EDUCAÇÃO SEXUAL – DO TRANSVERSAL AO CURRICULAR INTERDISCIPLINAR: PRÁTICA CRÍTICA FILOSÓFICA E FREIREANA

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo demonstrar a importância e a necessidade de inserir e desenvolver a Educação Sexual em todas as instâncias educacionais, como instrumento de construção da criticidade, dos valores morais, da ética, da individualidade e das relações interpessoais do indivíduo, tendo por base uma proposta educacional crítico-filosófica fundamentada na teoria freireana e trabalhada de forma interdisciplinar, com crianças, adolescentes e jovens em escola pública de Belém-Pará-Brasil.

Essa proposta consiste em estratégia metodológica de uma pesquisa-ação, de abordagem qualitativa, na qual foram implantados grupos de discussão em turmas do Ensino Fundamental e Médio, acompanhadas ao longo de um ano letivo, buscando trabalhar a relação dos saberes curriculares com os conceitos existentes, prévios ou escolarizados, sobre sexualidade.

As discussões trazidas pelos discentes, relatos pessoais, conceitos, tabus e mitos extra-escolares foram registradas observando-se, também, as possíveis alterações comportamentais registradas pelos docentes e pelo pesquisador no cotidiano escolar. O registro dessas atividades foi feito através de relatórios e fotos, tendo sido aplicado, também, um questionário específico a docentes, pais, crianças, adolescentes e jovens. Para sistematização e coleta de dados foram construídas categorias temáticas.

O problema de nossa investigação foi: a educação sexual pode ser trabalhada pedagogicamente em sala de aula, de maneira interdisciplinar e em diálogo com os saberes experienciais dos educandos, não a vinculando a uma disciplina específica, como normalmente se vislumbra ao mencionar a curricularização desta, mas inserindo-a ao conteúdo de todas as disciplinas?

Compreendemos que para explicitar-se qualquer problemática da Educação Sexual, primeiramente é preciso que se entenda a sexualidade como condição básica para a existência pessoal, dimensionada em um processo biológico, psicológico, sociocultural e existencial do indivíduo. Estes processos definirão a formação do EU, a abertura ao outro (TU), as relações interpessoais (NÓS), e ao mundo, a expressão social do ser homem e do ser mulher, expressão e consciência de vida e morte e o agir moral (BRASIL, 2006). Segundo Freud, “é por meio do prazer que sente, nas várias partes do corpo, que a criança organiza a própria existência”. Popularmente se acredita que a pulsão sexual está ausente da infância e só desperta a partir da puberdade, “equívoco responsável por nossa ignorância sobre as condições básicas da vida sexual”. (FREUD, 2006, p. 22)

É pela compreensão ampla de sua sexualidade que o indivíduo constrói sua linguagem social, sua afetividade e se apropria de seu corpo criando suas realizações ou frustrações. Essas punções sexuais, portanto, estão presentes desde o nascimento e, obviamente, apresentam-se no espaço escolar. Assim, compreende-se que a Educação Sexual jamais poderia ser trabalhada de forma pontual, restrita às questões biológicas e preventivas do ser humano, ou compreendida em uma única fase do desenvolvimento.

Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais do Brasil, no tocante aos Temas Transversais, a implantação de Educação Sexual nas escolas significou uma grande contribuição “para o bem-estar das crianças e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura” entendendo-a inclusive, em sua forma mais ampla, como forma de expressão cultural, com dimensões biológicas, psíquicas e socioculturais e sendo um complemento à função familiar (BRASIL, 2006, p. 8-10).

A publicação dos PCNs, em 1996, representou um salto extremamente importante para a consolidação da Educação Sexual no espaço escolar. Uma proposta que visava, pela transversalidade, ampliar as questões que envolviam a sexualidade. Segundo os PCNs era clara a falha das escolas na abordagem da temática:

Praticamente todas as escolas trabalham o aparelho reprodutivo em Ciências Naturais. Geralmente o fazem por meio da discussão sobre a reprodução humana, com informações ou noções relativas à anatomia e fisiologia do corpo humano. Essa abordagem normalmente não abarca as ansiedades e curiosidades das crianças, nem o interesse dos adolescentes, pois enfoca apenas o corpo biológico e não inclui a dimensão da sexualidade. (BRASIL, 1998, p. 292)

No entanto, apesar da proposta de transversalidade apresentada pelos PCNs recomendar este direcionamento para a prática docente, as discussões sobre sexualidade em sala de aula não se ampliaram, permanecendo restritas ao campo biológico.

Para Bernardi (1985) a escola é dessexualizada e dessexualizante. Uma instituição que acredita estar realizando Educação Sexual, mas que, na verdade, estaria transmitindo nada menos que “uma informação desencorajante e enfadonha, acompanhada de normas que visam salvaguardar as instituições”(p.29). As críticas a esse enfoque castrador e superficial não são poucas e deixam a certeza de que a transversalidade não atingiu plenamente os objetivos de sua proposta inicial.

É necessário que a Escola seja entendida em um papel secundário quanto à responsabilidade de iniciar a discussão com o aluno sobre sua sexualidade, mas no papel principal de suprir a carência de informações do educando desde a infância, através de uma Educação Sexual clara, sem falsos pudores, problematizadora, não somente a respeito da sua sexualidade, mas também da sua saúde, com o intuito de auxiliá-lo a encontrar sua própria identidade, construir seus critérios morais e avaliar seu contexto, escolhendo o melhor caminho para tornar-se um sujeito crítico, autônomo e social.

Historicamente os professores são preparados para ensinar as disciplinas fragmentadamente, como afirma Lombardi (2003), em uma representação da própria fragmentação da sociedade na qual estamos inseridos. Segundo o autor,

[...] quando se fala em trabalho interdisciplinar na escola é preciso tomar cuidado para não se ocultar toda essa realidade, colocando-o como um recurso que se poderia sobrepor a toda essa trajetória histórica da fragmentação da sociedade, do trabalho, das ciências, das universidades, da profissão e da própria escola” (LOMBARDI, 2003, p.181)

Tomando por referência estas colocações, entende-se que os conteúdos disciplinares não podem ser explicados por si só, pois perpassam uns pelos outros em uma estreita relação social, política, cultural, econômica e ideológica, precisando ser relacionados por meio da interdisciplinaridade.

Para Chauí (1999) a atitude filosófica é inerente ao ser humano e está presente no seu cotidiano através de uma constante interrogação sobre si mesmo, suas crenças, seus sentimentos e valores. E define a Filosofia como:

A decisão de não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido. (CHAUÍ, 1999:12)

Se as ciências são resultados de pensamentos filosóficos que questionam a realidade para poder agir sobre ela, a Filosofia, ainda segundo Chauí, se definiria como a “arte do bem-viver”, estudando paixões e vícios humanos, liberdade, vontade, a razão, impondo limites aos desejos e paixões humanas” (p.13).

Nesse contexto, a Filosofia é percebida como via dialética para a discussão das questões sexuais, por considerar-se que nela se confrontam o senso comum e a criticidade do indivíduo, como afirma Goldman (1979 apud NUNES, 1996) ao dizer que "A filosofia é uma tentativa de resposta conceitual aos problemas humanos fundamentais tal como estes se apresentam em certa época numa determinada sociedade.".

Conjuntamente ao uso da Filosofia, inserimos na proposta educacional o conceito freireano de respeito e valorização dos saberes do educando:

[...] pensar certo coloca ao professor ou, mais amplamente, à escola, o dever de não só respeitar os saberes com que os educandos, sobretudo os das classes populares, chegam a ela saberes socialmente construídos na prática comunitária – mas também discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. (FREIRE, 1996: 30)

Oliveira (2003) completa esta definição quando afirma que a visão de mundo de cada ser humano é “produto de seus questionamentos e reflexões sobre as ações, os sentimentos e as ideias extraídas da vivência cotidiana e geradas pela curiosidade” (p.24). E a curiosidade nada mais é do que o “motor” que movimenta as crianças e adolescentes na busca de sua própria identidade, uma identidade que também se forma na construção de sua sexualidade.

Dessa forma, uso crítico da filosofia com bases educacionais freireanas, para o desenvolvimento de uma Educação Sexual interdisciplinar, realizada a partir dos próprios alunos e dialogada por eles, para a construção e compreensão da sexualidade em sua totalidade coletiva e individual foi efetivada na pesquisa-ação.

Neste artigo apresentamos inicialmente a educação sexual crítica construída com base nos pressupostos filosófico-dialético de Paulo Freire, seguida da aplicação da proposta na educação pública.

Educação Sexual crítica: uma proposta filosófico-dialética em Paulo Freire

A dialogicidade é definida por Paulo Freire (1986) como algo que faz parte da própria natureza histórica do ser humano, na medida em que estes se transformam em seres criticamente comunicativos, refletindo juntos sobre o que sabem ou não e atuando criticamente na transformação da realidade.

Segundo o autor, a educação dialógica parte da compreensão que os alunos têm de suas experiências de vida cotidiana, do concreto, do senso comum, para chegar a uma compreensão rigorosa da realidade. Para ele

O rigor científico vem de um esforço para superar uma compreensão ingênua do mundo. A ciência sobrepõe o pensamento crítico àquilo que observamos na realidade, a partir do senso comum. (FREIRE, 1986, p.69)

Fazendo uma relação direta com a Filosofia, nos remetemos a Chauí (1999, p.12), quando afirma que “a primeira característica da atitude filosófica é negativa, isto é, dizer não ao senso comum, aos pré-conceitos, aos pré-juízos, aos fatos e às ideias da experiência cotidiana, ao que todo mundo diz e pensa, ao estabelecido”.

Concordamos com Chauí que precisamos fazer crítica aos pré-conceitos e aos discursos ideológicos. No entanto, a proposta aqui apresentada, por embasar-se em conceitos educacionais freireanos, opõe-se ao olhar negativo ao saber do senso comum, tendo em vista que este é considerado base de vivências e experiências que constituem o conhecimento do indivíduo, e passa a utilizar-se dele para construir a criticidade como afirma Freire ao dizer que,

Como presenças no mundo, os seres humanos são corpos conscientes que o transformam, agindo e pensando, o que os permite conhecer ao nível reflexivo. Precisamente por causa disto podemos tomar nossa própria presença no mundo como objeto de nossa análise crítica. Daí que, voltando-nos sobre as experiências anteriores, possamos conhecer o conhecimento que nelas tivemos. (FREIRE, 1981, p.72)

Assim, a discussão da sexualidade humana se inicia, igualmente, pela negativa que provoca o questionamento das ideias pré-estabelecidas pela sociedade, portanto, inicia-se mediante uma atitude filosófica.

Nunes (1996) explica a relação da Filosofia com a sexualidade como “um resgate do conceito de ‘dialética’ na tradição própria da construção social e histórica da Filosofia”. O autor ainda defende a atitude política de buscar “romper com o pensamento dominante sobre a sexualidade, que pretende reduzi-la a um amontoado de noções biologistas, instintivas ou institucionais morais”, compreendendo a sexualidade através das relações sociais e culturais historicamente construídas, “em uma concepção de realidade, de mundo, uma visão de homem e da história”, superando o senso comum. (NUNES, 1996, p.10)

A Educação Sexual não acontece quando os sujeitos que a instrumentalizam não são incentivados a dialogá-la, problematizá-la e refletir sobre ela. Sem o diálogo construído pela práxis educativa, a sexualidade passa a ser manipulada, dirigida pela unilateralidade do educador e perde sua função crítica e transformadora.

Nesse sentido, a proposta freireana para a Educação Sexual é, através de certas contradições sua condição de opressão, de privação de direitos, de significação que exige do sujeito uma ação, uma resposta. Assim, “a ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob a pena de se fazer bancária ou de pregar no deserto” (FREIRE, 1977, p.102).

O que observamos nas salas de aula é justamente esse “pregar no deserto”, pois os conteúdos utilizados e impostos pela escola tornam-se tão castradores, privadores da liberdade do “ser mais” que humaniza o sujeito, que se tornam desinteressantes, enfadonhos para o educando e não surtem efeito algum.

Neste sentido, imprescindível se torna adotar uma educação que possibilite ao ser humano discutir corajosamente suas problemáticas em um diálogo constante com o outro. Como afirma Freire (1967), assumir uma educação:

que o advertisse dos perigos de seu tempo, para que, consciente deles, ganhasse a força e a coragem de lutar, ao invés de ser levado e arrastado à perdição de seu próprio “eu”, submetido às prescrições alheias. [...] Que o predispusesse a constantes revisões. À análise crítica de seus “achados”. A uma certa rebeldia, no sentido mais humano da expressão. Que o identificasse com métodos e processos científicos. (FREIRE, 1967, p.90)

A falta desse posicionamento por parte da educação é o que vem gerando homens e mulheres massificados (as), criticamente inconscientes diante da vida, que se excluem das decisões inerentes à sua realidade e passam a considerar somente as opiniões que lhe são apresentadas pelos meios de publicidade.

Ainda segundo Freire (1967) é preciso

uma educação que levasse o homem a uma nova postura diante dos problemas de seu tempo e de seu espaço. A da intimidade com eles. A da pesquisa ao invés da mera, perigosa e enfadonha repetição de trechos e de afirmações desconectadas das suas condições mesmas de vida. A educação do “eu me maravilho” e não apenas do “eu fabrico”. A da vitalidade ao invés daquela que insiste na transmissão do que Whitehead chama de inert ideas — “Ideias inertes, quer dizer, ideias que a mente se limita a receber sem que as utilize, verifique ou as transforme em novas combinações. (FREIRE, 1967, p.93)

A partir do ponto em que consideramos que a criticidade do sujeito se constitui de sua capacidade de dialogar com os problemas de sua realidade vivenciando-os e negando-se à mera contemplação a que nos remete a sociedade capitalista, a educação, então, teria que ser repensada, de forma a tornar-se instrumento de constante mudança de atitude para o sujeito, dando-lhe a permeabilidade característica da consciência crítica. Nas palavras do autor “Quanto menos criticidade em nós, tanto mais ingenuamente tratamos os problemas e discutimos superficialmente os assuntos” (FREIRE, 1967, p.96). Daí a necessidade de refazermos o questionamento, que também foi feito por ele e que ainda nos é pertinente: Como aprender a discutir e a debater com uma educação que impõe?

Acostumamos-nos a ditar ideias, discursar aulas e impormos ao educando “uma ordem à qual ele não adere, mas se acomoda” (p.97). “Damos” uma educação que repete fórmulas, incapaz de gerar compreensão e análise por não proporcionar pesquisa, vivência, procura e recriação. Para educar transformadoramente, é preciso saber trocar ideias, debater temas e propicicar meios para um pensar autêntico.

É esse buscar que possibilita o surgimento dos temas geradores e estes, por sua vez, geram novos questionamentos. O ser humano, como ser histórico-social, criticiza, reflete e transforma, e a cada transformação, mais se questiona, alimentando a consciência crítica, fazendo a educação para a liberdade. Educação esta que buscamos e acreditamos impressindível para a verdadeira sexualidade.

Aplicação da proposta filosófico-dialética: algumas experiências na educação pública

a) Sexualidade e História

Nos encontros com a turma 1 constituida de 25 educandos do 8º ano, foram utilizadas as “caixas de segredos”, em que colocavam as suas perguntas. Na temática geradora as práticas sexuais, os alunos escolheram como último tema “sexo oral”.

Após a realização das dinâmicas iniciais e do desenvolvimento de algumas discussões relacionadas ao tema, foi apresentado aos alunos o vídeo “Sexo na Antiguidade – Pompéia”, como forma de apresentar os hábitos sexuais das populações da antiguidade. O vídeo foi utilizado com o objetivo de mostrar aos alunos que o sexo oral, assim como o sexo anal, a prostituição e a homossexualidade não são práticas das gerações atuais e sim práticas muito antigas, realizadas em todas as populações. A reação dos alunos foi bastante surpresiva ao perceber que as ruas de Pompéia e as casas dos habitantes tinham representações de falos em diversos tamanhos.

Aos alunos foi esclarecido que era comum presentear uma casa à qual se ia em visita com uma estátua onde se destacava um falo enorme e que isto era devido ao conceito que se tinha de que o homem era detentor da vida e da fertilidade. As perguntas que surgiram tinham relação com a história e demonstravam a curiosidade dos alunos em aprofundar tanto os conhecimentos históricos quanto os sexuais vinculados à história. De igual forma, a reação dos alunos diante das estátuas, imagens e falas exibidas no vídeo atingiram o objetivo educacional de mostrar a evolução da sexualidade ao longo da história e uma melhor compreensão para os alunos, das práticas atuais.

b) As perguntas abertas e o início do trabalho interdisciplinar

A turma 2, pertencente ao 3º ano do Ensino Médio, teve algumas características próprias. A primeira delas é a utilização, desde um princípio, das perguntas abertas, sem utilização da “caixa de segredos”. A segunda é a participação ocasional de alguns docentes nos encontros. Ressaltaremos aqui o último encontro realizado com a turma, por tratar-se do início da prática interdisciplinar objetivada pela proposta.

No encontro foi trabalhada a temática “virgindade”. Foram formados três grupos: o grupo A (intitulado pelos alunos de “Depravados”), que defenderia o direito a perder a virgindade antes de casar; o grupo B (“Cabaço de aço”) que se posicionaria pela castidade até o casamento; e o grupo C (intitulado “Casa de Deus”) que faria intervenções usando o comando “SANTUÁRIO”, defendendo o posicionamento das religiões. Este grupo contou com a participação ativa do Professor de História. Os grupos A e B não poderiam fazer referências religiosas. O debate foi registrado em forma de vídeo e teve sua segunda etapa realizada em outro dia, onde se observou uma participação muito maior de alunos.

O objetivo interdisciplinar começou a ser atendido, apresentando excelentes resultados, principalmente para os alunos, na medida em que, conforme depoimento dos próprios alunos, foi importante trocar-se de lugar com o outro, já que os integrantes dos grupos formados eram, em grande maioria, contrários às ideias que deveriam defender. Outro ponto relevante foi a falta de argumentos de alguns participantes ao serem questionadas seus posicionamentos excluíndo-se a visão religiosa que pudesse direcioná-los.

O resultado, tanto da atividade onde se relacionou a sexualidade ao seu processo histórico, quanto da discussão sobre virgindade, foi muito satisfatório. Na primeira os alunos puderam perceber que as práticas sexuais não eram algo resultante do avanço das sociedades ou da modernidade, mas eram expressões culturais e históricas, livres de tabus e pudores e que, na maioria das vezes significava prosperidade e fertilidade, além de estarem relacionadas diretamente a uma busca constante de prazer, o que era o principal objetivo das antigas populações – a qualidade de vida.

Na discussão sobre virgindade, ressalta-se a compreensão da temática. Para os alunos que afirmaram não ser mais virgens, foi muito importante compreender o significado desta para os demais colegas de turma. Alguns afirmaram que nunca haviam percebido a virgindade como um planejamento de vida e que a partir da atividade, se viram obrigados a estudar sobre a questão cultural e a constituição social que configura a virgindade dentro das práticas sociais. O mesmo fato ocorreu com relação aos discentes que defendiam o direito a perder a virgindade antes de casar e que, na quase totalidade do grupo, eram virgens. O grupo “Santuário”, formado totalmente por discentes e docentes ateus, a importância foi ter que pesquisar e defender um posicionamento diverso ao que acreditavam e que lhes deu uma compreensão mais ampla sobre a questão religiosa e seua importância para os que seguem crenças religiosas.

Em ambas turmas o processo histórico se mostrou aliado essencial, pois foi possível compreender a sexualidade como elemento histórico e religioso, a partir do momento em que foram apresentadas as diversas visões religiosas que configuram a virgindade e a própria sexualidade.

Considerações Finais

A abordagem da sexualidade humana, pedagogicamente planejada, requer um entrosamento histórico e moral novo, auxiliado pelas ciências humanas, sem fragmentar-se ainda mais a sexualidade em formar “professores de educação sexual”, mas superando o dualismo racionalista e tecnicista da escola.

Ao longo da pesquisa foi observado que alguns responsáveis negavam a sexualidade como conteúdo escolar, mas que reafirmam sua relevância para a formação dos educandos e para a ação educadora, após as atividades realizadas com as turmas.

Dentre os aspectos que impossibilitam ou “travam” a implantação da prática efetivamente, destacamos a “aversão” à temática, identificada em praticamente 90% dos educadores. Não apenas pelas questões administrativas e pela falta de políticas públicas diretas, mas por não gostarem de falar da própria sexualidade, como expresso por uma docente no município de Marituba-PA, ao afirmar que não via “motivos para falar da vida particular dela com os alunos”.

Em diversos momentos foram identificadas situações criadas por funcionários ou professores, junto à direção da escola, no intuito de justificar a necessidade de se retirar o projeto do espaço escolar, alegando que tal temática já estava sendo desenvolvida pelos professores de ciências e biologia. Ironicamente, os professores citados defenderam a aplicação da pesquisa e propuseram a realização de aulas conjuntas, onde seriam trabalhados todos os aspectos da sexualidade.

Analisando o aspecto discente da pesquisa, destacamos mudanças comportamentais, ainda que leves devido ao pouco tempo de contato com as turmas, quando em um princípio se acreditava ser uma aula sobre “sexo” e, portanto, dotada de “risinhos” e descomprometimento em participar ou discutir os temas propostos e, a partir dos primeiros momentos de contato, assumir-se outra postura, percebendo a importância para eles próprios de conhecer outros aspectos do que acreditavam ser a Sexualidade.

A troca de visão sobre o sexo oposto, discutindo-se na prática o machismo e as atitudes machistas que direcionam as relações sociais, mesmo quando provenientes de sujeitos femininos, permitiu que os educandos se compreendessem como iguais em direitos e responsabilidades, passando a se observarem de forma mais aprofundada e fora dos esteriótipos sociais.

A prática interdisciplinar se mostrou perfeitamente viável, a partir do momento em que se compreendeu, tanto por parte dos educandos quanto dos educadores, a relação direta ou indireta da sexualidade para com os demais conteúdos curriculares. Assim como também se mostrou viável a utilização do pensamento crítico-filosófico e dos pressupostos freireanos para a prática do educador sexual. Estes instrumentos, partiram das vivências e observações dos educandos e quebraram com o conceito, ainda existente, de alguns pais e educadores de que o educando não pensa a sexualidade, exceto quando impulsionado pela escola ou pela sociedade.

É impressindível rever metodologias e posturas profissionais, assim como faz-se urgente, também, a implantação de Políticas Públicas que viabilizem a prática efetiva da Educação Sexual para que não restrinjamos a sexualidade dos educandos e educadores, a um aglomerado de conteúdos previamente determinados e totalmente desvinculados da identidade e das vivências deles.

A instituição escolar precisa não apenas tomar consciência de seu papel, mas principalmente dispor-se a realizá-lo, não se permitindo ser mais um instrumento de controle e castração, que perpetue as ideologias dominantes e reforce as relações de domínio socialmente instituídas.

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos – Apresentação dos Temas Transversais. Brasília: MEC/SEF, 1998 e 2006.

CHAUÌ, Marilena. Convite à Filosofia. 11ª Ed. São Paulo: Ática, 1999.

FREIRE, Paulo & SHOR, Ira. Medo e Ousadia: O Cotidiano do Professor. Lopez, Adriana (trad.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

____________. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996 (Coleção Leitura).

____________. Pedagogia do Oprimido. 4ª ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1977 e 1987.

____________. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1967.

FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud. vol. VII. Imago, 2006.

LOMBARDI, José Claudinei (org.). Globalização, Pós-modernidade e Educação: história, filosofia e temas transversais. 2ª ed. rev, ampl. Campinas-SP: Auttores Associados: HISTEDBR; Caçador-SC: UnC, 2003. (Coleção Educação Contemporânea)

NUNES, César Aparecido. Filosofia, Sexualidade e Educação: As relações entre os pressupostos ético-sociais e históricoculturais presentes nas abordagens institucionais sobre a educação sexual escolar (tese de doutorado). Universidade Estadual de Campinas – Faculdade de Educação, 1996.

OLIVEIRA, Ivanilde Apoluceno de. Filosofia da educação: reflexões e debates. 2 ed. Belém, PA: Unama, 2003.

Gaby Faval
Enviado por Gaby Faval em 09/10/2013
Código do texto: T4518236
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