Violência escolar ou a violência nossa de cada dia
 
Por: Valdeck Almeida de Jesus *

Num conceito dicionarista a violência seria ato contrário à razão, resultado do emprego da força para resolver um conflito. Pensando mais amplamente, pode se traduzir como qualquer ato, pensamento, omissão que possa prejudicar física ou psicologicamente. Podemos pensar que uma educação tecnicista também é uma forma de violência quando não forma cidadãos e sim, apenas, mão de obra para o mercado de trabalho, onde não terá espaço para todos. Essa é uma das primeiras violências praticadas pelo Estado; outro tipo de violência fomentada pelo Estado são as políticas voltadas para dinamizar o desenvolvimento econômico, dissociado do desenvolvimento de políticas públicas inclusivas, que abracem as necessitadas humanas básicas como alimentação, segurança, saúde, habitação, educação e mais elaboradas como arte, lazer, reflexão, pesquisa, cidadania e pensamento crítico.

Antes da violência escolar propriamente dita se estabelecer, ela começa no seu entorno através da falta de moradia decente, falta de acompanhamento pelos pais, tráfico de drogas, violência no trânsito, alimentação de baixa qualidade ou em quantidades insuficientes, serviço médico que não alcança a todos, saneamento básico precário etc. A escola é apenas uma parte do grande mosaico social. No ambiente escolar o que pode ampliar os casos de violência é a falta de equipes capacitadas para lidar com conflitos, pouca clareza entre os papeis da escola e da família na educação, preocupação excessiva com os conteúdos curriculares nem sempre atrelados à realidade dos estudantes, estresse e desgaste dos profissionais devido à falta de incentivo. Arte e cultura poderiam ser utilizados como ferramentas pedagógicas, de integração entre alunados e comunidade em geral, bem como para estimular maior participação das famílias nas atividades escolares.

A escola como instituição do Estado pratica a violência na forma como obriga aos estudantes a adotarem o pensamento do dominador. Segundo Charlot,

“A violência da escola se caracteriza na violência institucional, simbólica, que os próprios jovens suportam através da maneira como a instituição e seus agentes os tratam (modos de composição das classes, de atribuição de notas, de orientação, palavras desdenhosas dos adultos, atos considerados pelos alunos como injustos e racistas. (CHARLOT, 2002, p. 435)

A violência simbólica, cujo termo foi cunhado pelo francês Pierre Bourdieu (2007), define como a classe dominante economicamente impõe sua cultura aos dominados. Na escola a violência simbólica é a forma como se submete alunados e se mantém o poder do professor e diretor. Para Abramavoy e Rua:

“A violência simbólica é mais difícil de ser percebida do que a violência física, porque é exercida pela sociedade quando esta não é capaz de encaminhar seus jovens ao mercado de tralho, quando não lhes oferece oportunidade para o desenvolvimento da criatividade e de atividades de lazer; quando as escolas impõem conteúdos distintos dos interesses e de significado para a vida dos alunos; ou quando os professores se recusam a proporcionar explicações suficientes, abandonando os estudantes à sua própria sorte desvalorizando-os com palavras e atitudes de desmerecimento. (ABRAMAVOY; RUA, 2002, p.335)

Além dessa violência no lapidar pessoas, a escola também é pólo emissor e receptor da violência em geral, pois ela não é uma ilha isolada, não é um paraíso onde as coisas acontecem de forma estanque. Professores, estudantes, funcionários diversos, pais de estudantes, pessoas da comunidade ou frequentam ou passam perto da instituição escolar, havendo sempre trocas, intercâmbios de ações, de vivências.

“Pode-se sugerir que os fatores externos referem-se às explicações de ordem sócio-econômicas, ao agravamento das exclusões sociais, racismo e de gênero. À perda referencial entre os jovens, ao surgimento de “galeras, gangues”, tráfico de drogas; destruição familiar, etc, a perda dos espaços de sociabilidade” (ABRAMOVAY, 2004, p.32).

Toda essa gama de circunstâncias pode resultar em baixo rendimento escolar e falta de interesse dos educandos pela escola, evoluindo para o fracasso escolar, contribuindo para o aumento da exclusão social e mais violência como depredação, invasão e roubo, agressões diversas ao patrimônio material e ao quadro de professores e funcionários.

Combate à violência
A cultura da não-violência não nega o emprego da força para a resolução de conflitos. Para combatermos a violência nas escolas, ou a violência generalizada na sociedade, é necessário travar uma guerra, uma batalha diária. E a educação em certa medida é um método de violência, quando não reconhece o indivíduo com seu potencial, plenamente portador de conhecimentos e experiências, quando “socializa”, proibindo que a pessoa aja do jeito que quiser na hora que desejar.

“Os atos praticados no interior da escola que atinge o indivíduo em suas dimensões – física, moral e pública são denominados pela expressão “violência escolar” (ABRAMOV, 2004, p. 29)

“A maior violência exercida pela escola é quando ela usa de seu poder sobre as crianças e jovens para impedi-los de pensar e se expressar suas capacidades e os leva a tornar meros reprodutores do conhecimento” (BOK, FURTADO, TEIXEIRA, 2002, p. 355)

As políticas públicas para contenção da violência devem abranger não só a repressão, mas, principalmente, a prevenção e a aproximação da polícia e dos gestores escolares, em discussões acerca de ações preventivas, coparticipação nas decisões e estratégias a serem tomadas em relação à violência à violência global e suas repercussões na escola.

A falta de segurança na escola fragiliza o processo educativo, tornando‑a um lugar não propício ao aprendizado, o que pode aumentar a repetência e justificar a ausência do alunado às atividades escolares. Tudo isso compromete o sistema escolar.

Repensar o papel da escola e da família é necessário, na tentativa não de viver um tempo nostálgico, mas de colocar o ser humano no lugar dele: no centro das atenções. O mercado tem que ser secundário. Em primeiro lugar devem vir as emoções, o bem estar, a ressignificação da vida, valorização das relações afetivas intra e extra familiar, englobando as instituições como a escola.

Artigo apresentado no I Simpósio sobre Violência Escolar e Integração Social de Santo Amaro, promovido pelo Conselho de Segurança Pública de Santo Amaro-BA, dia 30 de setembro de 2014, no Teatro Dona Canô, com os palestrantes Dr. Paulo João S. Schoucair (Promotor de Justiça de Santo Amaro) e Profa. Dra. Karen Sasaki (Coordenadora dos cursos EAD do Pólo Santo Amaro da Unijorge), em Santo Amaro-BA.

* Valdeck Almeida de Jesus é escritor, poeta e jornalista, autor de 15 livros e coautor de 105 antologias. Membro de academias de letras no Brasil e no exterior. Filiado à União Brasileira de Escritores (UBE) e União Baiana de Escritores (Ubesc). Conselheiro do Conselho Diretivo do Plano do Livro, da Leitura e da Biblioteca do Município do Salvador. É Presidente do Colegiado Setorial de Literatura do Estado da Bahia (Biênio 2013/2014).

REFERÊNCIAS:
ABRAMOVAY, Miriam. Escolar Inovadoras: Experiências bem sucedidas em escolas Públicas/Miriam Abramovay et al –Brasília: Unesco, Ministério da Educação, 2004.
ABRAMOVAY, Miriam. RUA, Maria das Graças. Violência nas Escolas. Brasília: UNESCO, 2002.
BOK, Ana Mercedes Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lurdes Trassi. Psicologias – uma introdução ao Estudo de Psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 11. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
CHARLOT, Bernard. A violência na escola. Como os sociólogos abordam essa questão. Disponível em: http://www.scielo.br>. Acesso em setembro de 2014.
CHECA, Meire Pereira. Violência Escolar: tipificação das violências. Salvador: UNEB, s/d.

 
Valdeck Almeida de Jesus
Enviado por Valdeck Almeida de Jesus em 01/10/2014
Reeditado em 01/10/2014
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