O NATURALISMO ÉTICO NO CONTO A ÁGUIA E AS GALINHAS

Antônio Abdon da Silva Barbosa

Isabel Rivas Maximus Denis

Maria Gilmaria Ramos Pardinho

Mirella Novais Oliveira

Dra.Rosângela Lemos da Silva

RESUMO: Este trabalho apresenta um texto significativo para a independência política de Gana, que na atualidade é motivador em todo o mundo. Tem por objetivo analisar o conto de James Aggrey: A águia e as galinhas, considerando a teoria do naturalismo ético e os elementos que o caracterizam a partir dos personagens e da finalidade do autor. Para tanto, fez-se necessário: elucidar alguns conceitos gerais de naturalismo, ética e epistemologia, justificando a aquisição do conhecimento dentro de uma perspectiva natural; realizou-se um levantamento teórico sobre o naturalismo no percurso epistemológico da ética e por fim, estabeleceu-se um paralelo entre os conceitos do naturalismo ético e o conto.

Palavras-chave: Conto. Epistemologia. Ética. Naturalismo.

RESUMEN: Ese trabajo presenta un texto significativo para la independencia política de Gana, que en la actualidad es motivador en todo el mundo. Tiene por objetivo analisar el cuento de James Aggrey A águia e as galinhas, considerando la teoría del naturalismo ético, y los elementos que lo caracterizan a partir de los personajes y de la finalidad del autor. Para tanto, se hizo necesario elucidar algunos conceptos generales de naturalismo, ética y epistemología, justificando la aquisición del conocimiento dentro de una perspectiva natural; se realizó un análisis teórico sobre el naturalismo en el trayecto epistemológico de la ética y al fin, se estableció un paralelo entre los conceptos del naturalismo ético y el cuento.

Palabras clave: Cuento. Epistemología. Ética. Naturalismo.

1 INTRODUÇÃO

No início do século XX, quando se iniciaram os primeiros movimentos para o processo de independência da então Costa do Ouro, colônia inglesa, lideranças populares discutiam os rumos da libertação do domínio do país colonizador. Entre os líderes havia um educador, nascido e criado nas terras ganenses, chamado James Emman Kwegyir Aggrey.

No alto dos seus 50 anos, Aggrey assistia em silêncio o prenúncio de um embate político, fundamentado na dualidade de opiniões que eclodiam no movimento. De um lado havia os que queriam o caminho armado, enquanto do outro, havia o caminho que efetivamente triunfou sobre a liderança de Kwame N’Krumah, proclamado anos depois primeiro-ministro de uma nação do Commmonwealth Britânico. Era crescente a empatia com aqueles que se conformavam com a colonização; acreditando que essa seria a maneira mais eficiente de atualizar-se e inserir-se no grande mundo, tido como civilizado e moderno.

Temendo que pudesse haver um provável êxito entre os que queriam a manutenção da colônia, James Aggrey decidiu, através de uma narrativa, convencer os presentes a continuar lutando contra os colonizadores. Esse texto foi traduzido do inglês para diversos idiomas e gerou muitas discussões sobre o preconceito e a importância da educação. Por conseguinte, configura-se como o objeto de estudo deste trabalho, dentro do âmbito epistemológico e dos ideais defendidos no naturalismo ético, pautado na temática: O naturalismo ético no conto A águia e as galinhas.

Diante do exposto, surgiu o questionamento sobre quais elementos e ideais do naturalismo ético estariam presentes no conto A águia e as galinhas? Supôs-se que o texto seria adequado à abordagem epistemológica em estudo. Desta forma, objetivou-se analisar a história, estabelecendo um paralelo com o naturalismo ético. Para tal, fez-se necessário: primeiro conceituar epistemologia, ética e naturalismo; em seguida, aprofundar os princípios do naturalismo ético; e por fim, estabelecer um paralelo entre o naturalismo ético e o conto A águia e as galinhas.

Esta pesquisa contribui para uma análise reflexiva do naturalismo ético, presente em narrativas, levando os indivíduos à busca do autoconhecimento como afirmação da sua condição natural e como homens e mulheres que nascem e devem permanecer livres.

Uma vez conscientes da sua condição de equidade com os outros da mesma espécie, o indivíduo aprende naturalmente que a ética apresenta pontos de vista que envolvem as relações de empoderamento e nem sempre condizem com a verdade.

No discurso de Aggrey, o camponês é a metáfora da Inglaterra, que alegava o domínio, como meio de proteção de outros países, pretensos da escravidão de africanos. Enquanto, o naturalista é a metáfora dos líderes que queriam a independência da colônia, reafirmando a sua condição original, ou seja, a de homens livres.

Discutir a ética desse enfoque naturalista é relevante na medida em que proporciona um espaço dialógico entre as convicções do indivíduo sobre os seus valores e as normas ditadas pela sociedade.

Para alcançar o objetivo proposto, foi realizada uma pesquisa documental, utilizando o método dedutivo, descritivo e bibliográfico, seguida de uma análise comparativa entre a teoria e o mencionado relato de James Aggrey. Tendo como partes intituladas: Os conceitos gerais; O naturalismo ético; e análise do conto A águia e as galinhas.

2 CONCEITOS GERAIS

Para entender amplamente a epistemologia como objeto de reflexão filosófica, a obra de Karl Mannheim é um marco significativo, podendo ser representativa tanto em sua fase mais filosófica, como em seus últimos escritos, o que se percebe já no ensaio sobre o historicismo, por volta de 1924.

Nesse ensaio, são localizadas referências às condições históricas e sociais da "doutrina da autonomia da esfera teórica", as quais permeiam a reflexão epistemológica. Mannheim aborda a questão da doutrina como emergente nos tempos modernos, a expressão intelectual de um processo histórico que perpassa a autonomização progressiva das classes sociais, um acontecimento impossível de acontecer na idade média, que não permitia a migração das camadas sociais. Ele ainda afirma que:

Os fundamentos da doutrina da autonomia da teoria são pré-teóricos, podemos mencionar de passagem que durante a Idade Média a relação ancilar de subordinação que a filosofia e todas as outras teorias mantinham com a teologia e com a esfera religiosa existente por trás dela, era algo absolutamente acima de qualquer dúvida (...) é no Renascimento que as diferentes esferas da vida começam a se emancipar e atingem a autonomia da ação moral, da criação artística e do pensamento teórico. (MANHEIN, 1976, p. 149).

Diante dessa trajetória traçada por Mannheim, a condição de relacionar a doutrina da história epistemológica é mais tarde rejeitada. Entretanto, o autor não discute ali como fará em teses epistemológicas específicas, tais como a distinção entre os contextos das diferentes formas de vida, a qual evidenciará o pensamento teórico.

Uma máxima das teorias naturalistas é que a partir delas a ética é passível de conhecimento, pode-se compreender os fatos moralmente relevantes pelos mesmos meios sensoriais comuns que são utilizados para entender os fatos naturais, uma vez que os fatos moralmente significantes são, por sua vez apenas os fatos naturais, ou seja, o bom é tudo que se produz com prazer. Essa afirmação pode ser constatada ao observar o que dá prazer às pessoas e devido a esse encantamento inicial, o naturalismo foi muito criticado.

Quando uma pessoa confunde dois objetos naturais, definindo um em função de outro, por exemplo, confundindo-se a si mesma, que é um objeto natural, com "sentir prazer" ou "prazer", que também o são, não há qualquer justificação para que se fale de falácia naturalista. Mas se confundir "bom", que não é, no mesmo sentido, um objeto natural, com um objeto natural, seja ele qual for, então, sim, há motivo para se dizer que é uma falácia naturalista. (MOORE, 1903, p. 95).

As concepções de Moore sobre ética são chamadas de intuicionistas, por revelar as propriedades morais, a propósito de não serem compatíveis à investigação empírica, seriam adequadas à intuição moral. Para Moore, “intuir algo é apreendê-lo diretamente, sem necessariamente esforço mental, como a dedução.” Brito (2010) apud Frazier (1998). Dessa forma o intuicionismo em ética estabelece que, por este método, pode-se reconhecer comportamentos e atitudes morais.

Uma particularidade interessante sobre as doutrinas intuicionistas é a aceitação da autonomia da ética, associada ao realismo moral. A tese da autonomia da ética propõe que os fatos morais não podem ser explicados ou reduzidos a termos não éticos. Esta última tese já é o bastante para entendermos o enorme desacordo que separa intuicionistas de naturalistas, que compreendem o ato moral irredutível como algo que não existe.

Os naturalistas, por sua vez, objetam que é preciso mais para demonstrar que essas intuições comuns não passam de uma ilusão ou até mesmo um resquício não reconhecido de crença religiosa. Além disso, o naturalista pode replicar que se o naturalismo é correto, então qualquer um que não pense ser natural guiar sua prática pela análise naturalista, mesmo após reflexão conceitual, não está utilizando de modo competente os conceitos relevantes em questão.

O Naturalismo pode ser entendido como uma postura filosófica, a qual defende que tudo que existe é natural e faz parte do espaço – temporais, processos da natureza ou qualquer tipo de objeto não natural, sabe-se apenas através da sua existência dentro da natureza, podendo ainda ser experimentado está dentro do espaço, o que ocupa uma ordem temporal da natureza.

Uma abordagem naturalista da ética pode ter seu clássico num pensador como Nietzsche, ao tempo em que se propôs a entender a moralidade como fenômeno natural dentro de um projeto genealógico, mas que aponta para posturas naturalistas contemporâneas, que especialmente apontam para o problema de uma aparente impossibilidade da moralidade em bases naturalistas.

Na ética negativa, assume-se abertamente o caráter problemático das relações entre vida e moralidade que o pensamento de Nietzsche, entre outros, colocou em evidência. Numa ética negativa, tem que se examinar, de tempo em tempo, quais são os custos morais do continuar vivendo – mesmo levando um tipo de vida. Para Lopes (2013) apud Nietzsche (1988):

Uma opção que não pretende ser plenamente representativa, mas pela ilustração de um ponto de vista sobre o humano segundo o qual as propriedades e comportamentos humanos são frutos da evolução, e pelas leis da evolução terão que ser entendidos, descartando-se então qualquer origem supranatural dos mesmos ou qualquer possibilidade do humano pairar por cima das leis naturais num mundo transcendente ou espiritual, já que o próprio mundo da cultura surge a partir de categorias naturalistas e evolucionárias.

Dessa forma, o ser humano apresenta reações de comportamentos evolutivos os quais devem ser compreendidos sem levar em consideração a condição de escolher num plano evolutivo, mas que deixam claros sistemas naturais e se evoluem, o que é possível, sobretudo de forma espiritual.

A natureza possui um grau de asseio que torna compreensível, como um sistema de processos naturais. Os valores morais, entretanto, podem surgir na relação entre os seres humanos como uma parte da natureza e do resto da natureza. Como parte da natureza, os seres humanos estão sujeitos à legalidade dos processos naturais, a inteligência emerge da vida ativa de organismos dentro da natureza.

Então, é possível entender a razão humana como o resultado de causas não-racionais, especialmente em seus exercícios mais práticos e menos teóricos, a teoria do naturalismo é em particular um exercício da razão teórica. Sob essa perspectiva, o que torna o naturalismo verdadeiro são as razões para a desconfiança, visto que, esta configura o raciocínio teórico.

Na ética, a vaga hipótese de que a natureza é o guia supremo das ações humanas pode ser aplicada de várias maneiras diferentes. Visto por este ângulo, o homem apresenta muitas tendências naturais, como vontades e desejos, pode-se perguntar se é moral para seguir todos indiscriminadamente, quando não se combinam ou são excludentes, de modo que uma escolha a ser feita, no terreno aquilo que tem certas atividades ser dada a preferência sobre os outros. Tanto na teoria como na prática, tinham baseado as normas de conduta sobre o prisma de que nada pode ser moralmente errado.

Para Brito(2010) apud Rousseau, esta teoria afirma que: “a sociedade seja transformada e organizada, onde as mudanças contribuam para o desenvolvimento de regras de conduta e princípios convencionais”. A partir daí, o homem, que é naturalmente bom, se torna melhor pela educação e pelo contato com outros homens.

3 O NATURALISMO ÉTICO

Aristóteles afirma que a ética está associada à alta burguesia por ter valores. Já que era privilegio de poucos, certamente que a ética já tinha sua definição. No entorno da Ética, a razão interfere para determinar regras de comportamento, mas por meio de um artifício muito distante do dedutivo, próprio das ciências teoréticas.

Considerando o hábito em filosofia, indivíduos naturalistas apresentam suas adequadas características. Como, o naturalismo metafísico, epistemológico, estético e o ético, conforme descrição a seguir:

No naturalismo metafísico não há lugar para coisas estranhas, ou seja, nem há espaço para as entidades espirituais, tão pouco, outros que pertencem a uma esfera diferente do mundo natural. A ideia não é de rejeitar entidades individuais como tendo uma visão de mundo unificada, que permite um estudo unificado dele. Ser naturalista neste sentido, não é sinônimo de ser materialista. Não que as entidades e as explicações sejam rejeitadas, mas porque elas podem ser integradas ao resto da natureza. De um ponto de vista naturalista são admissíveis, por exemplo, as entidades teóricas como o eixo da Terra, que postulava a explicar o movimento deste planeta, mas sabemos que é apenas uma construção lógica.

No naturalismo epistemológico ou psicologismo, como e foi tachado nos séculos XIX e outra parte do XX, os epistemólogos naturalistas foram perseguidos e queimados na fogueira, depois de tortura. O fato é que, enquanto o anti-naturalismo em epistemologia existiu, nenhuma pessoa se ousou a ser naturalista porque torturavam e queimavam, só então a partir da obra de Quine e Wittgenstein que o temor do naturalismo em epistemologia foi eliminado. Por meio do ponto de vista anti-naturalista, as coisas que fazem os epistemólogos, são contra as regras que a se admite apresentar crenças justificadas. Esclarecimentos naturalistas às vezes levam a crer que, em um julgamento, dificilmente há uma explicação para a fé.

O naturalismo estético foi a primeira versão do objetivismo estético. Nele, a natureza pressupõe a idéia de concessão do estatuto de sede original e fonte de valores estéticos. Esses valores da arte seriam meros reflexos de valores estéticos naturais. Entretanto, o naturalismo estético não é tanto uma teoria estética da classe com o naturalismo na arte, um grupo artístico que tornou-se bastante popular no século XIX. Neste sentido, a arte, de lato (incluindo a literatura, por exemplo) precisa conceber o mundo como ele é, cantando o cuidado e a sensibilidade estética.

No naturalismo ético determina-se a ética como um grupo de leis ou meios de refletir, que mostram, ou se titula a si a autoridade de conduzir, as atos de um classe (moralidade), ou, ainda, o estudo assistemático da justificação do “eu” quando precisa-se atuar, ou seja, “filosofia moral do individuo”. A essência da moral não constitui a aparência explícita de uma ética, percebida como filosofia moral, já que é necessário um pensamento que trate, problematize e comente o constituído dos valores éticos. De acordo com Campos et al. ( 2002):

Existe uma profunda ligação entre ética e Filosofia: a ética nunca pode deixar de ter como fundamento à concepção filosófica do homem que nos dá uma visão total deste como ser social, histórico e criador.

Dentro dos temas éticos principais deve-se abordar os princípios de pressupostos básicos, como o da dialética, o da obrigação e o da liberdade. Neste sentido, a história da ética se envolve com a história da filosofia, é por esta que ela procura base para colocar o desenvolvimento histórico-cultural da humanidade. “Só depois dos escritos de Platão e Aristóteles, a ética ou filosofia moral inicia-se no Ocidente com Sócrates”. (CHAUÍ, 1995).

Para Sócrates, a opinião de ética seria além do senso comum na época, o corpo seria a prisão da alma, que é imutável e eterna. “Existiria um “bom em si” próprios da sabedoria da alma e que podem ser rememorados pelo aprendizado”. Aricó (2001). Esta bondade absoluta do homem tem relação a uma ética apriorística, pertencente à alma e que o corpo para reconhecê-la terá que ser purificado.

Aristóteles subordina sua ética à política, acreditando que na monarquia e na aristocracia se encontraria a alta virtude, já que esta é um privilégio de poucos indivíduos. Na sua doutrina a ética está em conformidade com a ordem vigente. “Cada virtude seria um meio-termo entre dois extremos, e cada um desses extremos seria um vício” Aricó (2001). Assim, sua ética era adaptativa, servindo as necessidades políticas de seu tempo, onde o homem deveria ser conformado com a sua realidade, para tanto se fazia necessário à interferência da família e da educação para conter suas paixões.

Segundo Kant afirmava: “(...) a moralidade de um ato não deve ser julgada por suas consequências, mas apenas por sua motivação ética.” Aricó (2001). Ele sustentava que o homem é o centro do conhecimento e da moral. Sendo o ato ético e moral criado e seguido pelo homem, isso passa a ser incondicionado e absoluto.

O cristianismo, por meio de S. Tomás de Aquino e Santo Agostinho, alia-se a ideia de que a valor se determina após a afinidade com Deus e não com a cidade ou com os outros. Deus nesta era é respeitado, o único intercessor entre os indivíduos.

Os dois principais valores são a fé e a caridade. Por meio do cristianismo, se diz no ético há livre arbítrio para pensar. A ética passa a estabelecer três tipos de comportamento; a moral ou ética (baseada no dever), a imoral ou antiética e a indiferente à moral.

As intensas modificações que o mundo passa a partir do século XVII com as revoluções religiosas, através de Lutero; científica, com Copérnico e filosófica, com Descartes, exploram um novo pensamento na era Moderna, diferenciada pelo Racionalismo Cartesiano - o motivo é o meio para a verdade, e quando em fim chegar até ela é querer um rumo, um meio. Já Galileu e Newton - procuram o desenrolar da ética naturalista. Ele é o inicio na história da humanidade que de agora em diante procura um novo meio para se chegar ao saber: o saber científico pauta-se num processo de ciência sem método é mítico ou empírico.

Uma série de conceitos com os quais a ética trabalha de uma maneira específica, como os de liberdade, necessidade, valor, consciência, sociabilidade, pressupõe um prévio esclarecimento filosófico. Também os problemas relacionados com o conhecimento moral ou com a forma, significação e validade dos juízos morais exigem que a ética recorra a disciplinas filosóficas especiais, como a lógica, a filosofia da linguagem e a epistemologia.

4 ANÁLISE DO CONTO A ÁGUIA E AS GALINHAS

No ano de 1925, as lideranças da Costa do Ouro, atual Gana, reuniram-se para definir os rumos políticos, frente aos projetos da Inglaterra de permanecer como colonizador. Percebendo que o debate encaminhava para manter Costa do Ouro como colônia, James Aggrey, educador nativo da região, sentiu a necessidade de pronunciar-se em defesa das culturas e tradições locais, que seguiam vivas, apesar da opressão.

O método escolhido pelo professor, considerado atualmente como um dos precursores do nacionalismo africano e do moderno pan-africanismo, para convencer os seus representantes, foi a narração de um conto que os fizesse rememorar os seus valores. Ele termina o seu discurso com a seguinte mensagem:

Nós fomos criados a imagem e semelhança de Deus, mas houve pessoas que nos fizeram pensar como galinhas. E nós ainda pensamos que somos galinhas, mas nós somos águias. Por isso, irmãos e irmã, abram suas asas e voem, voem como águias. Jamais se contentem com os grãos que jogarem aos pés para ciscar.

Da mesma forma que a águia, na história nasceu para alçar voo, o homem, uma vez criado à semelhança de Deus, nasceu para ser livre, ou seja, a dominação de um homem sobre o outro não seria natural. Desta forma, o que se considerava normal e ético diante do olhar do colonizador, ao contrário, revelava-se amoral e desrespeitoso no olhar do colonizado.

As metáforas com os animais visavam uma autoavaliação comportamental e oferecia a possibilidade de reflexão sobre os conceitos de moralidade, ética e dominação. O exercício de imaginar-se galinhas, sendo águias semeava ao menos um questionamento sobre como se deveria conduzir as decisões que afetariam o futuro de um povo que, segundo Boff (2010) “sempre alimentou forte consciência da ancestralidade de sua história e muito orgulho da nobreza de suas tradições religiosas e culturais”

Sobre a relação metafórica da águia e da galinha, Boff (2010) apresenta a seguinte afirmação:

Ao ver uma galinha e uma águia, você vai ver mais que uma galinha e uma águia. Você vai se confrontar com duas dimensões fundamentais da existência humana. A dimensão do enraizamento, do cotidiano, do prosaico, do limitado: o símbolo da galinha. A dimensão da abertura, do desejo, do poético, do ilimitado: o símbolo da águia. Como equilibrar estes dois pólos? Como impedir que a cultura da homogeneização afogue a águia dentro de nós e nos tolha voar?

Diante dessa perspectiva, percebe-se que embora convivamos com a dicotomia entre os valores morais, aos quais estamos submetidos dentro de uma ordem hierárquica, determinada por um grupo dominante e as convicções morais que intuímos frente ao que nos revela únicos, é indispensável que haja uma constante reflexão sobre a verdadeira condição humana e o direito cerceado de exercer o seu livre arbítrio.

Quando na história o naturalista persistia em fazer com que a águia enxergasse a sua condição natural, o seu esforço era mitificado pela reafirmação do camponês e o reforço do seu condicionamento para manter a ideia e as ações de galinha na águia. Do ponto de vista epistemológico, o conhecimento adquirido pela águia apresentou vertentes diferenciadas a depender do mediador: de um lado, havia uma negação da condição natural, estabelecida através da ação e da reação do coletivo; do outro, havia a proclamação dos valores já intrínsecos na condição natural do pássaro.

No seguinte período da história: “De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros.” Revela-se que, embora o camponês tivesse total consciência da condição natural do pássaro decidiu que ela deveria ser criada dentro dos costumes do coletivo, mesmo não sendo essa a sua natureza. Em contrapartida, para o naturalista, o fato da ave não viver em seu habitat natural reprimia sua real condição e a limitava. Isso pode ser ratificado no seguinte trecho: “Não - retruncou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.”

Logo, enquanto para o camponês prezar pelos conhecimentos adquiridos no coletivo era o melhor que ele poderia fazer pelo pássaro, para o naturalista o bem maior seria o de seguir o natural. Assim, o que é natural seria bom e o que não é seria mau, seguindo a lógica do naturalismo ético. Sobre esse tema Silva (2006) revela que:

Uma das vantagens das teorias naturalistas é que a partir delas a ética é passível de conhecimento: podemos conhecer os fatos moralmente relevantes pelos mesmos meios sensoriais comuns que utilizamos para conhecer os fatos naturais – afinal de contas, os fatos moralmente relevantes são, em última instância, apenas os fatos naturais.

Portanto, os fatos morais e naturais são os mesmos, posto que agir moralmente é agir da melhor maneira para preservar a própria qualidade de vida. Quando a águia finalmente visualiza o sol e vislumbra para si um horizonte, assume uma postura inversamente proporcional ao vivenciado no galinheiro, as perspectivas são modificadas e o voo que finalmente acontece, representa a liberdade de ser sem o dever de ser, apenas como parte do que lhe é próprio dentro das especificidades de sua espécie.

Sobre esse tema Castro (2007) afiança que:

El naturalismo presupone que el lenguaje moral ejemplifica un uso descriptivo o informativo del lenguaje, porque es posible redefinir los términos éticos en términos que designan propiedades que pueden ser objeto de la experiencia.

A linguagem moral presente no conto reitera as afirmações defendidas no naturalismo e configura-se como elemento de redefinição dos conceitos impostos aos indivíduos pelo senso comum e incentiva a prática de ideias que o acerquem do que lhe sugere mais natural e intuitivo diante da relação do individual frente ao coletivo.

Para ratificar a relação entre o naturalismo ético e o texto de Aggrey, faz-se necessário examinar detidamente o conto A águia e as galinhas. Assim sendo, nos parágrafos seguintes, essas relações serão explicitadas e exemplificadas através de trechos da própria narrativa. Para efeitos didáticos a história será dividida em três momentos: o encontro do camponês com a águia, o convívio da águia com as galinhas e a visita do naturalista e, finalmente o voo da águia.

4.1 O ENCONTRO DO CAMPONÊS COM A ÁGUIA

Este é o momento da história no qual está baseada a origem da ação submissa da águia frente ao camponês.

Era uma vez um camponês que foi à floresta vizinha apanhar um pássaro para mantê-lo cativo em sua casa. Conseguiu pegar um filhote de águia. Colocou-o no galinheiro junto com as galinhas. Comia milho e ração própria para galinhas...

Desde o princípio da história, evidencia-se que a intenção do camponês sempre esteve voltada para negar à águia o direito de ser aquilo para o qual nasceu. Logo, educa-se a ave para ser o que ela deve ser, caso queira manter-se viva. O comportamento adotado pelo pássaro é de submissão e conformismo. Não obstante, esta condição não parece afetar o seu desenvolvimento, uma vez que adaptada, ela segue o seu caminho semelhante aos outros membros do seu meio social, que no caso, são as galinhas.

Em outro trecho da história: “Embora a águia fosse o rei de todos os pássaros.” Entende-se que a condição natural do pássaro capturado era a de algo além do que lhe oferecia o seu algoz. Logo, deixar de ser o que deveria ser, era a melhor opção diante do que expôs o autor.

4.2 O CONVÍVIO DA ÁGUIA COM AS GALINHAS E A VISITA DO NATURALISTA

Até este ponto da história não havia espaço para a contestação da forma como a águia vivia. A presença do naturalista no galinheiro iniciou o processo de ressignificação da identidade da águia.

...- Esse pássaro aí não é uma galinha. É uma águia.

- De fato – disse o camponês. É águia. Mas eu a criei como galinha. Ela não é mais uma águia. Transformou-se em galinha como as outras, apesar das asas de quase três metros de extensão.

- Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.

- Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia...

Com a chegada do naturalista e o questionamento deste ao camponês, evidencia-se que a motivação de manter a águia cativa, não tinha relação com a ignorância da real natureza do pássaro, mais sim como uma postura amoral do camponês. Nesse momento, também se revela a intenção do naturalista em devolver à águia a possibilidade de assumir a sua majestosa posição e resgatar os valores que lhes são inerentes.

- Não – retrucou o naturalista. Ela é e será sempre uma águia. Pois tem um coração de águia. Este coração a fará um dia voar às alturas.

- Não, não – insistiu o camponês. Ela virou galinha e jamais voará como águia.

A persistência do naturalista e a convicção de que era possível devolver ao pássaro todas as capacidades de resgatar a sua essência está evidente neste trecho da narração. Em contraposição, a negação do camponês, demonstra a descrença na capacidade da águia de retomar seu gênesis.

4.3 O VOO DA ÁGUIA

O medo de enfrentar o desconhecido foi um fator relevante tanto no caso da águia, quanto na situação da colônia. O processo de libertação foi lento e progressivo, mas culminou na liberdade de ser sem a obrigação de cumprir com o dever de ser.

– Já que de fato você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, então abra suas asas e voe!

A águia pousou sobre o braço estendido do naturalista. Olhava distraidamente ao redor. Viu as galinhas lá embaixo, ciscando grãos. E pulou para junto delas.

A primeira reação da águia diante da proposta do naturalista é a de posicionar-se acima das outras aves, sobre o braço do naturalista, como quem, reagindo ao primeiro impulso, transparece aquilo que tem de mais original

e primário. Todavia, ao visualizar a condição social ao qual estava integrado, o pássaro desiste do voo e se acovarda frente ao desconhecido, permanecendo na sua zona de conforto.

No dia seguinte, o naturalista subiu com a águia no teto da casa. Sussurou-lhe:

– Águia, já que você é uma águia, abra suas asas e voe! Mas quando a águia viu lá embaixo as galinhas, ciscando o chão, pulou e foi para junto delas.

Não se dando por satisfeito, o naturalista persiste na ideia de revelar à águia o conhecimento que lhe pertence como espécie e lhe acompanha, independente do que lhe é acrescido ao longo da vida. Uma vez que a águia tenha sido criada para viver como galinha, os valores éticos que lhes foram infundados socialmente ainda a impediam de abrir seus horizontes para outras formas de conhecimento.

No dia seguinte, o naturalista e o camponês levantaram bem cedo. Pegaram a águia, levaram-na para fora da cidade, longe das casas dos homens, no alto de uma montanha. O sol nascente dourava os picos das montanhas. O naturalista ergueu a águia para o alto e ordenou-lhe:

– Águia, já que você é uma águia, já que você pertence ao céu e não à terra, abra as suas asas e voe!

A águia olhou ao redor. Tremia como se experimentasse nova vida. Mas não voou. Então o naturalista segurou-a firmemente, bem na direção do sol, para que seus olhos pudessem encher-se da claridade solar e da vastidão do horizonte.

O naturalista percebe que a influência social impede que a águia assuma sua essência. Logo, ao deparar-se com um novo ambiente, que na realidade seria o seu habitat natural, a águia resgata seu sentido de pertencimento, embora não consiga libertar-se no primeiro momento.

Nesse momento, ela abriu suas potentes asas, grasnou com o típico kau-kau das águias e ergueu-se soberana, sobre si mesma. E começou a voar, a voar para o alto, a voar cada vez para mais alto. Voou… voou… até confundir-se com o azul do firmamento…

Ao mesmo tempo em que o rei de todos os pássaros se reconhece na vastidão do horizonte, ele enfrenta o que até então era o desconhecido, retomando suas origens e redefinindo os seus valores e os conceitos éticos, conforme sua natureza. Assim, insurgido do mais profundo íntimo o seu grasnar sacramenta que aquela ave, não é mesmo uma galinha, mas sim uma verdadeira águia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após analisar o conto “A águia e as galinhas” sobre a ótica do naturalismo ético, verificou-se que a narrativa de James Aggrey carrega simbologias que bem exemplificam a teoria do ser pelo ser, sem a obrigação, de dever sê-lo. Verifica-se, tanto na dicotomia entre as aves, como nas divergências de ideias entre o camponês e o naturalista.

Por um lado, as analogias envolvem galinhas, como a representação do aceite social e da noção e imposição de valores, que culminam com a definição ética, partindo do coletivo para o individual. Em oposição a esse conceito, encontra-se a águia, quando finalmente alça voo, como símbolo da aceitação do que lhe é natural, inerente e melhor para a sua qualidade de vida.

Os personagens humanos também representam de forma pontual às ideias defendidas pela teoria do naturalismo ético. Enquanto o camponês representa o ato de indução, a acomodação e revela as ações do animal empregadas como resultado de elementos de condução, aplicados à águia como algo que lhe parecia natural, quando na realidade não era. O naturalista no entanto,

James Aggrey através de seu conto queria fazer um alerta aos povos africanos que na época estavam sob o domínio inglês. Com ele queria mostrar que apesar da dominação, a riqueza das culturas e tradições do povo de Gana seguia viva, mesmo vivendo num regime de opressão. Tinha a intenção de mostrar que a grande riqueza era a liberdade, no conto identificada pelo voo da águia que desiste de ficar no solo, e não fica mais submissa como as galinhas. Uma lição que serve para todas as nações do mundo.

REFERÊNCIAS

ARICÓ, Carlos Roberto. Arqueologia da ética. São Paulo (SP). Ícone, 2001.

BOFF, L. A águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. 48. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010.

BRITO. Adriano Neves de. Falácia naturalista e naturalismo moral: do é ao deve mediante o quero.

CASTRO, Ana. Filosofía: teorias metaéticas. (artigo, publicado em 10 fev 2007). Disponível em: http://www.monografias.com/trabajos7/meta/meta.shtml. Acessado em 15 jan 2015.

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