GEORGE STEINER E ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÂO
 
George Steiner em seu ensaio Linguagem e Silêncio (2005) afirma que a mais terrível comprovação de nosso tempo é que as humanidades não humanizam. Partindo de diversas tradições e campos do saber, o autor examina e desenvolve três temas subjacentes: o poder do mestre para explorar a dependência e a vulnerabilidade do estudante; a ameaça de subversão e traição do mentor pelo seu pupilo e a troca recíproca de confiança e de afeto, entre o professor e o seu discípulo:

Ensinar sem uma grave apreensão, sem uma reverência perturbada pelos riscos envolvidos, é uma frivolidade. Fazê-lo sem considerar as possíveis consequências individuais e sociais é cegueira. O grande ensino é aquele que desperta dúvidas, que encoraja a dissidência, que prepara o estudante para a partida («Agora deixa-me», ordena Zaratustra). No final, um verdadeiro Mestre deve estar só.
(STEINER, 2005,86)

Se associarmos necessariamente os recursos propiciados pela internet à revitalização das práticas e instituições educativas pode-se incorrer em equívocos. O fato é que são necessárias não apenas estruturas comunicacionais eficientes e instituições propícias para a participação, mas também devem estar presentes o desejo, a motivação, o interesse e a disponibilidade dos atores envolvidos - governos, instituições de ensino, professores, estudantes - no debate sobre a educação no mundo atual. Steiner fala do papel do professor nesses novos tempos:

A necessidade de transmitir conhecimento e competências e o desejo de adquiri-los são constantes da natureza humana. Mestres e discípulos, ensino e aprendizagem deverão continuar a existir enquanto existirem sociedades. A vida tal como a conhecemos não poderia passar sem eles. Contudo, há mudanças importantes em curso. [...] A computação, a teoria da informação e o acesso à mesma, a ubiquidade da Internet e da rede global envolvem muito mais do que uma revolução tecnológica. Implicam transformações de consciência, de hábitos de percepção e de expressão [...] O impacto sobre o processo de aprendizagem é já capital. [...] [Contudo] a aura carismática do professor inspirado, o romance da persona no acto pedagógico perdurará certamente [...] a sede de conhecimento, a necessidade profunda de compreender, estão inscritas no melhor dos homens e das mulheres. Tal como a vocação do professor. (IDEM, 2005, 143)

É certo que esses meios de difusão da educação são também os meios que nos levam a um excesso de informação, e uma questão se impõe: o que deveriam saber os cidadãos? Será necessário repensar a cultura geral para se orientar dentro do saber e para permitir ter algumas grandes linhas referenciais importantes, para poder depois orientar-se dentro da superabundância de informação. O caráter aberto da EAD possibilita novas experiências. Mas são necessários limites e disciplina, para que se formem educandos capazes de dominar o ambiente virtual.

Por outro lado, a EAD não se encerra unicamente na distância física; deve haver encontros presenciais, pois não há paixão sem encontros, e esse contato primordial permite pensar numa distância plena destituída de vazio. Esse encontro com o outro, dos professores e colegas, a própria realidade física tão fundamental, devem ser contemplados nos programas de EAD.

Em outra obra Lições dos Mestres, George Steiner aborda a educação dentro do ponto de vista das complexas relações estabelecidas entre mestre e discípulo, das tensões estabelecidas entre eles, dos jogos de poder, da autoridade do mestre sobre o aprendiz, da confiança e da paixão do discípulo pelo seu mestre, e também, da superação do mestre pelo discípulo.

Steiner, fala do mistério que é inerente à profissão do professor e da sua legitimidade: “O que é que confere a um homem ou a uma mulher o poder para ensinar a outro ser humano? Onde está a fonte de sua autoridade?” Aborda os três cenários possíveis das relações entre mestre e discípulo. Os mestres que destroem os seus discípulos psicologicamente e em alguns casos fisicamente. “Tem quebrado seus espíritos, tem consumido suas esperanças, tem se aproveitado de suas dependências e de sua individualidade. No âmbito da alma há os seus vampiros”. Um exemplo desse tipo de relação é a que foi estabelecida entre Heidegger e Hannah Arendt. Ele também se refere aos discípulos, pupilos e aprendizes que tem tangiversado, traído e destruindo os seus mestres. O caso de Husserl e Heidegger é nesse sentido emblemático. A terceira categoria é a do intercambio que se dá num processo de inter-relação, de osmose, o mestre aprende com seu discípulo quando lhe ensina. A intensidade do dialogo gera amizade no sentido mais elevado da palavra: “há discípulos que são incapazes de sobreviver a seus mestres”. Steiner informa que, a partir desses três tipos de relações, podem se dá tantas outras.

Steiner também reflete sobre o ato de ensinar, que traz consigo questões enraizadas nas circunstancias históricas, com questões perenes como o que significa transmitir tradendere? De que e a quem é legitima essa transmissão? Fala das relações entre traditio, o que se tem entregado, e o que os gregos denominam paradidomena, ou o que se está entregando agora. Para ele estas relações não são necessariamente transparentes; observa a semelhança semântica das palavra traição, tradução e tradição, que pra o autor atuam poderosamente no conceito de translação (translatio). Para se questionar: "É o ensino, em algum sentido fundamental, um modo de translação, um exercício entre linhas, como disse Walter Benjamin, quando atribui ao interlineal eminentes virtudes de fidelidade e de transmissão?"

A autêntica aprendizagem, para ele, é a imitação de um ato transcendente, divino, de descobrimento da verdade aletheia, numa alusão a Heidegger “O professor não é mais e nem menos que um auditor e mensageiro cuja receptividade, inspirada e depois educada, lhe tem permitido apreender um logos revelado[...]”.

A autoridade pedagógica tem se sustentado por meio da demonstração exemplar. A licença honrada do ato de ensinar: “ o professor demonstra ao aluno a sua própria compreensão do material, sua capacidade para realizar o experimento químico [...] o ensino exemplar é atuação e ela pode ser muda” . Afirma que o ensino válido é ostensível e isto intrigava Wittgenstein. Fala da etimologia da palavra latina dicere, que significa “dizer” e depois passou a significar “mostrar dizendo”; em inglês token e techen “o que mostra”; questiona se o professor é um homem espetáculo. Recorre a etimologia de a palavra dizer deuten em alemão que significa “assinalar” que é inseparável de bedeuten “significar”. Afirma que “ No que se refere a moral, somente a vida real do professor tem valor como prova demonstrativa. Sócrates e os santos ensinavam existindo”.

Para Steiner, (foi acrescentado) Estes cenários descritos são idealizações do professor. Steiner cita o ponto de vista de Foucault , que vê a educação como um exercício, aberto ou oculto, de relações de poder psicológico, social, físico. Pode premiar e castigar, excluir e ascender. Sua autoridade é institucional, carismática ou as duas ao mesmo tempo. O conhecimento e a práxis, definidos por um sistema pedagógico, por instrumentos de educação, são formas de poder. Observa que a oralidade, mesmo com o advento da escrita, se impõe como desfio é parte integrante do ato de ensinar: “ O mestre fala ao discípulo. Desde Platão a Wittgenstein, o ideal da verdade viva é um ideal de oralidade de perguntas e respostas cara a cara”.

George Steiner observa que sabemos pouco sobre personagens como Empédocles, Heráclito, Pitágoras, Parmênides. Os relatos de suas vidas fascinam e influenciam ainda hoje a humanidade. O que se sabe de suas obras e de suas vidas são apenas fragmentos ou comentários de seus textos ou de citações e referências tendenciosas. Definir o seu pensamento como filosófico-científico é para Steiner questionável pois há elementos de diversas ordens e os trata com um teor altamente abstrato. Ele discorre sobre o “nada” de Parmênides e a “dialética” em Heráclito. Foi através dos ensinamentos de figuras como Sócrates (Séc. V A.C) e Jesus Cristo (Sec. III D.C) que se funda toda uma tradição ocidental de reflexão, mestres carismáticos que não deixaram escritos e nem fundaram escolas, mas que imprimiram suas marcas na tradição ocidental. Ele vai afirmar que a autentica educação é uma vocação, uma chamada e observa que a palavra hebraica habi quer dizer mestre. Para Steiner:
Ensinar com seriedade é colocar as mãos no que o ser humano tem de mais fundamental. É buscar o acesso a carne viva, ao mais intimo da integridade de uma criança ou de um adulto. Um mestre invade, irrompe com a finalidade de limpar e reconstruir. (IDEM, 2011,26)


A respeito das novas tecnologias George Steiner observa que, a partir delas, as possibilidades de diálogo foram ampliadas, entretanto a seu ver, essas tecnologias podem destituir a educação daquilo que é mais rico em suas experiências: o contato vivo, olho no olho:

una cosa fascinante es que los medios interactivos, susceptibles de corrección e interrupción, de los processadores de textos, las textualidades electrónicas de internet y la Red, equivalen tal vez a una vuelta –lo que Vico denominaría un ricorso- a la oralidad. Los textos em pantalla son, em cierto sentido, provisionales y abiertos. Estas condiciones pueden quizá restablecer los facatores de la autentica enseñanza tal como Sócrates la cultivó y como Platón la puso em forma dialogada. Al mismo tiempo, no obstante, el alfabetismo eletrônico, com su ilimitada capacidade de almacenamiento y búsqueda de información, con sus bases de datos, incide negativamente em memória. Y el rostro que aparece em la pantalla no es nunca esse semblante vivo que Platón o Lévinas jusgan insdispensable em todo encuentro fructífero entre Maestro y discípulo. (IDEM, 39)

A questão colocada por Steiner é bastante pertinente e remete a uma aporia: a EAD está ou não refém da impossibilidade de referência?