Educação ao longo da vida

Educação ao Longo da Vida

A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica na negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim também na negação do mundo como uma realidade ausente dos homens. (FREIRE, 1970. Pedagogia do Oprimido. p.81)

Manfredi, em uma releitura de Gramsci, levantou questões sobre a redefinição das metas e objetivos de uma educação voltada para os interesses das classes subalternas. Em suas palavras, “sempre se colocou em primeiro plano a transmissão de um saber pronto, acabado, em fim, do saber constituído”. Segundo a autora, a proposta consistia em uma nova perspectiva educacional, distanciada do tradicionalismo que confirmava os interesses das classes dominantes. A partir dessa perspectiva perguntou ela, “Que saber seria esse?” (MANFREDI, 1978, p.56).

A década de 70 foi o palco para surgimento de uma educação não-formal, inicialmente vista como extensão da educação formal, segundo Gohn (2005) e que teve sua importância reconhecida somente nos anos 90, devido às mudanças ocorridas no âmbito social. A publicação de documentos como o “Plano de Ação para satisfazer necessidades básicas da aprendizagem” e a “Declaração mundial sobre educação para todos”, ampliaram o campo educacional e relacionaram a concepção do ‘saber’ “às dimensões éticas, espirituais e materiais da vida humana” (Gohn apud Unicef, 1992, p.93). Ainda segundo a autora, o conceito de educação está vinculado ao conceito de cultura (p.98), o que implicaria em um ensino-aprendizagem adquirido ao longo da vida dos cidadãos: “A educação de um povo consiste no processo de absorção, reelaboração e transformação da cultura existente, gerando a cultura política de uma nação” (GOHN, 2005, p.98).

Pensar em uma educação de e para as classes populares, subalternas, vinculada a um conceito de cultura e entendendo-se cultura como modos, formas, ação dos homens sobre a história, onde se constrói a cultura, nos remete a pensar em todos os conhecimentos gerados pelo homem e resultantes de suas relações com o meio e com outros homens, ou seja, suas experiências de vida, seus conceitos familiares e sociais, suas crenças, seus mitos, sua identidade socialmente construída. Em suma, um saber popular, proveniente de classes populares.

Para Garcia (1987),

O saber popular é fruto de experiências de vida (trabalho, vivência afetiva, religiosidade, etc.). É a partir deste saber que o grupo se identifica como tal, troca informações entre si, interpreta a realidade em que vive. (GARCIA, 1987, p.109)

O autor ainda esclarece que não se deve cometer o erro de acreditar que o saber popular está carregado de ingenuidade, solidariedade, hospitalidade, definindo-o erroneamente, como algo “puro”. Há, nele, também, formas “ativas”, carregadas de astúcia que nem sempre se costuma admitir devido a uma ética que a rejeita. Exemplificando, o autor menciona as barganhas políticas vivenciadas pelas classes populares no período de eleições, como não sendo falta de consciência política, mas podendo ser realismo político: “É um dos momentos em que lhe permitem exercer seu poder de barganha” (p.110), comenta, referindo-se a que, fora desses momentos, o sujeito popular é visto e caracterizado pelas classes dominantes com uma ingenuidade que ele não vê problemas em confirmar ao longo da vida e que somente abandona quando disto depende para obter benefícios concretos. Assim seria a construção do saber popular, algo proveniente das experiências de vida, da vivência do indivíduo.

O escolacentrismo e o cientificismo foram instrumentos que descaracterizaram e desvalorizaram o saber cotidiano, resultante das experiências do senso comum. Arroyo (1987, apud MOTA NETO, 2008), afirma que o escolacentrismo que marca a história da Pedagogia, não nos permite compreender a formação integral do ser humano, que acontece, segundo o autor, “não apenas na escola, mas no real e na escola como parte desse real”.

Sendo assim, a educação ao longo da vida vem se concretizar, principalmente, pelo cotidiano social, através do compartilhamento de conhecimentos repassados oralmente, de geração à geração, de pai para filho, como uma forma de orientar a convivência social. Dentro desse conceito, a Educação de Jovens e Adultos (EJA), realizada fora da rigorosidade dos conteúdos escolares, é um dos meios onde se processa a dialogicidade entre os sujeitos conscientes, situados historicamente e produtores de saberes e lógicas culturais, e se torna uma via de transmissão de valores, conhecimentos, experiências, relatos, cultura, religiosidade, práticas sociais, memórias, representações, códigos linguísticos, que favorecem a construção da identidade dos sujeitos.

Estes espaços, assim como também os espaços destinados à educação de idosos, passam a ser ambientes onde se confirma uma educação não-formal, mas do cotidiano, com fortes características culturais, étnicas, religiosas e políticas. A cultura popular, segundo Mota Neto (2008, p.61), “possui não somente uma conotação política – de contestação ao instituído –, mas epistemológica, pois passa a ser vista como uma lógica de pensar específica deste segmento”.

Ainda conforme o autor é preciso compreender a educação do cotidiano como uma prática social (com sujeitos concretos, imersos em contradições de dominação e resistência), educativa (a partir da cultura popular dos sujeitos sociais), gnosiológica (sujeitos construtores de conhecimento). Antes mesmo de integrar a escola, a criança assimila conhecimentos provenientes dessa educação não-formal, mas que lhe permitem integrar um grupo social, uma comunidade, o mundo, preservando sua cultura, sua memória, sua identidade.

A educação popular sobrevive em diferentes lugares, espaços e tempos. Enquanto ação crítica e transformadora, a educação popular tem o desafio permanente de firmar a presença dos segmentos populares, assim como de garantir a presença dos sujeitos neles inseridos, promovendo a ampliação cultural e o desenvolvimento humano.

Arroyo (2002, apud KAY, 2007, p.110), afirma que a educação popular objetivando um projeto de mudança educacional, deve configurar-se em um conjunto de valores, compromissos, posturas e em uma nova cultura pedagógica que interprete o povo brasileiro, não como forma de dominação, mas para compreender as dificuldades enfrentadas na produção dos saberes populares em seus movimentos de libertação. É neste sentido que a Educação popular se configura como agente de inclusão dos sujeitos populares, valorizando o senso comum e respeitando seus processos de construção dos saberes populares.

Em suas áreas de abrangência, a Educação Popular envolve a aprendizagem política dos direitos dos indivíduos enquanto cidadãos, dando-lhes a conscientização necessária para a compreensão de seus interesses e do meio social, por meio da participação em atividades grupais.

E onde se concretizam as práticas não-escolares? Para Arroyo (1987, p.18), “Há uma pedagogia em marcha, que vai além da escola, na própria história, nas lutas sociais, na prática produtiva e político-organizativa”. Essa prática social é vista como antieducativa pelas classes dominantes, que restringem o conhecimento ao ambiente escolar. Conclui-se, assim, que as práticas não escolares se concretizam no espaço social, nas lutas contra a segregação escolar, social, econômica e cultural.

Bibliografia

MOTA NETO, J. C. A Educação no Cotidiano do Terreiro: saberes e práticas culturais do Tambor de Mina na Amazônia. Dissertação de Mestrado, UEPA. Belém(PA), 2008.

KAY, Márcia. Concepções e Práticas de Educação Popular na América Latina: perspectiva freiriana. Cadernos de Pós-Graduação – Educação, v. 6, p. 99-113. São Paulo: 2007.

ARROYO, Miguel Gonzales. A escola e o movimento social: relativizando a escola. In Revista da Associação Nacional da Educação – ANDE. Ano 06 N. 12, p. 15-20. São Paulo: Cortez, 1987.

GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal e cultura política: impactos sobre o associativismo do terceiro setor. 3ª Ed. Coleção Questões da Nossa Época, v.17. São Paulo: Cortez, 2005.

MANFREDI, Silvia Maria. A Educação Popular no Brasil: uma releitura a partir de Antônio Gramsci. In BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). A questão política da Educação Popular. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

GARCIA, Pedro Benjamin. Educação Popular: algumas reflexões em torno da questão do saber. In BRANDÃO, Carlos Rodrigues (org.). A questão política da Educação Popular. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.

Gaby Faval
Enviado por Gaby Faval em 20/11/2013
Código do texto: T4579585
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