Quem sabe faz a hora...
Quem sabe faz a hora... (Autor: Jean Richard Maciel da Costa)
Muitos professores adoram cantar a canção, “Pra não dizer que não falei das flores”, composta e interpretada por Geraldo Vandré no período histórico conhecido como os anos de chumbo do país. De tão representativa, acabou se transformando em uma espécie de hino e, nas escolas, há anos é sempre lembrada e cantada; principalmente nos eventos festivos dos grupos escolares. Em breve, todo o Estado de São Paulo ouvirá novamente esse clamor pela liberdade, já que, os professores estaduais marcam novas manifestações pelas ruas das grandes cidades paulistanas, e certamente, essa canção será entoada por muitos nas vias e praças do estado bandeirante. Outra vez, se prevê educadores cantando a plenos pulmões os versos que clamam pela esperança, pela lembrança, pelo heroísmo, pela crença no ser, pela união e principalmente pela ação. Mas, será que nas últimas décadas os professores paulistas estiveram cantando e se inspirando corretamente com os belos versos de Vandré? A resposta, infelizmente e muito provavelmente, será um grande não.
Dificilmente, existirá nesse país uma categoria que tenha tido tantas perdas como a dos professores; e pior, aceitou-as quase que consensualmente. Por muitos anos, tiveram perdas: altíssimas perdas salariais, perdas de estima, perdas estruturais, perdas de direitos, perdas pedagógicas, perdas físicas, perdas emocionais e tantas outras perdas. Só com relação ao salário base, deixaram um patamar de quase dez salários mínimos há 40 anos, para praticamente dois salários mínimos nos dias atuais. Nos últimos governos, a classe do professorado paulista assistiu o setor da educação ser triturado pelo rolo compressor da burocracia, do descaso e da incompetência governamental. Inacreditavelmente, em muitos momentos, os educadores aceitaram mansamente e até colaboraram para que a situação caótica os atingissem, assim como a todo o sistema educacional. Por isso, os professores não podem negar que também tiveram a sua parcela de culpa pela situação em que se encontram. Ao invés de se espelharem e seguirem os versos da canção que adoram cantar, aparentemente, confusos, resolveram não entenderem as palavras de Vandré e escolheram caminhos contrários e contraditórios.
Nas últimas décadas, os professores paulistas ficaram caminhando e seguindo a canção de um Estado, e políticas que trouxeram apenas desvalorização, humilhações e divisões. Transformados em uma categoria na qual já não se sentem iguais, a grande maioria dos professores optou pelos braços não dados. Políticas governamentais contribuíram para isso, e por isso, parte da classe foi caprichosamente nomeada como meras letras do alfabeto, e assim, as letras O e o F se transformaram em tristes piadas no próprio meio. Nas escolas, as piadas dos “Ós” e dos “F&%#@*&”, tornaram-se clássicas em variadas versões e também alertaram sobre o risco das divisões. Pelos campi escolares restou a fome por grandes manifestações que jamais voltaram a acontecer, e pelas ruas os professores nunca mais unidos – verdadeiramente – marcharam. Ficaram indecisos dentro dos portões e optaram apenas pelo lamento como forte refrão. Deixaram de acreditar nas flores e na força coletiva, preferindo prostrarem-se no chão. Entre os profissionais da educação, a certeza na frente e a história na mão simplesmente desapareceram. Nos pobres corredores das escolas públicas só sobreviveram a incerteza e a própria história desconhecida, caminhando, cantando e seguindo a canção do empobrecimento do ensino e dos seres. A não mais tão nova lição aprendida e ensinada nos últimos anos, é a de que a escola pública, antes tão valorizada e bem quista, agora é apenas uma passagem para mais oprimidos virarem massa de manobra para um Estado e o capital opressor. Infelizmente, uma enorme parte de professores não soube fazer a hora, e submissos, só ficaram esperando o acontecer. Hoje, pagam amargamente pela própria inércia e falta de mobilização para lutarem pelos direitos mais básicos. Seus amores por uma vocação tão nobre estão sumindo na mente e muitos sentem que são flores despedaçadas no chão. Nas escolas, nas ruas, campos, construções, os professores viraram educadores desarmados das condições mínimas de trabalho, quase sempre perdidos – não mais amados - na mesma aflição: baixa remuneração, salas lotadas, violência nas escolas, doenças psicossomáticas, trabalho sem materiais, ambientes inadequados, etc. Assim, são obrigados a sofrerem as amarguras e a aceitarem o não. Sonhos foram embora por esperarem sem saber, que de governos, o melhor não se espera acontecer.
Todavia, apesar de todos os infortúnios, os professores continuam conduzindo nobremente sua tarefa de contribuir para o aprendizado dos alunos, e consequentemente o desenvolvimento da sociedade brasileira. Mesmo que no futuro consigam um ganho melhor após paralisações e greves, dificilmente recuperarão prontamente as perdas que tiveram ao longo dos anos. Por isso, pensando em toda a desvalorização que os profissionais da educação sofreram e que os sucessivos governos lhes impuseram, agora, que mais uma manifestação se aproxima, ficará uma pergunta para a classe dos educadores e para a sociedade: Será que, finalmente, na mobilização que anunciam, os professores despertarão e interpretarão corretamente a lição de Vandré, e realmente, não esperarão mais, e decididamente saberão fazer a hora acontecer?