Sobre sonhos e ilusões
Já andei por maus caminhos e mal acompanhado. Mas hoje os homens cuja sociedade procuro são os chamados honestos. Também é para mim um doce convívio o das mulheres honestas e belas: pois também nós temos olhos conhecedores. A imagem destes fazem-me desgostar de antigas companhias. Pensando bem, como amigos, para intimidade, frequentação e conversação: prefiro as pessoas honestas e sonhadoras. Não é apenas nos sonhos que o espírito mostra sua beleza e sua força, mostra-se igualmente na realidade, mas jamais nas ilusões.
Os homens vivem num mundo real, mas tem a capacidade e a tendência de sonhar com outros mundos. Provavelmente a diferença entre os sonhos e as ilusões é que a ilusão está simplesmente nela mesma, enquanto que os sonhos vão além. Todos nós temos o desejo de sair de um velho trilho, todos nós desejamos ser alguma outra coisa, todos nós sonhamos. E, quanto maior e mais complicado é o sonho, mais insatisfeito será o sonhador. Por isso é que um menino sonhador é sempre mais difícil de alfabetizar; pois está sempre à frente dos primeiros passos. De resto, o divórcio deve ser necessariamente mais comum entre os sonhadores e as pessoas de ideais do que entre as pessoas não imaginativas. A imagem de um companheiro de vida ideal tem uma irresistível força, que nunca sentem os menos idealistas e os menos sonhadores. Em conjunto, é por essa capacidade de idealismo que o mundo envereda por bons ou maus caminhos, mas não se pode sequer pensar em progresso humano sem esse dom.
Esse traço humano de realizar proezas deve-se indubitavelmente ao nosso poder de sonhar. Quanto maior o poder imaginativo de uma criança, tanto maior será seu empenho em realizá-lo. Acreditar em sonhos é uma coisa útil. Iludir-se é auto-destruição. O homem é um ser de aspirações, mas não acreditar nelas é um erro tão grave quanto não se preparar para realizá-las. Alguns sonham um pouco mais que outros e a realidade não é senão o controle e o registro das produções de tais almas.
É loucura atrelar sonhos e realidade às ilusões; mas, por outro lado, imiscuir-se em sonhos e na realidade sem amor e sem envolvimento voluntário, à maneira de atores, realmente é cuidar da própria ruína e a isso chamo de ilusão.
Sonho é um desejo que quer ser realizado. Ilusão é uma fuga da realidade pela imaginação, confabulação e mentira. O que advém do sonho é o esforço em realizá-lo, por mais difícil que seja. Consideremos que Leonardo Da Vinci tenha sonhado, na Idade Média, que o homem poderia voar, pois bem, Leonardo não viu o avião, mas porque ele sonhou um dia o homem pode voar. Acontece que nós sonhamos, mas nos deixamos persuadir rapidamente, antes mesmo dos primeiro esforços, de que nossos sonhos são ilusões.
Consequentemente é preciso desejar com honestidade, quanto a mim, não conheço desejos sem sonhos mais do que ilusões sem mentiras. Mas a realidade dos economistas e matemáticos, digo, é admirável; para eles, ilusões são superstições e sonhos, lendas. Mas para nós, espíritos livres, nenhum destes dogmas que insultam a razão e a natureza dão sentido ao nosso tema. Assim esse logro recai sobre mim, que querendo sonhar, muitas vezes caio em ilusões e a realidade frequentemente me inflama e trai. Como sou homem que não pede que me considerem melhor do que sou, digo-lhes isso para adverti-los dos riscos que há em distinguir sonhos de ilusões.