A ESCOLA COM MEDO

A ESCOLA COM MEDO

A violência, que outrora não ocorria, ou raramente tinha lugar, envolvendo alunos, pais e professores, passou a ocupar, com frequência, relevantes espaços em nossos veículos de comunicação. Permitem-se retratar conflitantes relacionamentos, havidos dentro e fora da sala de aula. O procedimento, sem contestação, não nos permite que fiquemos alheios ou indiferentes, até porque não se restringe a uma faixa ou segmento, a uma cor ou raça, a este ou àquele sexo. Pelo contrário, abarca, indistintamente, discentes e docentes do estádio fundamental ao universitário.

Perguntemo-nos. A violência não se faz presente nas praças de esportes, envolvendo atletas e obstinadas torcidas? A aspereza verbal não se manifesta nas câmaras políticas, aportando até mesmo nos Supremos Tribunais? Universitários veteranos não se regalam com trotes animalescos que humilham, deformam, mutilam, aleijam, ferem e matam? A inabilidade não transita impunemente, ceifando sonhos, dizimando vidas. A brutalidade não assoma em relacionamentos conjugais, chegando, não raras vezes a óbitos crudelíssimos? As ‘tribos’ e as maltas não se guerreiam ao embalo de acordes frenéticos? Fanáticos, em nome do mesmo deus, não se exterminam defendendo a paz? A mansidão dos campos não cede lugar a foices, gadanhas e barracas que demarcam novos limites?

Como poderia a escola ficar imune, sem respingos dessa borrasca lúgubre e aterradora? Quem são os guardiões do templo? Onde estão os monges que velam as piras e altares? Podemos cerrar os olhos, selar os lábios, lacrar os ouvidos e dar as costas à violência que nos cerca? Nossas leis, na mor parte, não beneficiam os infratores?

Entretanto, não é porque a violência adentra nosso refúgio, senta-se à nossa mesa, cientifica-se de nossas fraquezas e abriga-se em nossa cama que devemos, pacientemente, albergá-la. Não permitamos que ela seque nossas lágrimas.

De ingênuas e astutas peraltices chegamos ao desrespeito. Pequenas violações à disciplina ou à ordem transformaram-se em mazorcas ou tumultos. O infrator não aceita censura, mesmo que em particular, e a revida com agressão, não raro com insultos ou investidas corporais. Alunos e professores arrogam-se os mesmos direitos. E os têm, respeitados os limites. Quem os define? Regulamentos, autoridades, bom senso, consciência? Quem os cumpre?

Bolas de papel deram lugar ao arremesso de celulares, apagadores, cadernos, classes e cadeiras. Os educadores liberais defenderão a mudança dos ‘tempos’. Sim, e como mudaram! Saudosamente, ficou no passado a reverência aos professores como segundos pais. Lastimavelmente, crê-se que cabe à escola e, por extensão a todos os professores, não apenas transmitir conhecimentos, como também assumir funções disciplinadoras. Um fato é zelar pela preservação de atos e atitudes comportamentais, condizentes com as normas de cidadania e preservação dos bons costumes. Outro, bem distinto, é assumir funções e responsabilidades corretivas, punitivas e admoestadoras. A autoridade é impelida a fugir pelos seus dedos.

Alunos se agridem. Alunos insultam professores. Responsáveis ofendem professores. Professores se atritam. Professores insultam os responsáveis. Professores usam violência aos alunos. Enquanto isso, quem detém a autoridade para agir – contempla, cala, omite-se, assiste ao desfile dos comboios, lava as mãos, aplaude a banda passar. O importante é que sejam preservados, não interessando a que preço, os direitos humanos. Temor e respeito jorram pela mesma fonte.

Tempos houve, em que a alusão provável a dialogar com os responsáveis, não só preocupava, assim como era suficiente para arrefecer ou eliminar desvios de conduta. A convocação perdeu a eficácia: responsáveis não comparecem, ou se o fazem mostram-se inabilitados.

Hodiernamente, carregamos cicatrizes não somente físicas, as morais, apenas perceptíveis aos idealistas, fragilizam os ânimos, desacreditam a fé, tolhem as iniciativas, incitam a indiferença, embaçam a visão, retesam os cordéis de marionetes, invitam-nos ao comodismo, imergem-nos na apatia.

Contudo, mesmo ante as rajadas da procela, o verdadeiro educador é persistente. É eleito, é escolhido, é predestinado, é vocacionado. Não pode esmorecer, nem deve abdicar dos princípios que enobrecem o seu sacerdócio. Sua valorização, nem sempre reconhecida, não decorre apenas do que ganha como paga ao seu mister. Não se consolida tão-somente com elogios, placas comemorativas ou nominações de bibliotecas, pavilhões ou laboratórios. Ela transcende os bens materiais. Ela está na alegria de quem assina, pela vez primeira, o nome. Ela se encontra nas mãos que salvam, que protegem, que legislam, que executam, que auscultam, que pesquisam, que regem, que assinam, que conduzem, que semeiam sonhos e colhem realizações.

Se somos o leito, a assegurar um ensino de qualidade, formando cidadãos críticos, capazes de contribuir para o crescimento de nossa comunidade, não poderemos fazê-lo sob tetos e paredes em ruínas. Não o conseguiremos a alunos cuja merenda escolar foi desviada. Não o teremos com profissionais desmotivados e incompetentes. Não alcançaremos sem a colaboração dos pais ou responsáveis, e principalmente, com a violência adentrando nossos pátios e corredores.

Jorge Moraes – jorgemoraes_pel@hotmail.com - novembro 2014