Intuicionismo
Jules Henri Poincaré
Jules Henri Poincaré, nasceu em Nancy, 29 de abril de 1854 em Paris e morreu em 17 de julho de 1912 deixando um grande legado e grande respeito por sua produção como matemático, físico e filósofo da ciência francês.
Ingressou na Escola Politécnica em 1873, continuou seus estudos na Escola de Minas sob a tutela de Charles Hermite, e se doutorou em matemática em 1879. Foi nomeado professor de física matemática na Sorbonne em 1881, posto que manteve até sua morte. Antes de chegar aos trinta anos desenvolveu o conceito de funções automórficas, que usou para resolver equações diferenciais lineares de segunda ordem com coeficientes algébricos.
Em 1895 publicou seu Analysis situs, um tratado sistemático sobre topologia. No âmbito das matemáticas aplicadas estudou numerosos problemas sobre óptica, eletricidade, telegrafia, capilaridade, elasticidade, termodinâmica, mecânica quântica, teoria da relatividade e cosmologia.
Intuicionismo de Poincaré
Dentre as várias abordagens do pensador Poincaré, está o intuicionismo que é compreendida na perspectiva segundo a qual os processos matemáticos são construções mentais, a mente é por si mesma o único instrumento que possibilita a construção de entidades matemáticas, ou seja, é a partir das construções neurais orgânicas.
Deste modo o intuicionismo afirma-se como uma forma de construtivismo de objetos matemáticos, onde a existência destes somente é possível se for indicado um raciocínio mental que efetivamente nos permita aceder a eles. Portanto, o intuicionismo é também uma forma de anti-realismo.
A escola intuicionista inspira-se na filosofia do conhecimento kantiano opondo-se à perspectiva platonista que inspirava os logicistas. O racionalismo platônico assume implicitamente um realismo das verdades matemáticas considerando-as eternas e independentes da mente do matemático, por sua vez a perspectiva criticista toma o conhecimento matemático como sendo sintético a priori, ou seja, há uma participação do sujeito na formulação do conhecimento.
Poincaré coloca-nos em face de um dilema, pois, por um lado, como pode a matemática ser perfeitamente rigorosa, não sendo completamente dedutiva? Por outro lado, sendo a matemática inteiramente dedutiva, como é que não se reduz a uma imensa tautologia? Este dilema é solucionado pela intuição matemática. Esta permite de um modo sintético, estabelecer conclusões que acrescentam algo mais ao que é dada pelas premissas e como tal a construção matemática situa-se para além do mero raciocínio silogístico dedutivo.
A tese central de Poincaré é que existe um nível do raciocínio matemático que é irredutível à lógica e que se atinge pela intuição. A passagem do finito ao infinito dá-se, não por argumentos lógicos, mas sim por um mecanismo intuitivo, uma estrutura inerente ao sujeito que possibilita a construção e criação de objetos. Este mecanismo intuitivo encontra a sua expressão matemática no princípio de indução matemática. Deste modo, ao contrário dos axiomas da geometria, a indução matemática, não é uma convenção, mas sim, um juízo sintético a priori que não é redutível a nenhum axioma da lógica, encontrando-se condensados, por assim dizer, numa fórmula única uma infinidade de silogismos.
Naturalmente, Poincaré opõe-se a esta concepção, que estabelece o princípio de indução como uma definição disfarçada dos números naturais. Poincaré considera, ao contrário de Russell, que o número inteiro se define como, todo aquele a partir do qual se pode raciocinar por recorrência.
Para ele, o princípio de indução é um raciocínio por recorrência, que permite estabelecer os números inteiros e, como tal, a aritmética jamais poderá reduzir-se a axiomas lógicos, pois entre a aritmética e a lógica existe uma entidade intuitiva, extra-lógica intrínseca ao próprio sujeito pensante, que impossibilita a redução de uma à outra.
Do ponto de vista de Poincaré a admissão por parte dos lógicos de determinados princípios como proposições indemonstráveis poderemos pensar estes princípios como constituídos por termos indefinidos, por si só, não resolve os problemas inerentes ao princípio de indução. Para Poincaré estes princípios são juízos sintéticos a priori que apelam à intuição, e se assim não os considerarmos, então terá que provar que eles são isentos de contradição consistentes e tal só é possível recorrendo a um número infinito de deduções. Simplesmente tal raciocínio é justamente um raciocínio por recorrência que pressupõe admitir previamente o princípio de indução.
Pode-se afirmar que existem duas interpretações correntes dos textos de Poincaré sobre os fundamentos da matemática. Uma afirma que a concepção de Poincaré acerca da lógica é um equívoco, os seus argumentos anti-logicistas, no fundo, não atingem o programa logicistas e revelam certa ignorância das preocupações dos lógicos da altura. Nesta óptica, os argumentos de Poincaré são tomados como uma defesa da psicologização da matemática e não como uma resposta epistemológica neo-kantiana.
A outra interpretação considera que Poincaré não se debruça sobre os fundamentos da lógica, mas tece uma proposta epistemológica relativa aos fundamentos da matemática, neo-kantiana e anti-platonista, que olha a intuição como irredutível e a matemática como predominantemente fundamentada em juízos sintéticos a priori.
Poincaré preocupa-se em mostrar que a lógica gera antinomias, contradições e paradoxos não sendo, portanto, um fundamento seguro para os alicerces da matemática. Porém, os argumentos a que recorre ao longo dos seus artigos fazem uso da própria lógica. Por exemplo, quando reclama o caráter extra-lógico do princípio de indução e quando tenta implodir o edifício lógico pela explicitação dos paradoxos. Este é um erro estratégico de argumentação: combater a lógica pela lógica é um combate de antemão perdido.
Uma maneira de contornarmos esta armadilha de usarmos outros instrumentos para além daqueles que são considerados como os legítimos segundo os lógicos seria recorrer a outra dimensão do discurso, por exemplo, um discurso metafórico onde o discurso lógico representasse um mero núcleo residual de entendimento analítico, ou então recorrer unicamente ao discurso lógico como uma espécie de escada que depois podíamos deitar fora, Poincaré não faz isso.
A sua linha de análise além de ser firmada numa contextualização histórica referindo-se amiúde aos matemáticos da sua época e aos seus trabalhos também é, no entanto, por um lado, Poincaré tenta dar uma resposta epistemológica a um problema relativo aos fundamentos da matemática, por outro lado, a sua proposta acaba por não ser epistemologicamente tão desejável.
A sua resposta é uma reflexão original e individual que se afirma mais por uma crença em determinados pressupostos relativa ao raciocínio matemático, por exemplo, o papel da intuição e da indução e às suas relações com a lógica, do que propriamente uma resposta epistemológica completamente fundamentada na filosofia kantiana. Esta é uma característica geral dos textos científico-epistemológicos de Poincaré, alicerçam-se numa estrutura de pensamento científico, edificam-se mediante regras dessa matriz interna e revestem-se com uma roupagem epistemológica.