PROFESSOR(A) SURDO(A) E INTÉRPRETE EDUCACIONAL: UMA REVISÃO EM IDENTIFICAÇÃO OU MODELO SEGUNDO FABIANA REIS.
Resumo:
Os resultados desta revisão bibliográfica sustentarão pesquisas nas áreas da tradução/interpretação de LIBRAS e da educação de surdos tem como base estudos sobre a teorização e prática do ato de traduzir e interpretar, bem como a inclusão socioeducacional da pessoa surda no mercado funcional e da prestação de serviços educacionais nos espaços docentes, assistido pela figura do intérprete de língua de sinais ou não. Espera-se, portanto, contribuir para o controle da evasão, uma vez que, os alunos, sentindo-se valorizados em suas potencialidades, podem e devem ser instigados, sentindo-se diferentes, mas não deficientes diante dos demais. As diretrizes para este trabalho abrangem desde uma breve história dos atos de traduzir e de interpretar, da educação inclusiva e da inclusão socioeducacional da pessoa surda na perspectiva da escola bilíngue. Há ainda, um estudo sistemático dos tipos e métodos de tradução e interpretação e resultados de estudos que envolvem a docência do professor surdo e a utilização dos classificadores pelo intérprete e pelo professor surdo e vice-versa. Abordará, finalmente, os aspectos legais da função profissional de ambos os objetos envolvidos nesta pesquisa, suas conquistas e descasos. Nossas considerações finais dizem respeito às recomendações quanto ao processo de educação inclusiva na perspectiva bilíngue e a constituição da figura do Intérprete Educacional, uma vez que a inclusão destes profissionais: Professor Surdo e Intérprete Educacional precisa ser um fato com caminho sem volta. Uma construção efetiva que há muito era necessária que se construiu aos longos dos últimos tempos e, em especial, a questão do Intérprete Educacional, sua formação, sua atuação em sala de aula, seus limites e possibilidades de auxiliar o Professor Surdo de sala de aula regular de alunos ouvintes ou professor ouvinte envolvido com o processo de aprendizagem de aluno e surdo e, mencionando-se a carreira promissora que este profissional poderá ter e as atuais concepções legais que sustentam sua atuação.
Palavras-chave: história da interpretação; profissionalização do tradutor/intérprete de LS; formação do professor surdo.
1. HISTÓRIA DA TRADUÇÃO E DA INTERPRETAÇÃO
Os processos de tradução e da interpretação não constituem atos da contemporaneidade como muitos imaginam.
Pesquisadores nos contam que, embora relacionemo-las aos movimentos pós-guerra, a qual imaginaria a interpretação simultânea, esta já era praticada desde o Egito Antigo e do Império Romano quando da utilização nas línguas orais. Isto se constata em documentos datados de três mil anos antes de Cristo, cuja escrita em “baixo-relevo egípcio no túmulo de um príncipe que faz referência a um supervisor de intérpretes. (...) Esta atividade estava essencialmente ligada a Administração Pública.” AP | PORTUGAL (2012).
As atividades praticadas pelos tradutores e intérpretes continuaram inalteradas durante séculos que antecederam a Idade Média, período que a língua francesa predominava como língua dos nobres nos negócios e nas relações internacionais. Somente em 1919, após a Conferência de Paris deixaria de sê-lo, visto que políticos exigiam a implantação do multilinguismo, dada as aberturas comerciais com países anglo-saxônicos e demais de origem diversas favorecendo a língua inglesa.
As práticas de tradução e da interpretação aconteciam em mosteiros, concílios e sinagogas, já que naqueles espaços haviam cristãos advindos de toda parte do mundo para desenvolverem sua formação teológica. Esta prática favoreceria as relações mercantis, internacionais, diplomáticas e ações militares que exigiam forças armadas de diferentes países que seguiam em missão de paz e/ou guerra; reestruturação de países em momentos pós guerra.
Ainda citado por AP | PORTUGAL (2012), nesse período:
“ (...) Cristóvão Colombo constatou que o seu intérprete de árabe e hebreu de pouco lhe serviu para comunicar com os índios. Consequentemente, e após essa primeira viagem, ele decide capturar alguns índios e ensinar-lhes o espanhol para que lhe pudessem ser úteis como intérpretes na expedição seguinte. O mesmo aconteceu com espanhóis que estiveram presos pelos índios e que aprenderam a língua e os costumes deles, servindo depois também de intérpretes.”
Tal fato nos remota as primeiras ações que nos levará ao estudo e formação do tradutor e da tradução – intérprete/interpretação: que o é e como se forma o profissional dessa área, tema oportuno para outro momento de discussão mais adiante.
É importante salientar que antes desse movimento utilizava-se o gesto e mímica quando a língua oral era inoperante e a figura do tradutor/intérprete inexistia.
Situações dessa natureza criariam a personagem da tradução e da interpretação, mas sem nenhum cunho acadêmico, bastava que detivesse a técnica conhecesse a língua podendo migrar de uma para a outra com pouca dificuldade, sendo ainda esta atividade de caráter voluntário.
Passados anos e dados os avanços mercantis e o surgimento de organismos internacionais há necessidade de aperfeiçoar as estratégias da tradução e da interpretação, ocasião que surge a Interpretação Simultânea, cuja proposta implicava na interpretação palavra por palavra o que implicava numa reprodução fiel dos termos, sem a menor preocupação semântica e/ou pragmática das ideias, uma vez que nesta metodologia nenhuma reflexão por parte do tradutor intérprete é permitida, já que toda tradução é automática e em seguida ao pronunciado pelo expositor.
Na perspectiva de melhorar a ação interpretativa, a Interpretação Consecutiva surge como alternativa a não funcionabilidade da Interpretação Simultânea, visto que esta teoria traria algumas implicações de desordem comunicacional junto as Pessoas e as organizações.
Todavia, a Interpretação Consecutiva apresentava outra situação complexa, dessa feita, o tempo seria o problema, afinal, quando, quanto e como deveria interferir o intérprete nos discursos dos envolvidos parecia à questão da época e acredita-se que até os dias atuais esta seja uma excelente reflexão para aqueles que a usam como modelo amortizador nos processos intercomunicacionais.
Apesar das eternas e profundas discussões, a interpretação Simultânea é definitivamente aceita como modelo operacional. Isto porque aproxima também as relações interculturais e exige mais competências e habilidades profissionais do tradutor intérprete, sendo modelo adotado por respeitados organismos mundial.
Concernente a prática de interpretação de língua de sinais, são praticamente inexistentes registros que identifiquem as primeiras ações, dadas histórias difusas a este respeito.
Pereira (2008) afirma:
“(...). Historicamente não é possível rastrear o exato momento em que os intérpretes começaram a atuar, mas é plausível imaginar que desde que povos de diferentes línguas mantiveram contato houve, também, a necessidade de intérpretes. No caso das pessoas surdas, existem hipóteses de que a interpretação surgiu no meio familiar foi, aos poucos, se estendendo aos professores de crianças surdas e ao âmbito religioso. Com o passar do tempo, o fortalecimento dos movimentos sociais e políticos das comunidades surdas e o reconhecimento legal das línguas de sinais surgiu, finalmente, o ILS profissional.” (Pereira, 2008, p. 138)
Isto por si só basta para que se abram campos de discussão e grupos de trabalhos sobre a História da Interpretação e da Tradução da Língua de Sinais no Brasil e no mundo.
1.1. Tradução ou Interpretação
Neste cenário da tradução e da interpretação gera uma inquietação sobre o fazer do profissional intérprete de língua de sinais. O que este realmente faz? Tradução, interpretação, ambos?
Em palavras precisas, ainda segundo Pereira (2008, p. 136), assim as distingue:
“(...) tradução é o termo geral que se refere a transformar um texto a partir uma língua fonte, por meio de vocalização, escrita ou sinalização, em outra língua meta. A diferenciação é feita, em um nível posterior de especialização, quando se considera a modalidade da língua para qual está sendo transformado o texto. Se a língua meta estiver na modalidade escrita trata-se de uma tradução; se estiver na modalidade vocal (também chamada de oral) ou sinalizada (presenciais ou de interação imediata), o termo utilizado é interpretação.” Pereira (2008, p. 136).
Nesta mesma perspectiva se encontrou outro conceito que também distingue estas ações:
(...)
Quem é o Intérprete: Pessoa que transmite o que foi dito de uma língua (língua fonte) para outra (língua alvo).
Quem é o Tradutor: Pessoa que traduz de uma língua para outra. Refere-se ao processo envolvendo pelo menos uma língua escrita. Assim tradutor é aquele que traduz um texto escrito de uma língua para a outra (seja ela escrita ou oral).”
(...). FADERS, 2012.
Desse modo, a interpretação é o termo mais adequado quando se refere às línguas de sinais, salvo quando estes estiverem escritos. Esta ação é executada pelo intérprete de língua de sinais, que no caso do Brasil podemos denominá-la de LSB ou LIBRAS. Este será responsável por interpretar a mensagem de uma dada língua para a língua de sinais e vice-versa, sem perder o seu sentido original.
Ressaltando que a interpretação entre duas línguas é bidirecional, como uma via de mão dupla, segundo concepções da FADERS (2012) e envolve atos cognitivo-lingüísticos, socioeducacionais e culturais, como atenção, percepção, memória, raciocínio, juízo, imaginação, pensamento e linguagem. Intenções comunicativas específicas/línguas diferentes.
É extremamente importante que o interprete esteja envolvido nas interações comunicativas do grupo a ser interpretado, tanto no âmbito sociocultural, como socioeducacional e de entretenimento.
Ainda como característica funcional deverá processar informações dadas na língua fonte e fará escolhas semânticas e sintáticas, a todo o momento, para que seus interesses atinjam a língua alvo. Mas, sobretudo, atentar e reconhecer que a modalidade e/ou canal de comunicação entre a língua de sinais e a língua oral são muito diferentes - Oral-Auditivo versus Sinal-Visual.
Em síntese, o intérprete de língua de sinais deverá conhecer e cumprir as exigências do Código de Ética, onde os itens a seguir são os mais importantes: confiabilidade (sigilo), imparcialidade (neutro), discrição (limites na atuação), fidelidade (fiel as informações). (Quadros, 2004, p. 31 – 41).
1.2. Metodologias e Classificações.
As práticas de tradução e de interpretação são as mais variadas e cabe ao profissional desta área eleger a que mais condiz ao bom desenvolvimento do seu trabalho, reconhecendo suas habilidades e capacidades intrínsecas.
Entre as metodologias podemos citar:
- Tradução Científica, cujo objetivo é validar legalmente um documento oficial atribuindo-lhe uma certificação junto a órgãos representativos;
- Tradução Técnica que requer conhecimentos especializados numa determinada área do conhecimento humano;
- Tradução Simultânea é a mais frequentemente utilizada e apresenta, em dados momentos uma interpretação não precisa, uma vez que esta é desenvolvida palavra por palavra e, muitas vezes corre-se o risco de comprometer o contexto real de determinada expressão interpretada pela perda e/ou omissão de sinais definitivos;
- Tradução Consecutiva é praticada após a compreensão do texto e do contexto pelo intérprete. No primeiro momento ele entende o que esta sendo posto e só posteriormente traduz todo o discurso. Nesta técnica são usados sistemas de escrita da informação como mecanismo de fidelidade, confiabilidade e transparência;
- Interpretação Sussurrada também chamada de chuchotage é realizada ao próximo ao ouvido e, quando surdocego que apresenta resíduos auditivos ou usa tadoma como sistema preferencial de acesso a informação e/ou aquele que compreende a comunicação através da vibração das cordas vocálicas do guia-interprete;
- Interpretação de Liaison conhecida também por Community Interpreting (AP | PORTUGAL, 2012) ou Acompanhantes ou de Trâmites (Pereira, 2008) é aquela realizada indiretamente pelo interprete que acompanha uma comitiva estrangeira a outras comunidades para fechamentos de acordos, tratados e/ou outros que necessite de interpretação. Atuação nesta área requer do intérprete conhecimentos profundos sobre a língua oficial daquele grupo social, bem como seus hábitos, costumes e suas culturas;
- Interpretação de Relay
“(...) é outra designação para interpretação indireta, por exemplo, ao invés de efetuar a tradução diretamente da língua de partida para a língua de chegada, o intérprete pode trabalhar a partir da tradução simultânea de outro colega. A utilização da interpretação relay pode-se justificar em conferências onde muitas línguas sejam faladas e nas quais alguns intérpretes não dominem todas essas línguas, e ainda em casos onde esteja presente um interlocutor que fale uma língua mais exótica ou rara.” (AP | PORTUGAL, 2012)
Pode-se afirmar que as metodologias são aplicadas a interpretação de língua de sinais, cabendo relembrar apenas que esta é caracterizada pela condição visual-espacial.
Vale ressaltar que, segundo, o mapeamento apresentado por Williams & Chesterman (2002) “o 'território da tradução' tem 12 (doze) áreas, que contemplam a área 'Interpretação' – Área 9 – estabelecida e consolidada no campo disciplinar Estudos da Tradução.”
Observa-se ainda que “interpretação”, enquanto ramo consolidado dos Estudos da Tradução, é citada em 07 (sete) das 27 (vinte e sete) subáreas: (4) Interpretação para a Comunidade/ Interpretação de Diálogo/ Interpretação para Serviço Público; (5)Interpretação Simultânea e de Conferência; (8) Interpretação Legal e Jurídica; (10) História da Tradução e Interpretação; (12) Estudos de Interpretação; (18) Interpretação de Línguas Sinalizadas; e (27) Formação de Tradutor e Intérprete. (Idem, 2002).
1.3 O Intérprete, o Reconhecimento Profissional e seu Locus de Atuação.
A profissão de tradutor e intérprete da Língua Brasileira de Sinais foi regulamentada pela Lei nº 12319, de 01 de setembro de 2010, sendo classificada sob o código 2614 - Filólogos, tradutores, intérpretes e afins da CBO – Classificação Brasileira de Ocupações de 2006.
Isto favoreceu a atuação deste profissional. Entretanto, não supre particularidades de determinadas áreas sociais que sofrem pela ausência de intérpretes especializados como no caso da saúde, do judiciário, da militar e da própria educação.
Tratando-se desde último, em especial, há organismos que criaram a figura do professor-intérprete. Ora, ou ele é professor ou é intérprete. Todavia, esta personagem também não resolve a dificuldade do aluno surdo e da sua família no âmbito da educação.
Nesse sentido, o intérprete educacional existirá e será co-parceiro do professor no desenvolvimento psicossocial, cognitivo e linguístico da criança surda que, na perspectiva da educação inclusiva, estará em sala de aula juntamente com alunos ouvintes ou numa escola bilíngue, onde possam propiciar trocas linguísticas em língua de sinais e língua portuguesa concomitantemente.
Isto caberá ao sistema organizar, de modo que favoreça a Comunidade Surda, incluindo aqui todos os que estão envolvidos no processo de inclusão socioeducacional da pessoa surda e não somente pais, poucos professores e alguns curiosos, mas aqueles que militam historicamente na causa da surdez.
2 REFERECIAL TEÓRICO
As concepções teóricas adotadas perpassam essencialmente pelas ideias da Faders (2012); Pereira (2012) e Quadros (2004), além da sustentação obtida através da análise do texto de REIS, (2007), cujo tema é “Professores Surdos: identificação ou modelos?”.
Adotar-se-á um sistema de interpretação textual automática com memórias de tradução e estudo das terminologias empregadas pelas autoras supracitadas, apontado possíveis soluções dos problemas encontrados e tomada de decisões.
Todavia, utilizar-se-á dos conceitos essências da Teoria Interpretativa da Tradução, proposta por Danica Seleskovitch e seguida por Marianne Lederer, e a Teoria dos Modelos dos Esforços na Interpretação, proposta por Daniel Gile, os quais enfatizam a necessidade de interpretar em vez de meramente traduzir, ou seja: ressaltam a importância da construção própria do sentido na transposição do discurso oral de um idioma para outro.
Segundo Freire (2012), os fundamentos da Teoria Interpretativa da Tradução ou Teoria do Sentido, compreende: a) as três etapas no processo de interpretação; b) o conceito de desverbalização; e c) o princípio da complementaridade cognitiva. Esse modelo teórico teve origem na análise do processo envolvido na interpretação consecutiva.
Apresentado a definição dos fundamentos da Teoria dos Modelos dos Esforços na Interpretação, descreve também três fases: a) as três etapas compreendidas no processo de interpretação; b) os conceitos de capacidade total de processamento (CTP) e capacidade disponível de processamento (CDP); e c) as ideias que originaram o modelo. Diferentemente da origem da Teoria Interpretativa da Tradução ou Teoria do Sentido, esse modelo teórico é originário na análise do processo envolvido na interpretação simultânea.
Assim, ambas as Teorias, através dos seus modelos teóricos complementam-se ao representar sistematizações consistentes do processo de interpretação, logo, o fato de suas origens serem distintas derivam novas perspectiva do debate, ressaltando pontos em que conceitos e princípios de um modelo podem ser relacionados aos do outro.
2.1 Biografia da Autora.
O texto estudado, cujo tema é PROFESSORES SURDOS; IDENTIFICAÇÃO ou MODELO? é de autoria da professora Flaviane Reis, graduada em Pedagogia pela Universidade Católica de Goiás, concluinte da turma de 2004. Mestra em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina em 2006, exercendo suas atividades na área de educação especial e em libras pela Universidade Federal de Uberlândia, atuando principalmente nos temas: língua de sinais, educação, surdos, metodologia e expressão facial e corporal.
No seu texto, publicado em 2007, a preocupação inicial da autora era estabelecer a distinção entre modelo e identificação na relação do professor surdo e do aluno surdo.
Para esta, os conceitos criados sugerem apenas mais uma palavra imposta pelos ouvintes sem nenhum resultado concreto nas vidas dos alunos surdos, visto que este novo termo no foi previamente discutido com a comunidade, pensado o mesmo planejado. Logo enfatiza que seu objetivo é de fomentar a discussão junto a pesquisadores surdos e ouvintes, questão já acalorada pelos mesmos.
Apresenta ainda, um olhar antropológico sobre a questão dos modelos sobre as identidades e sua relação direta com os Estudos Culturais, embora reconheça que o modelo nem sempre afirma tão conexão; ressaltando a identificação como algo que se efetiva nas relações de identificação com outro. Para tanto, precisamos entender onde e como as relações de identificações do professor surdo acontecem revelando e promovendo sua cultura, a Libras e a alteridade.
Outro fato importante levantado é o de onde e como o aluno surdo se identifica no processo social com o professor surdo em uma relação de pares. Obviamente prezando sua singularidade, mas construindo imagens positivas que farão do aluno surdo seres constituídos de compromissos e responsabilidades sociais. Embora o surdo veja no professor surdo uma imagem simplista oriunda dos processos socioeconômicos e contextuais, chegando inclusive a invisibilizar sua função, suas experiências e história de vida.
Por outro lado, atenta para a necessidade do professor surdo se reconhecer nesse processo, tanto no sentido de formação quanto na prática docente e, desse modo, reconhecer-se no modelo socialmente estabelecido desse Professional dentro do processo de identificação.
A autora conceituou o termo identidade dentro dos Estudos Culturais como aquele que poderá modificar os modos de explicar questões diretamente ligadas à cultura, identidade, diferença, língua de sinais e os surdos em seus movimentos de inserções sociais.
Justifica também a necessidade de se resgatar as discussões sobre a identificação, uma vez que não se trata de um assunto novo, em especial na Comunidade Surda, sendo inclusive utilizada para fundamentar sua história. Tendo outra perspectiva conceitual após da inclusão dessa temática no meio acadêmico, passando a outras expectativas sobre educação de surdos.
Há uma preocupação na manutenção das características do professor surdo e seu perfil cultural e a não equivalência entre professor surdo e professor ouvinte.
Para sustentar seus argumentos cita Silva (2003) autor que discute aspectos inter e multiculturais na tentativa de o professor construa sua própria autoidentificação e afirma a partir dos vínculos trocados com os alunos se estabelecem grandes conquistas dado o potencial cognitivo do aluno.
Um fato importante para que reflitamos: muitos são os ouvintes que o surdo tem contato ao nascer, quase nunca há surdo no seu cotidiano infantil, logo, a escola poderá propiciar isto através da existência de professores surdos e a usabilidade da língua de sinais na sala de aula, cuja identificação do aluno surdo será automática e o empoderamento da sua cultura será uma constante, graças às produções culturais oriundas dessa produção.
Ressalta a distinção entre identidade e modelo embora, aparentemente complexas, mas essenciais aos Estudos Culturais. Para tal constatação, a autora se basea nos argumentos de Hall (2000) para atribuir significado à palavra identificação e a Deleuze e Guatari (1977) para o conceito de modelo.
Nesse sentido conclui que o significado da palavra identificação e diferente de identidade, visto que este último termo considera a multiplicidade e possibilita diversos olhares sobre uma mesma questão.
Enquanto modelo cita também Perlin (1998) que afirma a existência de três possíveis características a serem identificadas no professor surdo: identidade surda, cujos surdos fazem uso da experiência visual de forma variada. Identifica-se com a representação de surdez como diferença; híbrida classificando os surdos que nasceram ouvintes e tornaram-se surdos e flutuantes os surdos que vivem e se manifestam de acordo com a hegemonia dos ouvintes, não falam em português e nem em língua de sinais e sua identidade é fragmentada resultado das influências dos surdos e ouvintes, não havendo uma homogeneização nesse perfil que se deseja estabelecer ou apontar como modelo a ser seguido, visto que a identidade é um processo em construção, segundo a autora.
Acrescentaria a esta informação, outros dados de Perlin (idem) para mais dois modelos: a identidade surda de transição, na qual os surdos que conviveram muito tempo com ouvintes e teve contato tardio com as comunidades surdas e com a língua de sinais e as identidades surdas incompletas que consideram os surdos que vivem de acordo com a cultura ouvinte e nega a surda e a língua de sinais, os quais não citados no texto da Reis (2007).
Assim, a ênfase do texto perpassa no reconhecimento da figura do professor surdo e sua caracterização como sujeito diferente do professor ouvinte, mas dialogando com o outro e promovendo a transgressão pedagógica, os processos de identificação e as consequências dessa produção identitária e a produção cultural. Essa ambivalência, ou seja, os aspectos identitarios constituem o tema central para os Estudos Surdos.
2.2 Metodologia Adotada na Tradução/Interpretação do Texto para Libras
O artigo PROFESSORES SURDOS; IDENTIFICAÇÃO ou MODELO? é aplicado a educação e idealiza a imagem do professor surdo na sala de aula, docente de aluno surdo e ouvinte. Portanto, apresenta tecnoletos próprios dessa área.
O planejamento e a execução da tradução e da interpretação do texto seguiu os passos que serão descritos aqui neste capitulo.
A tradução/interpretação para Libras do texto aconteceu em um espaço residencial e utilizou-se câmera filmadora doméstica Sony com duração de aproximadamente 30 minutos.
O primeiro passo foi compreender o real sentido do texto, inclusive o cunho filosófico e político que este poderia propiciar aqueles que viessem assistir o vídeo deste trabalho.
Feito isto, buscou-se o melhor local nos ambientes da casa para a filmagem. Encontramos uma parede branca que favoreceu tal trabalho, no entanto, a iluminação excessiva prejudicara a qualidade o que nos obrigou a procurar outro espaço.
Encontramo-lo e iniciamos o trabalho; instalamos a filmadora sobre um tripé e, após ajustes estávamos pronto.
Iniciou-se outro trabalho, a vestimenta adequada para aquela produção. Seria melhor a utilização do uniforme criado pela turma no início do Curso? Ou deveria me portar como um bacharel em Letras/Libras, logo, intérprete profissional? Optou-se pela segunda alternativa e, usando calça e camisa preta se iniciou o processo de filmagem. Antes mesmo, foi fita demarcação no piso do ambiente de gravação de modo que não saísse do foco da câmara.
Durante o processo de gravação fui auxiliado por um intérprete de língua de sinais que apoiou nas dificuldades encontradas, um leitor do texto e um surdo que avaliava, observava a sinalização e sugeria possíveis modificações e/ou alterações na interpretação.
A interpretação utilizada para o trabalho passou pela compreensão das ideias centrais do texto, tendo o cuidado de acrescentar informação, quando necessário, para ‘ajustar; compor; enquadrar; emoldurar’ o significado da mensagem, com o propósito de contextualizar o significado sugerido no texto de partida, para o leitor de chegada. Adicionada, consciente ou inconscientemente, para ajudar ao receptor da mensagem a entender que esta parte das formulações verbais, muitas vezes com o suporte visual. Todavia, tomou-se o cuidado para a melhoria do texto final sem a “quebra de fidelidade/neutralidade”.
Neste momento, surgiram algumas indagações: até aonde o profissional precisa ser neutro? Será que em alguns momentos esse pode interver na interpretação? Até que forma a intervenção é quebra de neutralidade ou fidelidade? a intervenção do tradutor/intérprete, como consequência de seu contexto histórico-sócio-temporal não é quebra de neutralidade ou fidelidade; a dificuldade em aceitar a ideia de que mudar uma construção, adicionando ou apagando palavras durante a tradução não significa quebra de neutralidade ou fidelidade?
A partir de tais discussões fez-se o planejamento da interpretação, um roteiro que considerasse alguns critérios: foi feito o levantamento das terminologias utilizadas pela autora e definindo-os como representação padrão; pesquisa dos termos nos dicionários de Libras, e junto à Comunidade Surda para compreensão deste novo glossário.
Pesquisou-se o sinal da autora e concernente a algumas terminologias foram feitas combinações de sinais junto a Comunidade Surda para melhor compreender os contextos discursivos. Também ficou acertado que faria a interpretação de todo o texto, visto que não há subitem ou subtópicos que possam marcar o texto. Desconsideraríamos a possibilidade da interpretação por página por acreditar na inviabilidade de sentido para o surdo.
No entanto, inúmeras cortes e recortes tiveram que ser feitos na produção para que essa tomasse um corpo adequado às exigências do Trabalho de Conclusão do Curso e, constituindo-se em um ato de revisão da filmagem e editoração do filme, através da ferramenta Movie Maker.
3 ANÁLISE TEXTUAL
Concernente às terminologias, poderia afirmar que o texto possui uma linguagem simples, logo, acessível e adequada a todos os tipos de leitores, sejam eles principiantes, intermediários ou fluentes. Abaixo listamos uma tabela com algumas palavras sentimos dificuldades para a interpretação e que foram substituídas por equivalentes na língua de sinais.
PORTUGUÊS EQUIVALENTE EM LIBRAS
Contextualmente se sinalizou:
Acalorado +
Alteridade +
Ambivalência +
Autoidentificação +
Equivalência
Flutuante
Híbrido +
Homogeneização +
Invisibilizar
Multiplicidade
Pós-moderno p-o-s-m-o-d-e-r-n-o
Transgressão
Usabilidade
4 TRADUÇÃO COMENTADA
Após assistir o trabalho algumas considerações foram feitas por parte dos expectadores, sendo um intérprete profissional e outro surdo, além das considerações do autor do vídeo.
Há, em certos momentos, algumas incoerências espaciais na apresentação. Ora se interpreta para um quando se deveria está para o outro. A exemplo, a comparação entre Modelo-Identificação são emitidos para a esquerda quando um está para a direita e o outro para a esquerda. Logo, existe perda da informação semântica e perda do raciocínio lógico pela expressão facial e corporal.
Ressalta-se que na maioria da exibição existe coerência sintática, porém com informações não conclusas o que impede uma compreensão da ideia.
Em síntese, existe uma preocupação em fidelizar o texto original, ainda que com alguns conceitos errôneos e a interpretação em LIBRAS se afaste da realidade criando uma nova versão do texto original, mas sem afetar o entendimento do texto escrito escolhido para apresentação.
Finalmente, a postura, a vestimenta e o ambiente de filmagem são aspectos extremamente favoráveis ao sucesso da produção. Isto contribuirá para a compreensão da pessoa surda que estude esta área do conhecimento humano.
5 O INTÉRPRETE EDUCACIONAL
A sala de aula que existir aluno surdo e, como proposto nas discussões de Reis (2007) não possui no seu quadro um professor surdo poderá utilizar o profissional intérprete especializado na área educacional que, não necessariamente será um professor, uma vez que a função do intérprete caracteriza-se como uma função técnica. Será este profissional um mediador linguístico que promoverá a acessibilidade comunicacional e não um docente como em determinados Estados há a figura do professor-intérprete, na prática ou será professor ou será intérprete. Assumir tal papel funcional é comprometer a história de luta da Comunidade Surda e dos Intérpretes da Língua de Sinais.
Nessa perspectiva, imagina-se que o Intérprete Educacional surja a partir de práticas voluntárias que foram sendo valorizadas pelos surdos enquanto atividade laboral na medida em que estes foram conquistando o seu exercício de cidadania. A participação de surdos nas discussões sociais representou, de certo modo, a alavanca para a profissionalização dos tradutores e intérpretes de língua de sinais.
Assim, a medida que a língua de sinais passou a ser reconhecida enquanto tal, os surdos passaram a ter garantias de acesso a ela enquanto direito linguístico e, consequentemente, as instituições se viram obrigadas a garantir acessibilidade comunicacional através do profissional intérprete de língua de sinais.
Desse modo, o Intérprete Educacional será aquele que atuará diretamente no campo educacional, seja na educação infantil ou básica, profissionalizante, andragógica ou qualquer outro nível ou modalidade que este seja requisitado. Ressalta-se que, na atualidade, esta é a área que mais carece deste profissional, seja no Brasil ou qualquer parte deste Planeta onde a educação de surdos é uma realidade.
A título de exemplo podemos citar os Estados Unidos que em 1989 estimava-se que 2200 intérpretes de língua de sinais estivessem atuando nos níveis de educação elementar e no ensino secundário. (...) atualmente, mais de um terço dos graduados nos cursos de formação de intérpretes estão atuando na área da educação. (Stewart, D.et alli, 1998)
No Brasil, as escolas públicas e particulares tem surdos matriculados em diferentes níveis de escolarização, seria impossível atender às exigências legais que determinam o acesso e a permanência do aluno surdo na escola observando-se suas especificidades sem a presença de Intérprete Educacional de língua de sinais. É urgente a necessidade de investimentos na especialização do intérprete de língua de sinais da educação.
O Intérprete Especialista deverá ter um perfil para intermediar as relações entre os professores e os alunos, bem como, entre os colegas surdos e os colegas ouvintes. A função do Intérprete Educacional em sala de aula não deverá ser confundida com as do professor.
Frente a estas dificuldades, experiências tem levado à criação de um código de ética específico para intérpretes de língua de sinais que atuam na educação. Em alguns casos, ao intérprete de língua de sinais é permitido um feedback do processo de ensino-aprendizagem ao professor, se esta possibilidade existe poder-se-ia prever que o intérprete assumiria a função da tutoria mediante a supervisão do professor, o que em outras circunstâncias de interpretação não seria permitido. Poderia gerar problemas sérios.
Aos intérpretes da língua de sinais da área da educação é recomendado redimencionar os questionamentos dos alunos ao professor, dessa forma o intérprete caracteriza o seu papel na intermediação, mesmo quando o papel do professor é alargado. Neste sentido, o professor também precisa passar pelo processo de aprendizagem de ter no grupo um contexto diferenciado com a presença de alunos surdos e de intérpretes de língua de sinais. A adequação da estrutura física da sala de aula, a disposição das pessoas em sala de aula, a adequação da forma de exposição por parte do professor são exemplos a serem reconsiderados em sala de aula. Isto porque o Intérprete Educacional interpretará a mensagem de forma precisa e apropriada de uma língua para permitir que a comunicação aconteça entre pessoas que não usam a mesma língua, isto é, o profissional intérprete intermedia a interação comunicação.
Interpretar a mensagem de forma adequada exige clareza, destreza e intervenção sociocultural e política da Comunidade Surda. Conhecimentos profundos da cultura e da identidade surda. O objetivo da interpretação tem sido centrado neste aspecto. Os treinamentos de profissionais intérpretes constituem-se de exercícios de tradução-interpretação da oralidade para sinais e vice–versa e discussão sobre técnicas de processamento de informação. O foco está no vocabulário e nas frases. Decisões sobre o significado estão baseadas nas palavras.
Logo, o intérprete de língua de sinais é um reprodutor do texto–sinalizado, palavras, sentenças. Embora inúmeros ouvintes e alguns surdos atribuam à função do intérprete uma condição secundária.
5.1 Atos de Fala e a Compreensão Semântica do Discurso.
Pesquisas indicam que no ato interpretativo, as palavras e frases são vistas como unidades de significado, mas que estas não correspondem ao atendimento do discurso, significado e interação entre os participantes do ato de fala. As palavras, as frases tomam significados que podem variar de acordo com diferentes contextos e pessoas que participam do discurso.
Salienta-se também que o ato de fala é um processo dinâmico e sua percepção como passiva e neutra é uma complexa correlação. Este problema envolve questões éticas. É óbvio que o intérprete deve resolver impasses éticos (tomar decisões diante de dilemas éticos), mas naturalmente ele está envolvido no processo. A visão que enfatiza o discurso entende que as pessoas usam a linguagem para fazer coisas e sempre acontece com objetivos específicos através de convenções sociais, linguísticas, interativas e estilos conversacionais que devem ser considerada.
Dessa forma, a perspectiva da interpretação é de uma atividade interativa dinâmica. As questões neste sentido são: Como todos os participantes estão elaborando o sentido são: Como todos os participantes estão elaborando o sentido sobre o que estão falando; O que eles estão fazendo no ato de falar.
Esta interação é uma atividade em que os participantes determinam a cada minuto o significado de alguma coisa que é dita e envolve um ato interpretativo baseado na experiência dos participantes em situações similares bem como o conhecimento gramatical e lexical, isto se aplica perfeitamente a interpretação e uso da língua de sinais.
Nesse universo, os intérpretes de língua de sinais estão constantemente exposto CALLOW, (p. 13, 1974) a alguns tipos de discursos existentes, conforme seguem:
Narrativo – reconta uma série de eventos ordenados mais ou menos de forma cronológica;
Persuasivo – objetiva influenciar a conduta de alguém;
Explicativo – oferece informações requeridas em determinado contexto;
Argumentativa – objetiva provar alguma coisa para a audiência;
Conversacional – envolve a conversação entre duas ou mais pessoas;
Procedural – dá instruções para executar uma atividade ou usar algum objeto.
Assim, o intérprete de língua de sinais cria expectativas em relação aos tipos de discurso que são apresentados e usa sua compreensão e experiência de mundo para interpretar determinados contextos ao surdo. Este profissional tem condições de identificar os elementos possíveis que serão apresentados de acordo com o tipo de discurso preparando-se de antemão e dispondo de tais elementos de forma mais pronta e imediata durante a sua atuação.
5.2 O Intérprete Educacional
A presença do Intérprete Educacional tem sido uma constante na América do sul com prática geralmente implementada no ensino médio e universitário, quando o aluno surdo já percorreu a etapa fundamental de ensino em escolas especiais para surdos, e pretende seguir ampliando seus conhecimentos, já tendo um bom domínio da língua de sinais (FAMULARO, 1999 apud LACERDA, 2002).
No Brasil, com a implantação da política de inclusão, os alunos surdos em escola regular tem sido inseridos em classes de ouvintes desde o ensino Fundamental. Essas experiências permitem perceber a dificuldade de acesso comunicacional e à língua portuguesa (L2) enfrentada pelos alunos surdos, e as dificuldades sentidas pelos professores para a comunicação com essas crianças. Algumas poucas escolas, atentas a essa problemática, tem permitido ou proposto a inserção de um interprete de língua de sinais em sala de aula, buscando uma possível solução para os problemas de incomunicabilidade e de desentendimento que enfrentam cotidianamente. Todavia, tais experiências são pouco numerosas no Brasil e menores ainda são as reflexões divulgadas acerca dos limites e do alcance destas práticas nos níveis e modalidades de ensino como nos casos da educação infantil, educação de jovens e adultos e ensino profissionalizantes.
A Resolução CNE/CEB nº 2 de 11 de setembro de 2000, aponta para a necessidade de atenção às questões linguísticas das pessoas surdas e deixa sugerida a possibilidade de participação de intérpretes educacionais de maneira mais frequente.
No Art. 12§ 2º destaca que
“deve ser assegurada, no processo educativo de alunos que apresentam dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais educandos, a acessibilidade aos conteúdos curriculares, mediante a utilização de linguagens e códigos aplicáveis, como o sistema Braile e a língua de sinais, sem prejuízo do aprendizado da língua portuguesa, facultando-lhes e às suas famílias a opção pela abordagem pedagógica que julgarem adequada, ouvidos os profissionais especializados em cada caso” Lacerda, (2002).
Todavia, a inserção desses profissionais precisa ser feita com cuidado e reflexão, uma vez que a prática inclusiva observada até o momento aponta para a evidência de desconhecimento da realidade das comunidades surdas, de falta de preparo e de oportunidades para discussões sobre essas possibilidades.
Por outro lado, essa atuação exige uma demanda de trabalho intensa, dedicação de várias horas diárias, necessidade de disponibilidade quase que integral para a atividade, já que, muitas vezes, o intérprete precisa se preparar e estudar temas, para poder passá-los ao aluno surdo nas aulas.
Deve-se considerar também, a importância do ato de interpretar, o qual corresponde ao processo cognitivo pelo qual se trocam mensagens de uma língua a outra, sejam elas orais ou sinalizadas.
Nesse sentido, a interpretação difere da tradução, já que esta é “um termo técnico que se refere, exclusivamente, ao processo de trocar mensagens escritas de uma língua para outra. Durante o breve instante da interpretação, a desverbalização não é um processo mecânico, nem um tipo de alquimia linguística, que requer somente boa vontade e onde as palavras de uma língua simplesmente se transformam em palavra de outra. A interpretação é por essência um processo de tomada de decisões sintáticas, semânticas e pragmáticas, onde frente a uma situação problema, a solução passa necessariamente pela língua” Famularo, (1999).
Neste sentido, Lacerda (2002), discute bem a posição e o papel do intérprete na sala de aula, bem como sua interação com os demais profissionais. A escola onde é feito esse tipo de trabalho, em um primeiro momento, recebe a presença do intérprete como um “remédio” para todos os problemas da inclusão do aluno surdo. Somente com o passar do tempo, a partir de reflexões mais apuradas e cuidadosas, as escolas vão percebendo certos problemas presentes e lacunas que permanecem apesar da possibilidade de comunicação e compreensão mútua, tais como questões de ajuste curricular e escolhas metodológicas.
Ao mesmo tempo em que a presença do intérprete pode ser comemorada e vista como uma solução, também, pode causar incômodo. São tensões iniciais muito comuns à sua presença; por um lado, ele é bem-vindo já que favorece a interlocução entre todos; por outro lado ele incomoda já que há uma desconfiança acerca de seus reais propósitos e do lugar que ele efetivamente deve ocupar na sala de aula.
A confiança mútua entre professor e intérprete é indispensável para o bom andamento do trabalho, mas isso só ocorrerá depois de certa proximidade, negociação de papéis e discussões que possibilitem refletir sobre essa prática no sentido de torna-la mais clara e adequada para ambos Lacerda, (idem).
Para além da questão escolar, há o funcionamento específico em sala de aula. No espaço da classe, o professor tem autonomia e como ele compreende a presença do intérprete influi muito para as ações que se desenrolam em classe. O intérprete precisa poder negociar conteúdos com o professor, revelar suas dúvidas, as questões do aprendiz e por vezes mediar a relação com o aluno, para que o conhecimento que almeja seja construído. O incômodo do professor frente à presença do intérprete pode leva-lo a ignorar o aluno surdo, atribuindo ao intérprete o sucesso ou insucesso desse aluno.
Outra possibilidade é a de polarizar com o intérprete desconfiando de sua atuação. Se não houver cumplicidade e aceitação entre professor e intérprete em sala de aula, essas tensões podem pôr a perder as possibilidades de aprender da criança surda nesse espaço escolar.
Ao integrar o espaço educacional, o intérprete passa a fazer parte dele. Os outros alunos, ouvintes, também se remetem a ele, criando questões, relacionando-se como ele como conjuntamente com o professor, para que essas solicitações não gerem conflitos . O papel do professor, responsável pela classe e coordenador do processo de ensino-aprendizagem da turma é claro e deve ser respeitado.
Todavia se o intérprete puder atuar como parceiro do professor, no que diz a respeito à educação da criança surda, dividindo inquietações e buscando soluções conjuntas, podendo a partir de seu papel de intérprete de língua de sinais, que é o de auxiliar a criança surda na aquisição de conhecimentos escolares, além melhorar e rever aspectos da prática pedagógica.
Ainda citando Lacerda (ibdem) destaca que seria desejável que o intérprete participasse também do planejamento de estratégias de aula, já que tem um conhecimento significativo sobre a surdez.
Assim, uma escola inclusiva precisa abrir espaço para a participação do Intérprete Educacional nas discussões de planejamento e organização das estratégias educacionais, uma vez que a surdez remete a um modo visual de apreensão do mundo, que quando respeitado ou favorecido pode possibilitar maiores oportunidades de desenvolvimento à pessoa surda.
5.3 A formação do Intérprete de Língua de Sinais
No Brasil, O intérprete de língua de sinais é um profissional com carreira promissora. Considerando as conquistas no âmbito da profissionalização, ainda muito recentemente, o contexto sócio-histórico e o momento político atual, projeta-se um futuro brilhante para os futuros profissionais desta área.
A preocupação acerca de quem o forma foi solucionada muito recentemente, através das Leis nº 10.436, de 24 de abril de 2002, conhecida também com Lei de Libras que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências e da Lei nº 12.319, de 1º de setembro de 2010, que regulamenta a profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, cujo artigo Art. 4o garante que:
“(...) a formação profissional do tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa, em nível médio, deve ser realizada por meio de:
I - cursos de educação profissional reconhecidos pelo Sistema que os credenciou;
II - cursos de extensão universitária; e
III - cursos de formação continuada promovidos por instituições de ensino superior e instituições credenciadas por Secretarias de Educação.
Parágrafo único. A formação de tradutor e intérprete de Libras pode ser realizada por organizações da sociedade civil representativas da comunidade surda, desde que o certificado seja convalidado por uma das instituições referidas no inciso III”.
Todavia, a formação do profissional Intérprete de LIBRAS aconteceu até o momento através de cursos de capacitação sendo ministrados em diferentes pontos do Brasil. Tais cursos funcionam como cursos de validação, pois são voltados para aqueles profissionais intérpretes empíricos, ou seja, os intérpretes de língua de sinais que atuam sistematicamente sem nenhum tipo de formação formal acadêmica.
Além destes cursos, eram propostos cursos sequenciais, ou seja, cursos de formação em nível superior com duração de dois a dois anos e meio. Esses cursos preveem a formação de intérpretes oferecendo disciplinas que contemplam as competências e habilidades em relação às línguas envolvidas, as competências e habilidades técnicas e o domínio de conhecimentos específicos em relação à tradução e interpretação.
Há ainda, os Exames de proficiências em LIBRAS para formação do instrutor e do interprete de LIBRAS que, segundo Felipe (2012) o ProLibras é um exame de proficiência que certifica, anualmente, docentes, e tradutores e intérpretes de Língua Brasileira de Sinais - Libras.
O ProLibras foi criado pelo Ministério da Educação - MEC do Brasil para cumprir a Lei 10.436/2002 e o Decreto 5626/2005. O MEC nomeou uma comissão, formada por professores de universidades (UnB, UFRJ, UFSC, UPE), representantes de várias secretarias desse ministério (SEESP, SESU, SETEC, SEED), da FENEIS e do INES que tiveram a responsabilidade de elaborar o edital e os manuais do aplicador e do participante; escolher os conteúdos programáticos e elaborar as provas.
Esse exame é diferente dos outros exames de proficiência porque o participante aprovado receberá um certificado profissional. É como um certificado de Notório Saber por essa pessoa que já ser um profissional que atua na área, mas que não tem a formação acadêmica. A diferença entre professor e instrutor de Libras estará na titulação: por já ser graduado ou ter apenas o Ensino Médio respectivamente. Tanto ouvintes como Surdos poderão fazer qualquer um dos exames até 22 de dezembro de 2015.
O ProLibras é executado pelas Instituições de Ensino Superior (IES) e deverá ser aceito pelas IES como título que comprova a competência no uso, no ensino e interpretação de Libras. Feneis (2012).
Concernente à formação universitária existem, segundo o MEC (2012) apenas 07 (sete) IES promovendo cursos de graduação em LIBRAS, sendo uma dessas com formação em bacharelado e as demais licenciaturas, destas últimas 02 (duas) promovem a respectiva formação na modalidade a distância - EaD, que por sua característica consegue constituir polos presenciais em 16 Estados brasileiros.
As pioneiras desse processo, a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC (bacharelado e licenciatura / presencial e EaD); Universidade Federal de Goiás – UFG (licenciatura / presencial); Centro Universitário Newton Paiva (licenciatura / presencial); Universidade Federal da Paraíba – UFPB (licenciatura / EaD); Universidade Estadual do Piauí – UESPI (licenciatura / presencial); FACVEST (licenciatura / presencial) e a Faculdade de Campina Grande do Sul – FACSUL (licenciatura / presencial).
Recentemente foram autorizadas pelo MEC a Faculdade Eficaz (licenciatura / presencial) e a Universidade de Brasília – UnB (licenciatura / presencial).
No âmbito da Educação Técnico-Profissionalizante, o Ministério da Educação, através da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC), constituiu Cursos de Formação Inicial e Continuada do Eixo Tecnológico: Apoio Educacional, o Curso Libras Básico, com carga horária de 160 horas objetivando capacitar profissionais na língua Brasileira de Sinais, oportunizando o preparo de técnicas para a melhoria do atendimento da demanda e cumprimento das exigências legais, em beneficio às pessoas surdas e com deficiência auditiva. SETEC, (2011)
No último dia 06 de junho de 2012 foi aprovada a Resolução nº 04 do CNE com a inserção no Cadastro Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio, os Curso Técnico em Tradução e Interpretação de Libras e do Curso Técnico em Produção de Materiais Didáticos Bilíngue em Libras/Língua Portuguesa cada um com carga horária mínima de 1200 horas. SETEC, (2012)
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na Educação de Surdo, os personagens cumprem seus papéis, sejam eles Professores Surdos ou Intérprete Educacionais, ambos serão altamente requisitado e necessários para que a efetiva participação do surdo aconteça, ora na sala de aula ora nos movimentos sociais, o momento pede cooperação e participação.
Não basta vestir a camisa da inclusão ou do bilinguismo se não percebemos o ser humano que está por trás de todo esse movimento contemporâneo. É preciso muito mais que isto. É preciso conhecer, se informar, defender e reconhecer que precisamos um do outro para nos fazermos gente. Pessoas dotadas de responsabilidades e o que distingue surdos de ouvintes é a sua impossibilidade de ouvir, mas possível de ver, sentir e se emocionar.
O Professor Surdo pode ser este sujeito. O Interprete Educacional pode mediar este processo. Fazer vibrar o aluno surdo com suas conquistas, empoderando-o de dados, informação, saberes e conhecimentos que melhorarão sua forma de ver e participar do mundo.
A escola, a sociedade em geral não está preparada para perceber essas diferenças, mas cabe a cada indivíduo trabalhar nesta perspectiva: construir e edificar bases sólidas que sustentem toda esta discussão atual em prol de dias melhores em um futuro a ser construído.
Certamente se assim fizermos colaboraremos na construção de uma sociedade mais justa, humana e democrática. Um País mais digno para se viver e se sentir partícipe desse processo reconhecendo que as barreiras servem para nos desafiar e, obviamente cabe a nós próprios a tarefa de derrubá-las a cada nova situação que nos indigne e nos provoque senso de injustiça social.
7 REFERÊNCIAS
BRASIL. RS. Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos. Fundação de Articulação e Desenvolvimento de Políticas Públicas para Pessoas Portadoras de Deficiência e de Altas Habilidades no Rio Grande do Sul – FADERS. Tradução e Interpretação em Libras. Disponível em: http://www.faders.rs.gov.br/portal/index.php?id=servico&cat=21&cod=28. Acesso em 09.06.2012.
BRASIL.MEC. Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados. Disponível em http://emec.mec.gov.br/. Acesso em 09.mai.2012.
____________ . Cadastro Nacional de Cursos Técnicos de Nível Médio. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) – Brasília: SETEC, 2012.
BRASIL.SITEC. Guia Pronatec de Cursos FIC. Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (SETEC) – Brasília: SETEC, 2011.
FELIPE, Tanya A. O que é o ProLibras ?. disponível em http://www.feneis.org.br/page/prolibras.asp. Acesso em 12.jun.2012.
PEREIRA, Maria Cristina Pires. Interpretação interlíngüe: as especificidades da interpretação de língua de sinais. Disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/viewFile/8231/7587. Acesso em 09.jun.2012.
QUADROS, Ronice Müller de. O tradutor e intérprete de língua brasileira de sinais e língua portuguesa / Secretaria de Educação Especial; Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos - Brasília: MEC; SEESP, 2004.
STUMPF, Marianne Rossi. Pedagogia surda no contexto cotidiano da inclusão: espaços, prática e políticas dentro e fora... Artigo publicado na www.niee.ufrgs.br/pubicações/artigos/da_ribie. Acesso em 20/05/2012.
WILLIAMS, Jenny & CHESTERMAN, Andrew. The Map – A Beginner´s Guide to Doing Research in Translation Studies, 2002.