A GRAMÁTICA E SEUS VÁRIOS SENTIDOS: UMA REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
A GRAMÁTICA E SEUS VÁRIOS SENTIDOS: UMA REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
IRARÁ - BA
2014
GABRIELA MAIA DE CERQUEIRA
GENILSON DE SANTANA PEREIRA
ANA MARIA PORTELA SANTOS
GRAMÁTICA E SEUS VÁRIOS SENTIDOS: UMA REFLEXÃO SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA
IRARÁ - BA
2014
RESUMO
O presente artigo busca refletir sobre o ensino da Língua Portuguesa focando a gramática normativa. Para tanto, serão assinaladas algumas concepções de gramática e reflexões sobre o ensino da língua. Portanto, faz-se necessário o uso de métodos que proporcione o contato com as diversas situações de uso da linguagem, pois todos possuem a competência lingüística inata.
PALAVRAS - CHAVE: gramática normativa - concepção de gramática - competência linguística.
ABSTRACT
This article reflects about the Portuguese teaching that emphasizes the normative grammar. For this, will be marked some grammar conceptions and some reflections about the language teaching. Therefore, it`s necessary uses methods that provides the contact with many situations of language use, so everybody has the innate linguistic competence .
KEY-WORDS: normative grammar, grammar conception and linguistic competence.
1 INTRODUÇÃO
A cada dia que passa se avolumam as queixas no que se refere ao ensino de Língua Portuguesa em nossas escolas. Infelizmente, as estratégias adotadas não vêm dando conta de muitos fatos da língua, não vem cumprindo com suas metas. Espera-se que no processo de ensino e aprendizagem o aluno amplie o seu domínio ativo do discurso nas diversas situações de uso da linguagem, nas diversas situações comunicativas e isso não vem acontecendo. A que se deve tal situação?
A concepção do ensino de Língua Portuguesa que vigora na maioria das nossas escolas abarca este ensino sob bases do conserto da língua do aluno, considerando aí um deficiente linguístico, além do ensino acrítico da nomenclatura gramatical e os exercícios mecânicos de aplicação dela. Em síntese, centra-se o ensino da língua no estudo da gramática como se a mesma representasse a própria língua. Por conta desta crença tendemos a achar que poucos são os falantes que conhecem a língua. Estará de fato o conhecimento linguístico pautado apenas no conhecimento de regras definidas? Sem dúvida, não.
Quando a criança entra na escola já domina a língua, já a utiliza nas mais diversas situações de comunicação, ao interagir com os outros. A tarefa da escola é ampliar a competência comunicativa do aluno, a partir das mais variadas atividades com a língua. Portanto, essa competência não tem sido garantida.
Diante dessa constatação, o presente artigo busca tecer uma crítica a respeito do ensino de língua pautado apenas no uso da gramática normativa sem considerar a descritiva e a internalizada. A primeira reporta-se a um conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever, estabelecidas pelos especialistas com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores. Já a descritiva, segundo FRANCHI apud Travaglia (2003, p.27) gramática nessa concepção “é um sistema de noções mediante as quais se descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua uma descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do que não é gramatical”. A terceira concepção de gramática é aquela que, considera o conjunto de regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar. Nesse caso, saber gramática não depende, pois, em princípio de escolarização, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemático.
Como afirma ANTUNES apud Bagno (2003) uma língua é atividade interacional, que mobiliza dois ou mais sujeitos, em torno de um mesmo objetivo e numa atitude de mútua colaboração. Na verdade somos seres diferentes, vivemos em meios diferentes, cada um possui o seu jeito, portanto apresentamos diferenças e essas também estão associadas a nossa língua, a nossa maneira de falar, de se expressar. Não cabe à gramática podar essa riqueza, essa diferença em favor dum padrão que na verdade deve ser encarado como mais uma das variações da língua e não como um meio de exclusão. Portanto temos que ver o ensino de língua como um grande processo de ampliação dos conhecimentos dos educandos, sendo talvez o como fazer, o grande desafio que nos circunda.
À escola cabe ensinar aos alunos uma norma que deverá ser usada como uma arma de luta, para tanto (esta norma) não precisa silenciar todas as outras variações em detrimento de uma norma padrão. O estudo linguístico, além de permitir o acesso à expressão, à compreensão e à explicação do comportamento das pessoas no ato da comunicação, deve garantir ao aluno um domínio da língua oral e escrita que o conduzirá a uma participação social efetiva e eficaz, dando-lhe êxito nas suas interações com as pessoas e com o mundo. Afinal “a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos.” PCN (1998, p.21)
2 A GRAMÁTICA E SUAS ABORDAGENS
Provavelmente, muitos de nós já ouvimos falar de Gramática, principalmente da gramática que é utilizada nas escolas para o ensino da Norma Padrão do Português. Mas o que é mesmo gramática? Que gramáticas existem? Quais são as mais usuais? A maneira como elas aparecem nas escolas têm contribuído para o ensino da língua, têm ajudado os educandos a usar efetivamente o seu potencial linguístico, ou tem bloqueado a liberdade de expressão destes?
A definição de gramática é controversa, nem todos os que se dedicam ao estudo desse aspecto das línguas a definem da mesma maneira. São muitas as respostas dadas quando o que está em questão é a concepção de gramática. Dentre elas podemos citar: “é um livro onde se aprende a falar corretamente”, “são regras que ensinam a falar e escrever corretamente”, “conjunto sistemático de normas para bem falar e escrever estabelecidas pelos especialistas, com base no uso da língua consagrado pelos bons escritores”,“sistema de noções mediante as quais se descrevem os fatos de uma língua, permitindo associar a cada expressão dessa língua uma descrição estrutural e estabelecer suas regras de uso, de modo a separar o que é gramatical do que não é gramatical”.
Sem dúvida as concepções acima nos apontam dois diferentes tipos de gramática. Uma que visualiza a língua apenas como a variedade padrão, baseada nos escritores e aquela que procura descrever as regras utilizadas pelos falantes da língua no processo de comunicação.
Segundo Travaglia (2003), a língua pode ser descrita em vários tipos de gramática, contudo há três tipos mais usuais:
Gramática normativa - é “um manual com regras de bom uso da língua”. Dizer que alguém, nesse sentido, sabe gramática, significa dizer que a pessoa conhece essas regras e as domina. A gramática normativa só considera correta a norma culta da língua e, tudo o que estiver fora dessa norma é considerado erro (agramatical).
Gramática descritiva – é descrição de como a língua funciona, do conjunto de regras que são usadas pelos falantes. Ao contrário da normativa, a gramática descritiva leva em consideração (considera gramatical) tudo aquilo que possa estabelecer uma comunicação, de acordo com determinada variedade linguística, ou seja, tudo o que está incluído no sistema.
Gramática internalizada – é a gramática que “corresponde ao saber linguístico que o falante de uma língua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua própria dotação genética humana (...) natureza social e antropológica”. Para esse tipo de gramática não existe livro, sem ter erro linguístico, são as regras da língua inerentes ao homem, a qual ele recebe assim que entra em contato com uma comunidade falante.
2.1 GRAMÁTICA NORMATIVA E O ENSINO PRESCRITIVO
A gramática normativa tem como função prescrever o que se deve ou não usar na língua. Segundo Bechara (2006, p.52) sua finalidade não é científica e sim pedagógica, já que elenca os fatos recomendados como modelares da exemplaridade idiomática para serem utilizados em circunstâncias especiais do convívio social, ou seja, recomenda como se deve falar e escrever segundo o uso e a autoridade dos escritores corretos e dos gramáticos e dicionaristas esclarecidos em circunstâncias especiais do convívio social.
A gramática normativa tem sofrido muita crítica por parte dos linguistas. A crítica é tão grande que esses especialistas chegam muitas vezes a ser mal interpretados. São vistos como “antigramáticos”, como se fossem contra o ensino da mencionada obra nas escolas, o que não é verdade. O que há de errado com a gramática, segundo os linguistas, é a forma como ela é elaborada e consequentemente ensinada. Para Perini (2002, p.22) são arcaicas, tanto na descrição que oferecem quanto nas teorias em que se baseiam. Em seu livro Sofrendo a Gramática (2002, p. 49) Perini chega a explicitar os três grandes defeitos trazidos pelas gramáticas: objetivos mal colocados, metodologia inadequada e falta de organização lógica. São muitos defeitos quando se sabe que se trata de um manual que acompanha toda a vida escolar do aluno e que se dispõe a ensinar a falar e a escrever corretamente. Por conta de tanto equívoco, a gramática normativa é sempre estudada e nunca aprendida, tornando-se um livro odiado.
Para modificar tal realidade o ensino da Língua Portuguesa não pode ser pautado pelo ensino prescritivo privilegiando a gramática normativa, porém isso não significa que ela não tenha qualquer lugar no ensino da língua. Auxiliar nosso aluno a desenvolver a competência para o uso da língua nas mais diversas situações sociais, inclusive a que exige a modalidade escrita e da norma culta é um dos principais objetivos da Língua Portuguesa e para contemplá-lo, a gramática normativa não pode ser descartada. No momento em que for oferecido aos alunos situações formais de uso da língua, as regras da norma culta terão validade. Quando trabalha ortografia a prescrição tem sentido o que não vale é considerar uma norma, a culta.
2.2 GRAMÁTICA DESCRITIVA E O ENSINO REFLEXIVO
A gramática descritiva surgiu a partir da evolução do estudo da linguística, área em grande desenvolvimento desde a década de 60. Como o próprio nome já diz, o seu principal papel é descrever a forma e o funcionamento da língua. Como se trata de uma concepção abordada por especialistas da área houve uma preocupação em desenvolver um material melhor elaborado, com maior rigor científico para o ensino e compreensão da língua.
Segundo Travaglia (2003, p. 27) para essa concepção a gramática seria um conjunto de regras que os cientistas encontram nos dados após fazer análise com base em determinadas teorias e métodos. O que quer dizer que as regras, por sua vez, seriam utilizadas na construção de enunciados reais produzidos pelos seus falantes. Isso somente após fazer a análise da língua e verificar os principais fatores e em que circunstâncias deverão utilizar essas regras, levando em conta os elementos gramaticais e não gramaticais da língua. Os elementos gramaticais serão os que estiverem de acordo com as regras estabelecidas pela língua.
Ao contrário da Gramática Normativa, a descritiva tem como função descrever e registrar as variedades da língua, em um dado momento de sua existência, estudando os seus mecanismos, construindo hipóteses que expliquem seu funcionamento.
Percebe-se assim que a gramática descritiva procura descrever o uso de regras da língua e busca razões para esses usos, sem a preocupação de rotular os empregos sem certos e errados. Isso ocorre porque esta gramática tem interesse especial, embora não exclusivo, pela língua na sua forma natural, a modalidade oral, uma que vez que ela é em princípio usada por todos os falantes. Já com relação à norma padrão ou culta não existe interesse exclusivo, pois a mesma não é utilizada por todos os falantes. Pelos mesmos motivos, a gramática descritiva não observa especificamente a linguagem literária por sua própria possibilidade de infringir regras e criar formas estéticas únicas.
Pode-se dizer que a gramática descritiva é muito mais acionada pelo falante do que podemos imaginar. Na realidade, somos todos, em alguma medida, tocados pelo mistério e poder da linguagem, por isso este ensino deve ser priorizado nas aulas de Língua Portuguesa levando-se em conta os fatos da língua que são significativos e podem realmente auxiliar o aluno na ampliação dos seus recursos linguísticos; em outras palavras, aumentar sua competência discursiva.
O ensino dela é a base de um tipo de estudo da língua que alguns chamam de reflexivo. Este estudo é quase sempre um desdobramento natural de um bom ensino produtivo da língua. Muito raramente, o ensino produtivo não implica algum tipo de questionamento e de reflexão. Bons exemplos desses trabalhos são os estudos de interpretação e o de reescrita da própria produção. A chamada “refacção de textos” é, sem dúvida, um momento de reflexão sobre as escolhas feitas e as possibilidades de melhor expressão. Nesses casos, trata-se de estudar as possibilidades linguísticas mais adequadas a determinado momento de comunicação, e não de rotular fórmulas certas ou erradas.
2.3 A GRAMÁTICA INTERNALIZADA E O ENSINO PRODUTIVO
A gramática internalizada é vista como conjunto de regras que o falante da língua domina. O conhecimento natural que o falante possui em relação à língua lhe possibilita produzir frases ou sequências de palavras compreensíveis.
Os falantes de uma língua possuem a capacidade de se comunicarem adequando seus conhecimentos ao seu contexto social. Os mesmos possuem um complexo de regras gramáticas inatas, interiorizadas que lhes possibilitam o saber da língua nativa comprovando que todos têm competência linguística e expressam-na de acordo com o meio social em que convivem, ou seja, todos possuem uma gramática internalizada. Como aponta Antunes:
“Quando alguém é capaz de falar uma língua, é então capaz de usar, apropriadamente, as regras (fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas) dessa língua (além, é claro, de outras de natureza pragmática) na produção de textos interpretáveis e relevantes. Aprender uma língua é, portanto, adquirir, entre outras coisas, o conhecimento das regras da formação dos enunciados dessa língua. Quer dizer, não existe falante sem conhecimento de gramática”. (2003, p. 85-86)
Dentro de tal concepção, a gramática internalizada constitui a verdadeira gramática da língua, aquela que serve de base para as demais. Possui todas as regras básicas e necessárias para se estabelecer um ato comunicativo. Caso contrário o que seria dos analfabetos? E como se estabeleceria o ato comunicativo com as crianças?
Uma versão sobre a aquisição do conhecimento, em particular do conhecimento gramatical, diz que aprendemos por repetição. Simplificando, falamos o que falamos porque ouvimos. Ora, crianças tipicamente produzem pelo menos algumas formas que nunca ouvem consistentemente- podem até ouvi-las esporadicamente de outras crianças. (Possenti, 1996, p. 70-71).
Toda esta capacidade é o fruto de um conhecimento linguístico inato, característico de todos falantes de uma língua. Neste caso, “saber gramática” não depende, pois, em princípio de escolarização ou de qualquer processo de aprendizado sistemático, mas de ativação e de amadurecimento progressivo na própria atividade linguística.
Parece absurdo dizer que uma criança de 3 anos é capaz de “fazer análise sintática”. E o é se formos analisar pelo ponto de vista gramatical-racional-discursivo. A criança faz esta análise de maneira implícita, intuitiva desde o momento que consegue entender e estruturar frases seguindo os parâmetros gramaticais sem nunca ter estudado gramática. Dificilmente vemos uma criança estruturar uma frase de maneira incorreta elas falam: “eu comi pão” e “ não pão comi eu” ou seja, as mesmas já possuem um domínio interior de algumas regras gramaticais.
A linguagem repousa sobre uma estrutura inata, ativada pelo meio [social] num processo que é o da aquisição da linguagem. A linguagem aparece, como efeito,como aptidão própria da espécie humana [...]; essa aptidão repousa em bases biológicas [...], particularmente a localização da linguagem na parte posterior do hemisfério esquerdo do cérebro. (DUBOIS, 1998, p. 262-3)
Percebe-se que o aprendizado da língua se dá muito cedo e muito antes do ensino explicito da gramática. Daí percebe-se que ensinar gramática não é o mesmo que ensinar língua. Língua não se aprende através da gramática, desde muito cedo as crianças surpreendem falando muito além das frases. Sendo esta criatividade característica da gramática que a criança interioriza.
As aulas de linguagem, ou seja, de aprendizado da língua não deve ser treinamento forçado, carregamento de fora para dentro. Deve sim criar condições estimulantes para que os falantes de uma língua liberem suas capacidades criativas, expondo-os a vários modelos, dialetos e variações de uma língua, fazendo-os crescer linguisticamente sem necessidade alguma de decorar regras que apenas os confundem e tornam o processo de ensino ineficaz. As concepções gramaticais acima nos evidenciam bem que na maioria das nossas escolas a gramática que se faz presente é a normativa. Mas, infelizmente, essa gramática, como vem sendo ensinada, não tem dado conta dos fatos da língua que contribuem para a melhoria do processo de comunicação.
3 REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: REALIDADE E PERSPECTIVAS
A escola tem como objetivo ensinar a língua padrão, criando condições favoráveis para a utilização desta. Qualquer prática contrária explicita um grande preconceito no sentido de subestimar a capacidade de aprendizado dos alunos. Sendo que a maioria assume proporções bem mais elevadas, sendo estas de cunho social no sentido do não reconhecimento da heterogeneidade dialetal, pecando-se sim quando este ensino poda os valores culturais de uma sociedade e discrimina as suas diferenças, criando entre os membros desta um sentimento de intimidação.
O fracasso do ensino da língua padrão (gramática) atinge problemas de ordem social, política e pedagógica, sendo que alguns desses problemas podem ser resolvidos na escola e outros não. A escola deve sugerir aos seus professores que as aulas não sejam apenas treinamentos forçados maçantes, mas que as mesmas deem condições de criação para que as crianças liberem as suas capacidades pois as mesmas conhecem da língua muito mais do que aprendem. E língua não se aprende com estratégias. Deve-se exercitar o aluno a exercitar-se e crescer linguisticamente sem necessidade alguma de regras que apenas servem para tornar o processo de ensino incapaz e frustrante.
No ensino da língua antes de tudo deve-se procurar perceber urgentemente para quem se dar aula e o que venha a ser uma língua e um ser humano. Tem-se que entender que as línguas não são uniformes, elas variam, não existe nenhuma sociedade ou comunidade que fale da mesma maneira. E toda variedade linguística existente é consequência da variedade social, ou seja, da diferença de status existente em todas as sociedades que consequentemente será refletida na língua. A profissão, a etnia, o espaço geográfico, a classe social, a idade e o sexo são os principais fatores que determinam as diferenças na fala das pessoas. Pessoas que possuem profissões diferentes falam de maneira diferente. Pessoas que moram em lugares diferentes têm características próprias do seu grupo e acabam falando de maneira diferente em relação a outro grupo. Assim vale também para o sexo, idade, etnia e classe social. Funcionando assim como identificador social.
Na verdade língua não se ensina, aprende-se. Todos os seres humanos aprendem a falar (exceto se tiver algum problema), com rapidez impressionante desde a primeira infância sem nunca se quer ter frequentado uma escola. Se formos analisar saber língua relacionando, a saber, gramática percebemos que as crianças contrariam a esta concepção, pois aprendem a língua muito antes de entrarem em contato com uma gramática propriamente dita.
A concepção tradicional do ensino de língua não mais condiz com a realidade atual. O que se procura neste momento não é ensinar “ uma língua” aos alunos, nem tão pouco mostrar que esta língua é estável e homogênea. O objetivo do ensino de Língua Portuguesa nesta contemporaneidade é também desenvolver habilidades de leitura e escrita e promover o reconhecimento daquilo que verdadeiramente existe, que são as variedades linguísticas. Através disso se tomaria a gramática normativa, juntamente com as outras: a descritiva e a internalizada, para tentar explicar os fatos linguísticos presentes que permeiam a realidade dos alunos.
Essa perspectiva interacionista, já abordada por muitos cientistas da linguagem, exige uma postura educacional diferente, pois coloca a linguagem como o lugar em que se deve privilegiar a interação humana, onde emissor e receptor se tornem sujeitos que criam e recriam, aquele momento, a realidade, demonstrando toda sua heterogeneidade. Daí, se representará uma sociedade e uma cultura diversificada, valorizando-se e admitindo-se a pluralidade em que permeia os aspectos da linguagem e da vida social.
É obvio que não adianta apenas conhecer uma nova concepção e metodologia do ensino de língua se não a colocarmos em prática. Mas isto é difícil, pois são muitos os empecilhos, entre eles, o sistema educacional que não é flexível com as inovações e a cobrança insistente de muitos pais para que o ensino de língua continue centrado no ensino apenas de regras gramaticais. Ainda há o fato do professor não poder mudar sua prática por mudar, pois sua postura pedagógica reflete a sua postura política, o que ele é, o que deseja e o que vai conseguir. Sempre se deve avaliar qual é o caminho que se deve seguir, tendo em mente algumas questões essenciais: “como?” “por quê?” e “para quê?”.Não se deve escolher uma prática qualquer de forma aleatória.
No dia em que as escolas se dessem conta de que estão ensinando aos alunos o que eles já sabem, e que é em grande parte por isso que falta tempo para ensinar o que eles não sabem, poderia ocorrer uma verdadeira revolução. Para verificar o quanto ensinamos coisas que os alunos já sabem, poderíamos fazer o seguinte teste: ouvir o que os alunos do primeiro ano dizem nos recreios (ou durante nossas aulas), para verificar se já sabem ou não fazer frases completas ( e então não precisariam fazer exercícios de completar), se já dizem ou não períodos compostos ( e não precisaríamos mais imaginar que temos que começar a ensiná-los a ler apenas com frases curtas e idiotas)[...] ( POSSENTI, 1996, p.32-33).
Espera-se que as mudanças aconteçam aos poucos, pois enquanto não nos dermos conta desses princípios tão óbvios, nossos alunos vão continuar dizendo que não sabem Língua Portuguesa, que a nossa língua é muito difícil, vão continuar sem se apaixonar pela língua, com dificuldades de leitura e produção de textos. Espera-se que os métodos educativos que existem sejam aperfeiçoados até chegar ao que se espera: um método que desenvolva, valorize e torne cada vez mais eficaz e criativo o uso da língua, permitindo que o aluno raciocine, leia o mundo e seja capaz de transformá-lo.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo exposto percebe-se que o ensino de regras gramaticais encontra-se defasado e carente de reformulações. A tentativa de ensinar línguas através da gramática já não obtém o êxito objetivado, pois este ensino restrito à nomenclatura não vem servindo para formar bons usuários da norma culta. Todo esforço feito no sentido dos alunos saberem de cor todas as regras gramaticais não está garantindo a competência linguística inerente ao desenvolvimento das práticas sociais, almejada pelos gramáticos desses falantes.
Percebemos que o tema em questão não requer a extinção da gramática, ele deixa evidente uma profunda preocupação com a mesma. A intenção da Linguística e dos linguísticos pesquisadores é chamar atenção para o que venha a ser gramática. E que saber uma gramática não significa saber de cor algumas regras que se aprende na escola ou saber fazer algumas análises sintáticas ou morfológicas. Saber gramática ultrapassa esse conhecimento, é o conhecimento intuitivo, necessário para falar efetivamente a língua. É saber dizer e entender frases. E a partir do momento que uma criança já sabe dizer e entender frases consequentemente já sabe gramática, pois, o seu conhecimento intuitivo lhe dá esta capacidade.
Embora pareça paradoxal não se pode negar a necessidade de uma unificação em meio a toda variabilidade existente e apesar da defasagem da gramática não se pode desprezá-la nem tão pouco deixar de evidenciar a sua importância e a grande contribuição que a mesma pode dar no processo de enriquecimento da língua. Desde quando não negue a realidade vivida pelos falantes. Caso contrário as variantes sem prestígio seriam estigmatizadas e funcionariam como espinhos no sentido de bloquear a ascensão socioeconômica.
Conclui-se que todos possuem competência linguística, possuem a sua gramática natural inata. O que precisam é estar expostos à sua língua, aos atos da fala. Que a metodologia aplicada e a falta de preparação de muitos professores são também determinantes para o fracasso do ensino gramatical. Muitos deles não conseguem estabelecer ou entender a diferença entre ensinar a língua e ensinar gramática e acabam caindo no erro de tentar resumir ensino da língua ao ensino da gramática. E a partir do momento que os professores entenderem que a língua está se transformando, sofrendo mudanças, que as crianças sabem muito mais do que o que lhes é ensinado e que a gramática é apenas uma parte de um todo, ou seja, uma parte da língua, contribuindo e muito para desfazer este mito tão presente nas salas de aula: que o português é difícil.
A gramática normativa gera nos alunos um sentimento de insegurança e de incapacidade. O que se requer são professores competentes, seguros, livres e muito bem informados do que ocorre de novo no campo das pesquisas da língua e linguagem para que junto com o aluno possa praticar língua viva que está em constante evolução com todos seus dialetos, neologismos, estrangeirismos e gírias.
REFERÊNCIAS
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BAGNO, M. Linguística da norma. 5 ed. São Paulo: Loyola, 2003.
BECHARA, E. Ensino da Gramática. Opressão? Liberdade?. 9 ed. São Paulo: Ática, 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa (Ensino de quinta a oitava séries).Brasília: MEC, 1998.
DUBOIS, J et AL. Dicionário de Linguistica. 3 ed. São Paulo: Cultrix, 1988.
PERINI, M. A. Sofrendo a Gramática. 3 ed. São Paulo: Ática, 2002.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. 8ed. São Paulo: Mercado das Letras, 1996.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2003.