Ensino de língua portuguesa no Brasil: uma questão linguística e cultural
Discorrer sobre assuntos inerentes ao ensino de línguas, cultura, e aprendizagem nos obriga a considerar algumas abordagens teóricas sobre os atos de fala e como estes se realizam em meio à comunidade. Para não incorrer em subjetividade, apresentarei neste texto uma visão panorâmica com base na leitura do ponto de vista de alguns teóricos sobre o tema em questão, tendo em vista que os objetivos dos estudos científicos visam a uma resposta satisfatória à sociedade.
A relevância dessas considerações pode ser vista, logo, ao se observar o ponto de vista bakhtiniano sobre a linguagem. Bakhtin (1999), em Marxismo e Filosofia da linguagem, aborda a linguagem, também, sob o prisma da ideologia, e não meramente linguístico. Sem desprezar o ponto de vista saussuriano que diz ter a linguística “por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma", o autor coloca, primeiramente, o que para ele, representa a questão dos dados reais da linguística – a natureza real dos fatos da língua, aquilo que é realizado pelo individuo no seio de uma sociedade, ou seja, a fala. E assim, ele valoriza a sua natureza social e a vê como o motor das transformações linguísticas. (P14)
Para Bakhtin a linguagem e sua atividade mental são modeladas pela ideologia e os signos que usa são ideológicos, ou seja, uma sombra da sua realidade. Essa cadeia ideológica estende-se de consciência em consciência e “a consciência individual é um fato sócio-ideológico”. (p.35). O autor demonstra, de maneira sucinta, que a não consideração desses valores intrínsecos na linguagem pode ou tem criado as maiores dificuldades e gerado todas as discussões relativas tanto à psicologia quanto ao estudo das ideologias da linguagem.
Mas recentemente Rajagopalan (2010) apresenta, no livro Nova Pragmática, o resultado de leituras que fez de Austin por ele mesmo em comparação ao Austin apresentado por Searle. E ali ele nos diz que “a sociedade negligenciada nos estudos da linguagem é decorrência do fato de Chomsky ter considerado um falante ideal em seus estudos negligenciando o fato de que o ato de fala se processa no meio social”. E com base no pensamento chomskiano procederam-se muitos estudos sobre a linguagem, a exemplo dos estudos de Searle sobre a pragmática, e como diz Rajagopalan (p,37): a centralidade atribuída ao indivíduo solitário garante a prática generalizada entre os estudiosos que trabalham na area da aquisição da linguagem. E com isso, atribuem à “pragmática o papel de lixeira da linguística” (p,38).
Entretanto, Rajagopalan define um novo papel para a pragmática que pode ser vista como uma “ciência que se vê envolvida na política da linguagem, o que implica que o linguista deve livrar-se da tendência canônica de se concentrar no usuário da língua como um agente autônomo” (p,41).
Seguindo essa linha de raciocínio vemos alguns estudiosos da linguagem preocupados em perceber e explicar como esta é adquirida, desenvolvida e realizada em meio a uma sociedade, a fim de que o usuário possa desfrutar do melhor que ela tem a nos oferecer, e aqui apresentamos alguns.
Começamos com Matêncio (2001) que nos seus estudos sobre língua materna diz ser necessário “considerar as complexas relações institucionais entre a delimitação cientifica do objeto dos estudos da linguagem e a constituição da disciplina escolar” – o nosso alvo – para se perceber “como essas restrições se manifestam na interação em sala de aula” (p,7). Essa mesma autora ainda diz que “o professor deve ser capaz de perceber e compreender o que faz através da linguagem em sua pratica em sala de aula” (p, 34), promovendo a interação verbal e ao mesmo tempo um evento de comunicação.
Nesse mesmo contexto de interação para a construção do conhecimento pode entrar em cena Cox e Assis-Peterson, (2001) com os artigos organizados em Cenas da sala de aula, dos quais destacamos o de Hornberger que diz: “quanto mais os contextos de aprendizagem dos indivíduos permitem que eles usufruam de todos os aspectos dos contínuos, maiores são as chances de um completo letramento”. (p, 27)
E para falar em letramentos evocamos Roxane Rojo (2009) que reúne num único livro (Letramentos múltiplos, escola e inclusão social) conceitos de alfabetização, alfabetismo, alfabetismo funcional, ajudando-nos a diferenciá-los do conceito de letramento ou letramento múltiplo e propõe uma reflexão sobre esses conceitos como uma forma de “melhorar a qualidade do ensino”. (p. 23)
Tratando especificamente do tema do livro a autora apoia-se nos conceitos elaborados por Magda Soares, para lembrar que o alfabetismo é, na verdade, “um conceito que disputa espaço com o conceito de letramento(s). Tendo-se em mente que a alfabetização é vista como a ‘ação de ensinar a ler e escrever’, ou seja, aquilo que leva o aprendiz a conhecer o alfabeto, a mecânica da escrita/leitura para ser considerado um ser alfabetizado” (p. 44), pode-se afirmar que, nesse caso, um ser alfabetizado não necessariamente seria um letrado, pois o conceito de letramento envolve não apenas conhecer o alfabeto e decodificar letras e sons da fala. É preciso também compreender o que se lê e relacioná-lo com outros conhecimentos. “Além disso, é preciso interpretar, criticar, dialogar com o texto: contrapor a ele seu ponto de vista, detectando o ponto de vista e a ideologia do autor, situando o texto com seu contexto.” (p. 44)
Para que esses conceitos sejam trabalhados satisfatoriamente, é preciso considerar, também, o que apresentam Cavalcanti e Bortoni-Ricardo, (2007) em Transculturalidade, Linguagem e Educação. A começar pelo conhecimento da cultura que é equiparado, ali, ao conhecimento da língua. Mostrando assim, que o conhecimento não é algo que mora nas mentes individuais, mas é socialmente distribuído. (p, 30) Fato esse que desemboca num dos conceitos de cultura, que, nesse caso é vista como sistema de mediação para interação humana como ambiente físico e social e é portadora de um conjunto de signos (ideológicos) conhecidos pelos usuários da língua através da qual ocorre a interação necessária à construção do conhecimento.
Mas a questão é: se se tem tanto conhecimento científico a respeito da linguagem e os meios de sua aquisição, por que, então, ainda se verifica no Brasil graves problemas relacionados ao ensino/aprendizagem de linguagem? A resposta pode ser encontrada com a própria Cavalcanti que diz: “a língua portuguesa, nas suas formas prestigiadas, aparece como um ideal de língua a dominar diante da crença de que seja possível estabelecer o contato mais simétrico com o outro que se coloca nesses espaços de poder da cultura hegemônica”. (P58)
Como resolver esse problema? é o que procuramos fazer através de estudos e pesquisas cientificas; com intervenções em meio a sociedade embasados em teorias correntes que possam ao menos nos apontar um caminho palpável para dirimir questões relacionadas à linguagem e sua aquisição.
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