Depoimentos de Maria II
Família
Eu sempre quis mudar de cidade. A oportunidade apareceu na minha vida quando conheci meu marido. Ele estava na minha cidade a trabalho e logo voltaria para a sua cidade quando findasse o contrato. Não foi o que aconteceu. Nós tivemos que morar numa outra cidade diferente da nossa, digamos que no meio do caminho, por que ele é filho único e seu pai estava doente, teríamos que tomar conta de seu pai. Para mim foi mágico, cidade diferente, interior de um estado que eu ainda não conhecia. Amei. Ao mesmo tempo em que eu me apaixonava pelo lugar e pelas pessoas, meu filho crescia, minha família ficava mais distante, meus amigos de infância iam sumindo na memória, os lugares em que eu passei a juventude iam se transformando sem que eu tomasse conta disso. Quando meu filho já estava indo sozinho pra escola, já tinha seu grupo de amigos, já ia e volta do clube sozinho, eu resolvi voltar a estudar, já que não tive a felicidade de ser novamente mãe. Queria estudar novamente, fazer um curso de artes desta vez. Esta oportunidade me foi negada com simples não. Você não precisa estudar, nem fazer artes, nós vivemos bem e eu preciso de você na nossa empresa, preciso de você para viajar comigo quando tenho que resolver coisas de trabalho fora da cidade. Era muita discussão, era muita briga, e eu acabava cedendo. Então eu disse que queria visitar minha família. Foi outra briga, a resposta mais inusitada que eu recebi foi: “Sua família sou eu, você e nosso filho”. E só? Eu não tinha mais mãe, pai, irmãos, sobrinhos, tios, primos.... Eu não precisava de mais nada. Então vi que estava num terreno totalmente desconhecido, entendi que eu fora afastada de tudo que não fazia parte do “nosso” mundo. Que tudo o que eu possuía antes dele não existia na sua cabeça, que na cabeça dele meu mundo, minha vida começara quando eu o conheci. Era incrível como ele agia como se fosse essa a “verdade”, como se eu tivesse nascido no instante em que eu o conheci. Eu amei muito esse homem, com todas as partes do meu corpo, com todos os meus sentimentos mais puros e bons. Eu dei a ele uma família que ele não tinha. Dei a ele primos, irmãos, sobrinhos, tios... minha família o abraçou, o acolheu. E ele, premeditadamente me afastou de tudo e de todos. Porque eu aceitava tudo isso? O que me prendia a ele? Quando eu ia tomar uma atitude?
PS: Ela existe, ela é real e consentiu que seu depoimento fosse divulgado, que sua experiência fosse exposta. Maria quer acontecer aqui para fazer valer o seu viver. Outros depoimentos virão, outros desabafos de Maria serão postos aqui de acordo com seu consentimento. Estes depoimentos fazem parte de um estudo sobre:
Ciúmes e sentimentos doentios de posse e controle
Sentimentos doentios de posse e controle são próprios de pessoas com transtorno de personalidade obsessiva compulsiva, que endo perfeccionistas ao extremo usam de qualquer artifício para manter todos e tudo sob controle, na mais perfeita ordem, o que na verdade nada tem a ver com ciúmes e sim uma forma de manipulação para que as ações da pessoa sejam sempre impecáveis de acordo com seus conceitos. No fundo essas pessoas são inseguranças, trazem algum trauma do passado muitas vezes, bloqueado no inconsciente e nem sempre lembrado, como humilhações ou rejeição e procuram compensar esses sentimentos tentando controlar tudo a sua volta.
Infelizmente, muitas pessoas confundem amor com possessividade, se sentindo nas nuvens, flutuando de felicidade ao serem controladas pela pessoa amada, ao serem vítimas de uma crise de ciúme em público ou até mesmo na intimidade, se esquecendo que pode estar lidando com alguém que sofre de distúrbio obsessivo e como tal, essa pessoa tem sempre a certeza de estar sendo enganada ou traída vendo na outra, um objeto de posse, e não uma companhia para a vida.