A Natureza da Aprendizagem e do Ensino
A IMPORTÂNCIA DA APRENDIZAGEM E DO ENSINO
A aprendizagem é um dos temas mais estudados pela Psicologia. A razão deste interesse em investigar o processo de aprender é clara: praticamente todo o comportamento humano é aprendido.
Não devemos pensar, entretanto, que é só o ser humano que aprende. Sabe-se hoje que todas as formas mais organizadas de vida animal aprendem, mas a importância da aprendizagem é maior quanto mais evoluída a espécie.
O número de comportamentos instintivos que garante a sobrevivência é cada vez menor à medida que se ascende na escala evolutiva. Assim, apesar dos animais mais inferiores também aprenderem, suas aprendizagens são de pequeno ou nenhum valor de sobrevivência. Esta lhes é garantida pelas reações inatas de que é dotada a espécie.
O homem é a espécie animal mais evoluída e, como tal, é a que possui menor número de comportamentos inatos, fixos e invariáveis. Por isso, o homem é o que mais depende da aprendizagem para sobreviver. Precisamos aprender praticamente tudo: vestir, comer, andar, falar, etc. A lista de reações aprendidas no ser humano é quase interminável e nela poderiam ser incluídos, como exemplos, os comportamentos de dar “bom dia”, andar de bicicleta, gostar de pudim, atitudes raciais preconceituosas, ideais de vida, etc.
Começamos a aprender antes de nascer e continuamos a fazê-lo até a morte. É a capacidade de aprender que torna possível às gerações tirar proveito das experiências e descobertas das gerações anteriores, acrescentar sua própria contribuição e, assim, promover o progresso. Apesar disso, é um engano pensar que aprendizagem leva, invariavelmente, a um crescimento pessoal e social. Não aprendemos somente os comportamentos que nos tornarão melhores, mais capazes ou mais felizes. Também aprendemos comportamentos inúteis ou prejudiciais.
COMPORTAMENTO APRENDIDO X COMPORTAMENTO INSTINTIVO
Comportamento instintivo é concebido como aquele comportamento complexo, universal, uniforme para cada espécie, de aparecimento súbito, não requerendo treinamento ou aprendizagem prévia e tendo valor de sobrevivência.
Trata-se, pois, de um comportamento previsível pelo simples fato de se estar lidando com uma determinada espécie. Ele se distingue do comportamento reflexo porque este ocorre num grupo específico de efetores e é evocado pela estimulação de receptores específicos. São exemplos de comportamentos reflexos: contração da pupila pela projeção de luz sobre a retina, secreção salivar pela presença de ácido na boca, movimento de preensão da mão do recém-nascido pela estimulação da palma da mão, dentre outros.
O comportamento instintivo, por outro lado, não depende, em geral, de receptores específicos e promove a ação de grande parte dos efetores de todo o organismo. São exemplos de comportamentos instintivos: o comportamento maternal da rata, o tecer da teia pela aranha, a construção de ninhos pelos pássaros, etc.
Em suma a resposta reflexa é um processo local e o comportamento instintivo envolve o organismo no seu total.
Quanto mais baixa estiver uma espécie na escala animal, mais fixo e estereotipado é o comportamento instintivo.
Em geral considera-se o comportamento adquirido (aprendido) como relativamente independente da hereditariedade e o comportamento não adquirido (instintivo) como livre de qualquer aprendizagem.
Esta oposição apesar de ser útil, talvez seja rígida demais.
A hereditariedade, por si própria, não pode produzir nenhum comportamento, assim como não há aprendizagem sem as estruturas orgânicas herdadas.
CONCEITO DE APRENDIZAGEM
Estudando o tema da aprendizagem, nos deparamos com um problema: a questão da sua definição.
No entender de Edwards (1973, p. 158) “é impossível uma definição precisa e abrangente de um termo tão amplamente usado quanto aprendizagem”.
A verdade é que a ciência não foi capaz de responder a uma pergunta bastante simples: o que acontece no cérebro de uma pessoa quando ela aprende alguma coisa? Supõe-se que deva haver uma modificação qualquer no sistema nervoso, cuja natureza não foi esclarecida.
Assim, pela impossibilidade de observação direta, a aprendizagem é constatada e estudada indiretamente, através de seus efeitos sobre o comportamento.
Para conceituar aprendizagem, portanto, é necessário se referir-se às suas conseqüências sobre a conduta. A aprendizagem promove uma mudança no comportamento. Quando alguém aprende alguma coisa, seu comportamento fica alterado em algum aspecto, mesmo que a mudança não se evidencie imediatamente.
No entanto, não é só a aprendizagem que provoca alterações na conduta. Outros fatores como a maturação, os comportamentos inatos ou simples estados temporários do organismo como lesões, ingestão de drogas, fadiga, etc. , também o fazem.
Por isso, definir aprendizagem simplesmente como uma mudança no comportamento, não é satisfatório.
A maioria dos estudiosos estabelece dois critérios para ajudar a discriminar as mudanças de comportamento promovidas pela aprendizagem daquelas que não o são: deverão ser (a) relativamente duradouras e (b) devidas a alguma experiência ou treino anterior.
Por “relativamente duradouras” entende-se que as mudanças não deverão ser necessariamente permanentes, mas de alguma duração.
Este critério elimina as alterações devidas a lesões (como o “mancar” por pé torcido), a drogas (como reação retardada a estímulos por ingestão de tranqüilizantes), a fadiga (como a eficiência diminuída por trabalho excessivo), ou a outros estados transitórios ou do organismo.
O segundo critério, “experiência ou treino anterior”, elimina as mudanças no comportamento devidas à maturação ou tendências inatas de resposta, (como o voar dos pássaros ou o choro do recém-nascido), já que uma de suas características é justamente o aparecimento súbito, a falta de treinamento anterior.
A definição de Morgan (1977, p. 90) resume o que tentamos colocar até agora: “A aprendizagem é qualquer mudança relativamente permanente no comportamento, e que resulta de experiência ou prática”.
TIPOS DE APRENDIZAGEM
Sawrey e Telford (1976) classificam a aprendizagem nos seguintes tipos básicos:
1. condicionamento simples
2. condicionamento instrumental ou operante
3. ensaio-e-erro
4. imitação
5. discernimento ou “insight”
6. raciocínio
A lista foi organizada em ordem crescente de complexidade e as formas mais complexas de aprendizagem podem incluir as mais simples.
APRENDIZAGEM POR CONDICIONAMENTO SIMPLES
Também chamada de “condicionamento clássico”, “associação simples”, “resposta condicionada” ou “reflexo condicionado”, esta forma de aprendizagem foi estudada pela primeira vez por Ivan P. Palov (1849-1936).
Este tipo de aprendizagem consiste na resposta por um ser animal qualquer a um estímulo externo associado a um determinado fato.
Exemplo: Palov observou que a boca de um cão ficava cheia de saliva quando tinha a vista (ou quando apenas sentia o cheiro) de um determinado alimento.
Esta resposta por parte do ser animal também pode ocorrer não apenas quando se tem a vista o alimento ou quando se sente o seu cheiro, mas também pode está associada ao reconhecimento, por parte do ser animal, de estímulos chamados de neutros, no caso do cão, os passos de seu dono se aproximando ainda em outra sala antes do ato de receber o alimento diariamente provocava a mesma resposta.
Palov, em suas experiências, condicionou ainda o determinados estímulos a determinados acontecimentos e observou que o ser animal responde de determinada maneira quando tem condicionado um determinado estímulo a um determinado fato.
Com base nas experiências e estudos de Palov, é fácil concluir que o condicionamento simples é um tipo muito comum de aprendizagem.
É provavelmente o condicionamento o responsável por muitos de nossos gostos, temores, simpatias ou antipatias, aparentemente irracionais, pois o condicionamento ocorre, em grande parte, sem que o aprendiz tome consciência do processo.
A pessoa que sente um grande medo de falar em público, provavelmente, já foi vítima de uma ou várias situações em que o falar em público foi associado a um acontecimento desagradável.
APRENDIZAGEM POR CONDICIONAMENTO OPERANTE OU INSTRUMENTAL
Assim como o nome de Palov está ligado à teoria do condicionamento clássico, o nome de B.F. Skinner, psicólogo americano, nascido em 1904, liga-se aos conhecimentos sobre o condicionamento operante.
Skinner chamou de comportamento operante a resposta a estímulos os quais a não é possível precisar a sua natureza, a sua origem. Caminhar pela sala, abrir uma porta, cantar uma canção, são comportamentos chamados de operantes. É o comportamento conhecido como “voluntário”, que “opera” sobre o meio, afim de gerar conseqüências.
Skinner reconheceu ser, a maioria dos comportamentos humanos, operante.
APRENDIZAGEM POR ENSAIO-E-ERRO
Edward Lee Thorndike (1874-1949), psicólogo americano, foi quem primeiramente estudou este tipo de aprendizagem. Seus experimentos foram feitos com animais, preferencialmente gatos.
Com base nos experimentos de Thorndike, ensaio-e-erro é, portanto, um tipo de aprendizagem que se caracteriza por uma eliminação gradual dos ensaios ou tentativas que levam ao erro e a manutenção daqueles comportamentos que tiveram o efeito desejado.
Thorndike fomulou, a partir de seus estudos, leis de aprendizagem, das quais se destacam a lei do efeito e a lei do exercício.
A primeira, diz que um ato é alterado pelas suas conseqüências. Assim, se um comportamento tem efeitos favoráveis, é mantido; caso contrário, eliminado.
A segunda afirma que a conexão entre estímulos e respostas é fortalecida pela repetição. Em outras palavras, a prática, ou exercício, permite que mais aspectos acertos e menos erros sejam cometidos como resultado de um comportamento qualquer.
APRENDIZAGEM POR IMITAÇÃO OU OBSERVAÇÃO
Nem toda a nossa conduta é proveniente apenas de condicionamento ou ensaio-e-erro. Na realidade, muitas das nossas aprendizagens, na vida cotidiana, se fazem por observação direta da conduta de outras pessoas. Isto significa, em outras palavras, aprender pelo exemplo. É uma forma mais rápida de aprender do que as anteriores, apesar de não excluí-las.
A pessoa cuja conduta é imitada (modelo) é, em geral, um dispensador de reforços ao comportamento que se aproxima do seu. Experimentadores provaram que os modelos mais passíveis de ser imitados são os que têm poder de reforçar (como pais, professores, amigos).
A aprendizagem observacional foi estudada através de experimentos, principalmente por Bandura e Walters.
APRENDIZAGEM POR DISCERNIMENTO OU “INSIGTHT”
O termo “insight” ou discernimento é usado para designar uma mudança repentina no desempenho, proveniente de aprendizagem.
Popularmente “insight” corresponde a “estalo” e é representado nas estórias em quadrinho, por uma lâmpada que se acende subitamente na cabeça de quem aprende.
A pessoa, frente a um problema, parece não fazer grande progresso, inicialmente; de repente, parece “ver” a essência da questão e seu desempenho salta de um baixo nível de adequação para uma solução completa ou quase completa do problema, sem eliminação gradual perceptível de respostas incorretas.
A história está repleta de exemplos de grandes conceitos da ciência que nasceram do “insight”. Entre os mais conhecidos estão o de Arquimedes e o seu “heureka” ao descobrir o princípio o princípio do peso específico dos corpos e o de Newtom ao enunciar o princípio da gravidade.
Um exemplo familiar de “insight” é a aprendizagem da leitura. A criança passa alguns meses examinando as letras, palavras, sílabas, e, de repente, “estala”, isto é, descobre o princípio que relaciona as vogais com consoantes, sílabas entre si, etc., e é capaz de ler qualquer material.
Um dos primeiros estudos experimentais sobre o “insight” foi realizado por Kohler, usando macacos.
APRENDIZAGEM POR RACIOCÍNIO
Raciocínio é considerado o tipo de aprendizagem mais complexa e abstrata, envolvendo todas as demais formas de aprendizagem e dependendo delas.
“Embora seja verdadeira a afirmação de que homem não é o único animal que faz uso da razão, ele raciocina muito mais, ele pensa em termos muito mais abstratos e os resultados de sua ideação são muito mais importantes em sua vida do que na vida dos animais” (Sawrey e Telford, 1976, p. 105).
O raciocínio é considerado um processo análogo ao ensaio-e-erro, mas de natureza mental, isto é, ensaiamos e erramos mentalmente, para só depois tentarmos resolver, efetivamente, os nossos problemas.
O processo de raciocinar inicia-se a partir de uma motivação, da necessidade da resolução de um problema. Segue-se uma análise para determinar em que exatamente consiste a dificuldade, e formulam-se hipóteses, sugestões para a solução.
Parece ser possível um treinamento para desenvolver a habilidade de raciocinar, apesar de que o assunto não foi, suficientemente investigado.
A NATUREZA DA APRENDIZAGEM E DO ENSINO
Após estas pequenas considerações sobre o tema da aprendizagem podemos afirmar que é bem difícil apontar uma única natureza para tal processo, pois, como vimos, temos que considerar a que tipo de aprendizagem estamos nos referindo, como que ela está ocorrendo, sobre quais condições e quais transformações no comportamento humano ela está desencadeando. A aprendizagem é um tema bastante amplo, assim como suas ramificações.
Mas no que tange a aprendizagem que ocorre nas instituições de ensino formais, e que se desenrola dentro das salas de aula, esta está mais de acordo com o que Palov, com a resposta condicionada, apresentou; pois os alunos de modo geral são expostos a estímulos externos de variadas espécies (auditivos, visuais, emocionais, etc.) através dos recursos didáticos e, como resultado desse estímulo, respondem (ou pelo menos se espera) com atitudes que são utilizadas pela maioria dos educadores para avaliá-los, como as boas notas em provas, o comportamento em sala de aula, as respostas corretas nos mais diversos exercícios, etc. Porém não podemos afirmar (de maneira nenhuma) que as outras maneiras de aprendizagem não ocorrem nas instituições de ensino formais, como por exemplo a aprendizagem por raciocínio ou a por ensaio-e-erro; em suma a aprendizagem é uma mescla destas diversas formas epigrafadas. Assim, também, podemos afirmar que a natureza do ensino não é apenas uma, mas várias. A essência do ensino depende do grau de conhecimento que o educador tem quanto aos processos apresentados (e é fundamental que o educador saiba como ocorre a aprendizagem) e da didática que decidirá utilizar para o objeto do ensino, ou seja, é variável.