A Influência da Cultura africana na Língua Portuguesa

A influência da Cultura africana na Língua Portuguesa

The influence of African culture in the Portuguese language

Resumo: o presente artigo trata da herança africana deixada pelos escravos para o idioma português “brasileiro”. A valorização do negro como participante ativo no processo de construção de uma nova língua, de costumes, religião e artes, bem como no trato dessas características no cotidiano nacional. Tem-se o interesse de criar novas formas de encarar o estudo africano desde sua origem e valorizá-la como parte da nossa formação.

Palavras-chave: negro, escravidão, cultura, influência

Abstract: The present article deals with the African heritage left by slaves to the portuguese “brazilian”. The appreciation of negro as an active participant in the process of building a new language, customs, religion and arts, as well as in dealing with these characteristics in daily lives. It has been the interest to create new ways of looking at the African study from its origin and value it as part of our formation.

Key words: negro, slavery, culture, influence

1-Contexto Histórico – o fator que une

Não se poderia começar este artigo sem dar a definição do termo cultura. Segundo o dicionário Aurélio, cultura é definida como o “complexo de padrões de comportamento, das crenças, das instituições e doutros valores transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade; civilização”.

É sabido por todos de qual continente foram trazidas mão-de-obra para o Brasil, especialmente os do grupo guineano-sudanês (Guiné e Sudão Ocidental e o banto África Austral) trazendo grandes benefícios econômicos. A língua, obviamente, não poderia estar alheia a essa influência causada pela presença de povos tão culturalmente distantes até então.

Trabalhavam de forma exaustiva no campo e na mineração ou até realizando tarefas domésticas, e com isso, sua influência tornou-se cada vez mais presente e inevitável. Tratando-se da vida dos negros no Estado do Rio de janeiro, é indispensável ressaltar que os africanos guardavam saudade e a exprimiam em algumas ocasiões cantando canções de sua terra natal, emocionando até os forasteiros e viajantes que por aqui passavam. O sofrimento do dia a dia não era suficiente para fazê-los esquecer sua origem, seu país.

Porém, sabiam da quase impossibilidade de retorno ao lar, às vezes só concretizada após sua morte, segundo suas crenças. De maneira expressiva, os africanos se incorporaram à identidade carioca formando “novas nações”, comunidades estrangeiras onde os escravos eram forçados a abandonar suas raízes e se habituarem a uma dura realidade. O desafio portanto, era compartilhar, de maneira deficiente, os escassos valores em comum naquela sociedade. Essa dificuldade é explicada pela origem daqueles escravos; a maioria era do centro- Oeste africano.

Durante séculos os povos da África Central tinham lidado com a diversidade étnica, desenvolvido tradições religiosas comuns e compartilhado formas culturais; essas habilidades, eles a transmitiram para o Brasil, onde utilizaram indiscutivelmente técnicas similares para lidar com a diversidade cultural. (A vida dos escravos no Rio de janeiro, p. 36)

Se observa a partir disso, a expressividade cultural de um povo habituado a lutar por seus valores. Mostra habilidade no dividir saberes adquiridos de seus antepassados. Os valores espirituais ajudaram muitas vezes os escravos a enfrentar o jugo cruel e desigual imputado pelos senhores. Não se pode obliterar a grande massa de escravos no Rio de janeiro na primeira metade do século XIX, por tal razão, o grande envolvimento dos habitantes desta cidade, com os padrões africanos culturalmente expandidos.

Por outro lado, ao chegarem aqui, se depararam com condições adversas. A imagem de um belo lugar para se viver era automaticamente destruída. Uma cidade de muros onde a liberdade era algo impensável. Como poderiam encarar tal flagelo? Cantando suas canções. Um povo estigmatizado, porém com garra, a fim de superar seus próprios limites. Esse é o povo africano.

2- A influência no vocábulo português

A influência no léxico é vasta e pode-se salientar várias palavras ou expressões que vão de nomes geográficos: Bangu, Cachambu, Guandu, Quilombo e até alguns adjetivos: caçula, macambúzio, mazanga, e verbos formados de nomes adicionados ao idioma: aquilombar, banzar, batucar, cochilar, xingar. Há ainda, palavras afro-negras conhecidas e faladas pelo brasileiro originando palavras compostas e derivadas: angu-de-caroço, pé-de-moleque, azeite-de-dendê, banzeiro, congada, quiabal, molecagem.

Uma curiosidade interessante se percebe na fala popular, no mecanismo usado na comunicação. As mães-pretas, mucamas, os moleques e os escravos do eito, podem ter sido responsáveis pela redução do sistema verbal e da aversão por parte deles ao plural, cuja característica está na conjugação e na flexão nominal do português plebeu brasileiro, como nos exemplos: “os homi chegou”, “saiu treis minina”, “nois tudo vai cai no samba inté amanhecê.” E mais: amô, jorná, papé, fio (filho), mió, muié, manginá(margina), quano, andamo, caindo, cunzinhá, etc.

Houve em tudo isso, a transmissão da língua entre os negros no Brasil por via oral, por essa razão, há escassez de material escrito para estudos mais aprofundados, mas sem dúvida, o povo negro incorporou língua e costumes que fizeram toda a diferença na América. A língua culta não era muito utilizada e havia forte influência indígena e africana vinda dos escravos. As línguas conhecidas como “línguas gerais”, eram formadas pelo Tupi e o guarani falada pelos jesuítas e também da Costa da Mina, também falada pelos escravos e lá originados.

Mesmo com tantas características presentes no português, ações deletérias tentavam destruir o orgulho africano na conservação de sua língua. Na tentativa de manterem vivos seus costumes, quando se encontravam em ruas e mercados, os escravos conversavam em sua língua materna.

Outros preferiam trabalhar, praticar seus cultos em seu próprio idioma, mostrando assim que, embora fisicamente longe de sua pátria, seus corações continuavam ligados ao lar de seus ancestrais. Por meios violentos, muitos eram forçados a falar o português pelo menos sofrivelmente. A única forma mais eficiente de se aprender o idioma era ensiná-la aos menores. A consequência do aprendizado dos jovens da língua portuguesa era a fluência adquirida por eles que podiam se passar por crioulos.

Há a partir de então, uma vantagem desses escravos: isso poderia ajudá-los a conseguir a liberdade. Alguns por dominarem o idioma português, a usavam de forma privilegiada a fim de conseguir mobilidade e futuramente, sua alforria. Os demais escravos falavam uma língua mista que combinassem tradições linguísticas. Eles alteravam o idioma, em especial os de Caçange, a elite alfabetizada do Brasil, satirizava usando padrões europeus nos escritos da época. Segue-se parte da sátira que expressa talvez o português usado pelos negros, no exemplo do acendedor de lampiões.

Branco: Oh, pai, por que razão/ Não se acende o lampião?

Preto: Ió está superando/O Feitô sinhô João (...)

Branco: Pois sem dar as oito horas/Não se acende o lampião?!

Preto: Não acende, não, sinhô, /Zete no chega, não.

Essa característica demonstra a versatilidade dos escravos no uso do idioma, podendo passar até como ignorantes na sua totalidade, mas na realidade, muitos escravos libertos sabiam falar muito bem o português culto, inclusive havia mulheres alfabetizadas que assinavam sues nomes nos documentos de época. Tal aspecto, aliás, é difícil de se explicar, porque as mulheres eram sempre as mais marginalizadas.

Então surgiria a pergunta: como os escravos aprendiam a ler e a escrever? Um ponto a se considerar é que eles levavam as crianças, filhas de seus senhores, à escola quando aprendiam ouvindo as lições. Vê-se então a inteligência e a autoaprendizagem praticada pelos escravos. Um grupo que talvez instruísse os mesmos na leitura e na escrita era o dos senhores, que os queriam alfabetizados para posterior emprego. Essa habilidade era largamente anunciada com orgulho em jornais, pelos senhores.

Já a partir desse contexto, ocorre o avanço da população negra em outros segmentos da sociedade, participando ativamente junto a outras profissões.

3- os negros e o contexto sócio-político

Impensável parece ser um negro assumir algum papel de liderança numa sociedade racista. Na África os escravos exerciam poder de decisão política quando ocupavam cargos de chefia em instituições e governos, mas, no Brasil, isso era impraticável. Mesmo libertos, não podiam ocupar setores políticos, mas a generalização não significava que não houvesse interesses para facilitar o acesso dos negros aos setores públicos, pois havia a prática do clientelismo, uma espécie de disputa do escravo com o seu senhor apelando para alguém que tivesse um patrono que fosse cortesão, com acesso ao imperador, para interceder em favor do escravo.

Além disso, os escravos eram usados pelos fazendeiros da região como assassinos de aluguel sob forma de tornar mais forte a influência política dos seus donos. Daí, sendo muitas decisões políticas tomadas fora do âmbito institucional formal, os escravos podiam opinar sobre algumas questões decisórias.

Por consequência poderiam ver seus descendentes desfrutarem de mobilidade política e social, nascidos livres e de cor clara e participantes dos cargos mais baixos do governo. Os escravos eram articulados e sabiam aprender com a prática pública dos brancos e terminavam por influenciar decisões, mesmo não tendo poder de voto. No entanto, eram pouquíssimos os negros bem sucedidos, sendo as barreiras duras demais para serem superadas.

Por outro lado, os escravos podiam acompanhar gente livre de cor exercendo posições de autoridade no âmbito religioso e com seus senhores. Com isso, eles não eram encarados como negros, pois haviam adquirido prestígio ante a sociedade e eram aceitos como membros de famílias proeminentes. A influência só aumentou depois do período da Regência (1831-1840), quando o número de homens de cor livres ocuparam os cargos políticos mais elevados.

A principal liderança da então formada Frente Negra brasileira foi Arlindo Veiga dos Santos. Sua função era possibilitar a participação dos negros na esfera pública, dividindo-se em duas frentes direita e esquerda, com seus respectivos representantes. Em 1936, a frente tornou-se partido político. Vale ressaltar, com esses dados, que a população negra era independente em suas ideias, manifestando sua discordância e reivindicando igualdade de direitos. Não se pode negligenciar que os africanos, mestiços, não desistiam com pressões impostas num Brasil escravista, pois enfrentavam e ainda enfrentam muitos obstáculos para alcançar a sonhada e justa igualdade. Hoje há políticos de prestígio que são afrodescendentes, lutando por melhores oportunidades aos negros. Porém, infelizmente, muitos prestam-se a criar feriados municipais, estaduais e federais para ensinarem uma suposta valorização da “raça” negra. Todos sabem que para se ter valor num país, os valores devem ir muito além de meras comemorações.

3- A religiosidade africana no Brasil

O Candomblé é uma das heranças fortes na cultura brasileira e os cultos afro têm sido cada vez mais difundidos. No folclore, há a presença da capoeira, usada anteriormente nas lutas entre os escravos e como forma de extravasar suas emoções.

Nos folguedos do “Rei congo”, nos ranchos do boi, nos sambas, na capoeira de que tanto se orgulhavam, nas pantonimas das “cheganças” ou do “Imperador Divino”, angolas, congos e cabindas dominavam.” (O Negro na Bahia. Um ensaio sobre a escravidão. p. 212,213)

Em vez de se fixarem a meros ritos religiosos europeus, nas missas com sermões longos, os bantos logo depois das procissões, seguiam em suas manifestações públicas, com danças, cânticos onde exaltavam sua identidade negra. Com certeza, quando os negros aqui chegaram, trouxeram junto muito mais que mão-de-obra, trabalho escravo, mas também o valor dos seus costumes, seus fortes laços familiares, sua alegria marcante, que ultrapassa todas as intempéries sociais impostas por organismos os quais deveriam apoiar medidas de valorização de sua cultura.

As cantigas cantadas pelos avós aos seus netos, mostram muito bem esse laço forte existente entre gerações. Mesmo com tanto valor intrínseco, alguns líderes usam os cultos afro para mascarar tendências ocidentais, transformando a religião africana em meio comercial lucrativo. Mas houve também resistências quanto à influência dos brancos na religião africana, como no caso do culto “gegê-nagô”, que mesmo sob chicotes dos senhores de engenho, não cederam às práticas católicas.

Ainda hoje, na Bahia, vários candomblés praticam ritos de origem subequatorial, dentre os quais se destacam o de Bernardinho, no Bate-folha, o de Ciriaco, na Boca do Rio, o de Maria Neném, também na boca do Rio. Disso é a amostra de quão forte é a influência religiosa, principalmente na Bahia, nas figuras presentes no Carnaval e demais expressões religiosas e artísticas.

O absurdo pelo qual era praticada a “conversão” dos negros, ia de encontro às suas convicções mais íntimas. Jamais poderiam aderir a algo contrário aos seus ritos. Ao fazê-lo, os escravos acreditavam não poderem mais utilizar seus poderes vindos dos “espíritos” e comendo sal, do qual se afastavam, perderiam o poder de “ficarem como um feiticeiro” e, consequentemente, não poderiam “voar de volta à África”. Além disso, eram obrigados a assumir nomes católicos coo forma de “apagar” suas memórias.(Isso ocorria geralmente na igreja da candelária no final da década de 1820). Essa prática vinha de uma lei colonial que exigia o batismo de novos negros chegados.

Eles também eram ensinados à exaustão. Trabalhavam durante o dia e rezavam à noite inteira, e com esse ritual nenhum negro poderia suportar, como uma vez disse um velho negro ensinado por uma senhora branca, de noventa anos.

Nos dias atuais, as religiões afro-brasileiras são muito diferentes das do início do século XIX, devendo-se isso pelo fato das “raízes” africanas serem mais próximas no convívio. E também pela mistura de grupos vindos da Europa e do resto do Brasil, especificamente, da Bahia. As negras também produziam amuletos de obi para manter o mal- olhado distante. Adivinhações eram igualmente praticadas por líderes inclusive. Atualmente, pelo que se percebe, são os búzios os responsáveis por prever o futuro, e muitos brancos recorrem a esse processo. Na umbanda do Rio de janeiro de hoje, Santo Antônio é Exu. Na umbanda de 1848, essa palavra existia em kimbundo e umbundo eu significa “a arte de curar”, adivinhar e induzir espíritos a praticar o bem ou o mal, crença vinda da África Central.

4- Diversidade cultural

Outra marca bastante significativa da presença do povo africano no Brasil é sua cultura amplamente presente, a mistura de “cores” vinda dos cruzamentos entre etnias. Muitos talentosos anônimos não puderam manifestar por vezes seus dotes artísticos em função dessa mistura. Somando-se à condição social que os negros e mestiços ocupavam na sociedade e até hoje ocupam em alguns setores, onde têm ainda julgadas suas potencialidades.

Porém, a história propiciou exemplos de várias personalidades que fizeram diferença na cultura nacional e no mundo. Dentre muitos se destacam: Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Laurindo Rabelo, Ferreira de Meneses e um dos maiores nomes da Literatura Brasileira: Machado de Assis.

O carnaval é visto como um espetáculo destinado à diversão de turistas vindos de vários lugares do Brasil e do mundo, fugindo muitas vezes do verdadeiro significado dessa manifestação cultural. O samba é a história do povo, seus desejos expressos em suas letras críticas tornando-se sua identidade, de forma a caracterizar, por vezes de forma humorada, suas dificuldades cotidianas. Os principais ícones do carnaval do Rio de janeiro foram Hilário Jovino e Tia Ciata. O primeiro conduzia os ranchos, (grupos festeiros que, reeditando um costume português, se apresentavam durante as celebrações católicas, especialmente no Natal e no dia de Reis. Na Bahia do século XIX, cada rancho correspondia a um símbolo, porta-bandeira e mestre-sala que imitavam com suas coreografias, os passos de danças das elites.

Hilário tornou-se o principal criador e organizador dos ranchos da Saúde e mais tarde se fixaram na Cidade Nova em torno da Praça Onze para organização dos desfiles de carnaval. Observavam-se traços que vão muito além das festas populares, como é o caso das cozinhas africanas e de seu vestuário. Na África como no Rio, a função do preparo das refeições cabia às escravas. Os pratos conhecidos na culinária são o pirão e o angu e ainda a famosa moqueca, tudo regado à pimenta, condimento muito utilizado na cozinha brasileira.

Os escravos, tanto homens quanto mulheres, eram vaidosos com adereços de cunho religioso. Amuletos como dente de algum animal, confiscados pela polícia, por acharem se tratar de um objeto de “feitiço”, estrelas-de-davi crescentes, chaves e pombos. As escravas e libertas usavam brincos, às vezes semelhantes aos de suas senhoras, ora delicados, ora extravagantes. Se percebe a criatividade dos escravos, mostrando quando podiam, sua personalidade através de sua indumentária. Nisso se explica por vezes o lado versátil do povo brasileiro, em sua capacidade de adaptação às diferentes situações, especialmente do Rio, onde os modismos sempre começavam. Esse dinamismo cultural e histórico conceitua de forma inquestionável, a importância de um povo na construção étnica e ética de uma sociedade.

Considerações finais:

Toda transformação, ruptura de paradigmas deixa marcas, mas ao se levar em conta o avanço obtido por tal processo e incontestável. Cientes do papel que cada elemento dessa sociedade precisa ocupar nesta mudança, com pesquisas aprofundadas lideradas por pesquisadores comprometidos com a divulgação da cultura negra e seu legado social, a mentalidade irá modificar-se no âmbito das relações entre pessoas de diferentes segmentos, religiões, classes e etnias.

Valorizar as raízes africanas faz com que o povo encare a mestiçagem como algo valioso na formação cultural de um país. Só se consegue construir um futuro quando se entende e se resgata o passado.

Referências Bibliográficas:

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SILVEIRA, Maria Helena Vargas da. Negrada. Grupo Editorial Rainha Ginga, RS, 1995.

MartaPoetisa
Enviado por MartaPoetisa em 27/11/2014
Reeditado em 22/01/2017
Código do texto: T5050341
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