Um pouco mais de desejo, de autoria, de pensamento: uma saída de emergência?
Prof. João Beauclair
 
A dúvida tem para o pensar
a mesma função
da falta para o desejo”.
Piera Aulagnier
 
Com o campo de movimentações que se abre a cada um de nós ao estudar e aprender sobre Psicopedagogia, uma questão logo nos é posta: como sair do lugar de alunos, onde sempre estivemos ao longo de nossas formações?      Lugar este onde, mesmo com todas as boas vontades de plantão, fomos e ainda somos, sujeitos passivos, nem sempre ouvintes atentos, por tantas vezes distraídos com outros temas, coisas outras, latentes em nosso viver.
Territórios do poder? Espaços de reprodução? Ou um tanto imenso de outros nomes que possamos dar a escola em todos os seus níveis de ensino?
     Acredito que a escola está longe de privilegiar a autoria.
     Porque tal crença?
     Para aprender, é preciso ensinar e as fronteiras entre uma coisa e outra são tênues fios flexíveis quando assim a elas podemos conceber.
         Tudo é exercício.
         O que eu vejo só eu vejo, pois não nos é possível ver o que o outro vê.
         Podemos partilhar ideários, sonhos utopias, movimentos, mas somos singulares, sujeitos de nossas próprias histórias e viventes de nossas próprias desventuras, venturas e aventuras.
         Podemos isto sim, partilhar vivências, saberes, medos, conquistas, sonhos, movimentos, mas jamais podemos viver o que os outros vivem. Somente podemos nos aproximar, ver pelos entremeios: podemos nos recusar as visões únicas, perfeitas, monocromáticas e normóticas?
         O que eu vejo, sinto, escuto e assimilo é o trânsito do meu sentipensar, é a observação subjetivante que se constrói a partir de minhas inteiras ações no mundo. O Desafio está em se permear com escutas e olhares mais sensíveis que nos aproximem do coração do outro, da vida do outro, mas que nunca a invada, subjugue ou desencante-a (De La Torre e Moraes, 2004).
     O Aprender, com todas as suas complexidades e contradições, emerge como expressão de nossas movimentações desejosas de mais e melhor Vida: não se condiciona a tão somente dar conta de conteúdos e currículos prontos, não está apenas situado no cumprir tarefas como imposições que se situam no longínquo dos nossos desejos.  
     Produzir nossas autorias de pensamento é estar em trânsito pelos espaços de produção de sentidos e significados que podem se presentificar em nossas aproximações com o conhecer. Conhecer que se complexifica à medida que desejo ser criativo, intenso, vivo, capaz, criança, poeta, pesquisador, andarilho, solitário, amigo, companheiro, responsável, motivado e motivador estimulante de outros sujeitos para caminhar por sendas parecidas.
         Se eu encontro significados e sentidos no que eu produzo, é o olhar do outro que confirma a abrangência e a validade do que faço, me fazendo reconhecer os espaços e tempos do meu próprio fazer, criando e recriando possibilidades de ser sujeito autor de minha trajetória (Beauclair, 2008a e 2008b).
         Nutrimos-nos e nos fertilizamos com este mover-se.
         Surge, assim, um espaço e um tempo singular, onde como ensinante sou aprendente e como aprendente, sou ensinante, prezando a abertura de espaços de diálogos, repletos de diferenças e diversidades que fomentam as possibilidades de construir, junto aos outros, um aprender prazeroso, participativo, rico e significativo (Beauclair, 2010).
         Este espaço e este tempo singulares se configuram como um mover-se por tantos fios que compõem a Teia da Vida, numa transição repleta de singulares vivências onde somos organismos e corpos, sujeitos de subjetividades e objetividades, desejosos de conhecimentos e desejos deste mesmo conhecer, num colocar-se, de modo permanente, entre nossas poucas certezas e nossas muitas dúvidas (Alves, 2006).
         Nas experiências do viver, atuando no campo do aprender e do ensinar, hoje sei ser essencial vincular a amorosidade e a afetividade, o lúdico e o cantante, o sujeito epistêmico e cognoscente em aproximações com o sujeito dos sonhos, dos desejos.
         Atuando no campo do aprender e do ensinar, nas experiências do viver, sei que somos sujeitos dos desejos dos outros e autores de nossas próprias vivências, forjadas na contínua história que vamos escrevendo em cada uma de nossas experiências, significadas e ressignificadas em nossas tantas movimentações pelos limites e pelas transgressões.
         Sermos autores de nossas movimentações em todo este processo exige de cada um de nós a compreensão de que somos limitados frente às demandas imensas de tantas outras ações no mundo, mas isso não nos impede de nos dedicar ao encontro com a alegria da autoria, partilhada mesmo em nossas constatações de tantas limitações e impossibilidades (Beauclair, 2009).
         Com a permanente busca pela teoria, ressignificamos o nosso caminhar, lutamos frente aos processos geradores de indiferenças e apatias e seguimos na proposição de construção de novos sentidos para o nosso fazer, o nosso agir e o nosso estar vivo no mundo (Beauclair, 2007).
         São as nossas impossibilidades os motores maiores para este seguir em frente, enredando-nos no pesquisar sobre nossas próprias práticas, criando e recriando modos novos de inventar, intervir e fomentar a autoria, de modo construtivo, relacional e transicional.
         Assim, nos cabe perceber que é nos lugares e tempos onde possuímos algum tipo de inserção que podemos semear possibilidades de compreensão novas sobre algumas de nossas dúvidas, ou sobre muitas de nossas certezas. Nossas dúvidas nutrem o nosso mover-se pelos fios do conhecimento, pelas metáforas presentes na imensa Teia da vida.
         Investigar é colocar-se em movimento de rever o que já conheço e buscar perspectivas novas para aquilo que desejo conhecer. Investigar é propor-se a caminhar pela procura de novas perguntas para antigas respostas, ainda, ousar novas respostas para antigas perguntas, num dialético processo de formular movimentações outras, percorrendo sendas diferentes das que nos acostumamos, de um modo bem cotidiano, a percorrer.
         Na compreensão do novo, ou na busca por sua compreensão, podemos avançar de alguns modos. Se os desafios novos se impõem como tal, façamos esforços para intervir de outros modos, exercendo nossas potencialidades de autoria nos capacitando, de modo permanente, para irmos além dos que nos é dado como verdade.
      Propormo-nos ao exercício cotidiano da autoria de nossos pensamentos favorece este movimento, impulsiona este avanço: se o pensar pode estar vinculado aos nossos desejos, nossos pensamentos podem nos fomentar construções novas a partir do que desejamos. Um pouco mais de desejo, de autoria, de pensamento: uma saída de emergência?
 
Bibliografia:
 
BEAUCLAIR, João. Quem aprende ensina. Quem ensina aprende. Contribuições reflexivas a partir da Psicopedagogia. Revista Direcional Educador, edição 61, São Paulo,  fevereiro/2010.
BEAUCLAIR, João. Educação & Psicopedagogia: aprender e ensinar nos movimentos de autoria. Pulso Editorial, São José dos Campos, São Paulo, 2007.
BEAUCLAIR, João. Dinâmica de Grupos: MOP Metodologia de Oficinas Psicossocioeducativas (uma introdução). Editora WAK, Rio de Janeiro, 2009.
BEAUCLAIR, João. “Me vejo no que vejo”: o olhar na práxis educativa psicopedagógica. Exclusiva Publicações, São Paulo, 2008a.
BEAUCLAIR, João. Do fracasso escolar ao sucesso na aprendizagem. Editora WAK, Rio de Janeiro, 2008b.
BEAUCLAIR, João. Para entender psicopedagogia: perspectivas atuais, desafios futuros. Editora WAK, Rio de Janeiro, 2006. Segunda edição 2007.
BEAUCLAIR, João. Psicopedagogia: trabalhando competências, criando habilidades. Editora WAK, Rio de Janeiro, 2004. Terceira edição 2008.
FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org). Dicionário em construção: Interdisciplinaridade. Cortez Editora. São Paulo, 2002.
FERNÁNDEZ, Alicia. O saber em jogo: a Psicopedagogia propiciando autorias de pensamento. Artes Médicas, Porto Alegre, 2001.
MORAES, Maria Cândida e TORRE, Saturnino De La. Sentipensar: Fundamentos e Estratégias para Reencantar a Educação. Editora Vozes. Petrópolis, 2004.