A insigne educadora, ao longo de seu arrazoado, permitiu-se mais um deslize ao ressaltar que se o preceptor não tiver paciência deve exercer outra atividade que não o magistério. Deplorável colocação. Somos apologistas de que a paciência deve ser apanágio de todo indivíduo, não se consentindo exclusão. Muitos de nós, quem sabe, impensadamente, a deixa fugir aos dedos. Outros tantos a tem à flor da pele e alguns foram aquinhoados com monásticas reservas.

Comportamento deplorável vem se tornando comum em alguns educandários, particularmente no turno da noite. Alunos, sem razões plausíveis, afastam-se da sala de aula, desprovidos do mais sutil constrangimento e permissão do docente. Questionados, alegam, com menosprezo, que, embora tenham voltado do recreio há pouco, encontram-se com apuro urinário ou estomacal. E por não quererem interromper o bom andamento da aula, não solicitam consentimento com a mão erguida ou com olhos, como era praxe quando pautávamos pela educação e bons princípios. Mera bazófia. Tornam-se reincidentes, voltam a delinquir e declaram-se donos de sua liberdade. Não só tumultuam as aulas como o andamento de toda estrutura. E nossa paciência? É dedutível que os infratores não retornam à aula. Ficam pelos corredores, tumultuando, e só regressam, sob protesto. E a tanto precisamos ter paciência. Há limites para que não a tenhamos? Não se trata, obviamente, de cercear a liberdade, menos ainda de impor qualquer tipo de autoritarismo.

Aspira-se, em nome da ordem e da cidadania, ao respeito aos princípios éticos e morais. Utopia? Quem sabe! Emitir e não omitir. Acreditamos que o procedimento não seja de competência somente da escola. Não o queiramos alcançar alicerçados nas punições da anacrônica e crudelíssima palmatória, do isolamento no canto da sala ou da genuflexão aos grãos de milho. Entretanto, confiamos em censuras e orientações devidas, ajustadas ao grau do cometimento, sem que os educadores se sintam desacreditados por regimentos protecionistas. A complacência ao erro leva-nos à violência. Os pais devem ser partícipes majoritários no reconhecimento e orientação.

Quem sabe as autoridades maiores de nossa ‘Pátria Educação’ conscientizem-se de que paciência não é a confecção minuciosa de mantilhas em crochê; não é a persistência de alpinistas às portas do céu; não é a mão de enxadristas cortejando rainhas; não é a elevação do espírito na introspecção dos mantras budistas; não é voz da clausura que ora em silêncio; não é a agulha perdida em meio ao palheiro. Paciência é bem mais. É uma taça com licor capitoso, que transborda, trinca, e de nada e por nada revela nossa fragilidade.

Jorge Moraes - jorgemoraes_pel@hotmail.com - Março / 2015